sábado, março 27, 2021

Just a dream

Noite passada
tive um sonho
um sonho 
de goiabada.

Acordei quente
doce
der 
    re 
        ti
           da
e melada.




Escrevi esse poeminha bobinho num papelzinho. Tá colado num certo caderninho de anotações. Se não o publiquei antes, foi apenas por pudor  desses igualmente bobinhos. Hoje mandei-os à M... !


quarta-feira, março 10, 2021

Pandora


Pânico, pandemia, pandemônio: 
é o inimigo invisível, é o novo demônio,
é a face coberta por um pedaço de pano,
é o humano reaprendendo a ser humano.
É uma carreata de caixões pelas ruas de Turim,
é o translúcido azul do céu de Pequim.
É o papa rezando na São Pedro deserta,
são as águas transparentes dos canais de Veneza.
Parece que faz tanto tempo que tudo aconteceu,
presos no labirinto com Minotauro e Teseu.

Legiões de desempregados em Teerã, São Paulo, Paris.
As calçadas de Guayaquil estão cheias de cadáveres.
Estão pregando tapumes nas fachadas.
Todas as fronteiras foram fechadas.
Os médicos e coveiros estão exaustos.
Os jornais nem noticiam mais o holocausto.
São pilhas de corpos-números cobertos por um véu,
São poemas que jamais sairão do papel.

Os confinados batem panelas, invocam os magos,
pumas invadem as avenidas de Santiago.
É uma vida pulsando entre a pedra e a espada,
é o prenúncio de uma economia global robotizada.
São velórios e shoppings vazios, praias desertas,
é o começo de um renascimento, é o fim de uma era.
É o silêncio ensurdecedor e o medo de morrer,
é o tempo pra ler toda a obra de Shakespeare,
é a chance de ser o maior experimento
de controle social de todos os tempos.
É um exército branco higienizando as cidades,
é um planeta em quarentena por toda a eternidade.

É um homem que saiu do isolamento e nunca mais foi visto,
são fanáticos gritando O Vírus é o Anticristo.
São anjos em polvorosa sobre os céus de Berlim,
são amantes aprendendo a amar enfim.
Já ninguém ouve o que os agonizantes urram,
os metrôs voltaram hoje a circular em Wuhan.
É solidão compulsória, é um estado de sítio,
são coiotes vagando livres por San Francisco,
É uma flor desabrochando durante a tempestade
(pois quando tudo acabar talvez seja tarde).
É a solidão futurista da Times Square,
é o suicida alcançando um revólver.
São navios de cruzeiro proibidos de atracar,
são hospitais abarrotados em Milão, Rio, Dakar.
Pássaros continuam voando, geleiras caindo,
há um pôr do sol distante, solitário e lindo.
É viver entre as paredes dos parênteses
em reticências que se alongam como meses.
É o mundo inteiro em stand-by,
é o corpo lutando por ar.

***
Rodrigo Garcia Lopes
O Enigma das Ondas [Iluminuras | 2020]

***
[Imagem | Pandora | 1885 | Walter Crane | 1845-1915]