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sábado, setembro 11, 2021

Filhos da época


Wisława Szymborska, poetisa polonesa, ganhadora do Nobel de Literatura de 1996.
Wisława Szymborska, poetisa polonesa,
ganhadora do Nobel de Literatura de 1996.




Somos filhos da época
e a época é política.

Todas as tuas, nossas, vossas coisas
diurnas e noturnas,
são coisas políticas.

Querendo ou não querendo,
teus genes têm um passado político,
tua pele, um matiz político,
teus olhos, um aspecto político.

O que você diz tem ressonância,
o que silencia tem um eco
de um jeito ou de outro político.

Até caminhando e cantando a canção
você dá passos políticos
sobre um solo político.

Versos apolíticos também são políticos,
e no alto a lua ilumina
com um brilho já pouco lunar.
Ser ou não ser, eis a questão.
Qual questão, me dirão.
Uma questão política.

Não precisa nem mesmo ser gente
para ter significado político.
Basta ser petróleo bruto,
ração concentrada ou matéria reciclável.
Ou mesa de conferência cuja forma
se discuta por meses a fio:
deve-se arbitrar sobre a vida e a morte
numa mesa redonda ou quadrada.

Enquanto isso matavam-se os homens,
morriam os animais,
ardiam as casas,
ficavam ermos os campos,
como em épocas passadas
e menos políticas.

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Filhos da época | In: Wislawa Szymborska | Poemas | Seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien | São Paulo | Companhia das Letras | 2011.

segunda-feira, março 30, 2020

Pandemia




Assistindo ao Jornal Hoje, vejo o mundo mobilizado. O arsenal é de guerra, tanto em relação ao tratamento dos feridos quanto no combate aos inimigos.

Ouço os planos dos governos, dos chefes de estado e suas equipes. Os fatos, as news, as estatísticas, as previsões e possíveis estratégias. A ciência a todo vapor produzindo novas descobertas e instrumentos. Drones sobrevoando os espaços. Alertas.

Médicos, enfermeiros, auxiliares e toda uma cadeia de serviços essenciais. Medidas de isolamento, problemas de abastecimento. Toques de recolher. Consequências econômicas. Pacotes e mais pacotes de assistências emergenciais. Políticas de distanciamento, medidas restritivas. Mortes.

Itália, Espanha, Alemanha, Estados Unidos, França: mortes e mais mortes. A China, dizem, aos poucos, vai voltando ao normal. População educada, higienizada, a maioria de máscaras e obedecendo às medidas de proteção. Rígido controle social. A Nigéria? Uma lástima. Muitas favelas. Não há saneamento básico. Água suja, lixo, miséria, doenças, tristeza e desorganização. Um caos. 

A calamidade é pública, quase universal. Há que se conter a crise. Impõe-se uma nova ordem. Tudo é urgente. A imprensa internacional critica Bolsonaro. Ouço falar na liberação de 306 bilhões de reais para assistir parte da população brasileira. O processo é moroso, depende da burocracia e da aprovação no congresso.

E lá vem o presidente, passeando pela cidade do Distrito Federal, fazendo politicagem. Viola as medidas de distanciamento. Posa para uma foto ao lado de uma criança no colo do pai ou outro irresponsável qualquer hipnotizado pelo mito. 

Bolsonaro faz um discurso tosco. É contra a política de isolamento social recomendada pelos mais bem preparados profissionais e instituições de saúde. Diz que devemos enfrentar o vírus como homem. Wow, cabra-macho! Em tom fatalista, culpa os pobres pela pobreza. E pergunta: É crime trabalhar?

Pergunta errada, Sr. Presidente!

Maju não consegue disfarçar sua indignação ao falar no dito-cujo. Nem eu.


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Imagem: Eyes without a face - Sophie Calle