Meticulosos, após a meia-noite em clara geada,
Infrangíveis e solitários, suaves como moldados
Em conjunto numa só impiedosa lâmina branca –
Os estuários da baía pontilham os severos limites do céu.
– Como que friáveis ou claros demais para tocar!
As cordas de nosso sono tão rapidamente dispostas,
Já pendem, pontas rasgadas de estrelas relembradas.
Um só sorriso gelado sem rastros... Que palavras
Podem asfixiar esse surdo luar? Pois nós
Somos tragados. Agora nenhum grito, nenhuma espada
Pode comprimir ou desviar essa cunha das marés,
Retardar a tirania do luar, luar amado
E transformado... “Não existe
Nada assim no mundo”, dizes tu,
Sabendo que não posso tocar tua mão e olhar
Também naquela fresta ímpia do céu
Onde nada gira a não ser a areia faiscante.
– “E nunca entender plenamente!” Não,
Na frota de teus cabelos brilhantes nunca sonhei
Tal navio sem bandeira, uma pirataria dessas.
Mas agora
Aproxima tua cabeça, sozinha, alta em demasia.
Teus olhos já no ângulo da espuma que se afasta;
Tua respiração, selada por fantasmas que não conheço:
Aproxima tua cabeça e dorme a longa viagem para casa.
[ Hart Crane (1889-1932) | tradução de Denise Bottman ]
Hart Crane by Walker Evans
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Às vezes o facebook nos traz coisas muito boas. Não conhecia esse poema de Crane. Segundo a própria tradutora, de quem "roubei" o belo poema, Crane era um rapaz torturadíssimo que se matou aos trinta e dois anos. Seu amante mais amado era um marinheiro dinamarquês, Emil Opffer. Daí as referências ao mar, à despedida e à viagem (de Emil) de volta para casa.
Dei uma googlada e soube também que ele se suicidou saltando do navio que o levava a New York.
Vinicius de Moraes dedica a ele um poema intitulado 'O poeta Hart Crane suicida-se no mar', acesso aqui a quem interessar possa.