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terça-feira, julho 11, 2006
Ainda sobre a ordem e o caos
Caro Diego
Receio que nosso acordo não seja tão grande quanto você pensa. Gostaria de insistir num ponto. Você afirma que “ao menos não existe um caos tamanho que possibilite o surgimento de matéria”. Essa, a meu ver, é uma afirmação temerária, pois, na verdade, podemos afirmar apenas que não temos a experiência de ver a matéria surgir de tamanho caos, e não de que ele, de fato, não exista. Temos sim a experiência das transformações da matéria, mas a origem desta permanece oculta às nossas percepções. Não entendo por que você considera o argumento da subjetividade humana válido, mas, ao mesmo tempo, abominável em relação às leis físicas e químicas. Não estou segura, mas parece-me que a física quântica já admite a possibilidade de que não haja imparcialidade do sujeito em relação aos movimentos das partículas atômicas. Também não vejo como se possa demonstrar que se partirmos do pressuposto de que em tudo há subjetividade humana deveríamos declarar um caos absoluto. Ora, subjetividade não é igual a caos. Ao contrário, do modo como a subjetividade foi por mim expressa, pode-se dizer que ela tem uma estrutura própria de ordenação dos materiais apreendidos. A questão seria: é o universo que possui ordem ou é nossa subjetividade que o ordena de modo a torná-lo o mais compreensível possível?
terça-feira, julho 04, 2006
Ordem ou Caos?
Caro Diego.
Se entendi bem, quando você fala em surgimento e desaparecimento da matéria, acho que o que você está querendo dizer é que a matéria se transforma, não é? Com efeito, a matéria não desaparece. Nós não temos acesso pela experiência ao surgimento e desaparecimento da matéria, mas apenas à sua transformação. E essa transformação pode ser fruto – como disse antes e você também menciona – de princípios ordenadores intrínsecos à matéria.
Sobre monoteísmo e politeísmo. Penso que o defensor do monoteísmo tem de enfrentar realmente a dificuldade que você assinala. Sobre isso estamos de acordo. Contudo, acredito que um litígio apenas entre o monoteísta e o politeísta seria provavelmente vencido pelo primeiro. Platão e Aristóteles, para citar apenas os dois maiores filósofos gregos, nunca deram crédito ao politeísmo.
Em relação à inteligência do cosmos, a meu ver, não está de modo algum excluída a possibilidade do cosmos ser na realidade caótico e o princípio ordenador ser apenas uma imposição de nossa subjetividade às coisas.
Um abraço!
terça-feira, junho 20, 2006
O primeiro dia (1794) William Blake
Coloquei a gravura ao lado para ilustrar a idéia de rigor e precisão.
Pintada por William Blake e intitulada O primeiro dia (1794), tal gravura "representa a regularidade encontrada em cada nível do universo conhecido, desde o maior até o menor de todos, e normalmente em formas que podem ser expressas em equações matemáticas. É como se o universo mesmo contivesse a racionalidade. Como disse alguém um dia, é como se 'Deus fosse matemático'" (Bryan Magee. História da Filosofia).
Como vocês podem observar, a imagem representa um Deus que possui em suas mãos um compasso - instrumento de precisão. E, de fato, o título "O primeiro dia" alude, neste contexto, ao momento da criação do universo (supostamente criado por Deus). Portanto, a figura remete, ao menos em linhas gerais, à tese do criacionismo. Isso me leva a pensar naquilo que os filósofos chamaram de argumento do desígnio e que Hume, nos Diálogos Sobre a Religião Natural, também discute.
O argumento do desígnio é o argumento mais difundido e bem aceito da religião natural em favor da existência de Deus. Há várias versões deste argumento, mas em sua forma mais abrangente ele reza que a partir da aparente ordem, beleza e desígnios do universo, podemos legitimamente inferir a existência de um criador, possuidor de atributos naturais e morais, tais como inteligência, poder, sabedoria, benevolência, justiça e misericórdia. Embora Hume, na voz do personagem Cleanthes, não pense exatamente num ordenador matemático, a análise que ele faz do argumento do desígnio tem uma íntima relação com as idéias que a imagem nos desperta. Mas aqui vou apontar ao menos dois problemas que Hume levanta nos Diálogos: por que pensar num único ser ordenador e não em vários seres ordenadores? Ou por que não pensar que a própria matéria possa ter um princípio organizador interno responsável por toda essa ordem aparente?
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