sexta-feira, julho 31, 2020

Notas do day by day


Acordei cedo e fiz o que sempre faço primeiro: um café preto, bem forte e bem quente! Meu ritmo é lento. Penso em meus compromissos: terminar de revisar os artigos para a "Coleção Rumos da Epistemologia", ler a nova introdução do texto de qualificação de mestrado de minha filha, dar um up no apto...

De repente, viajei no tempo, ao observar o aspirador de pó emprestado (que nem sei usar ainda) e fiquei entre fumar e não fumar. Sei que quando fumo meu dia será diferente: menos produtivo, talvez, mas mais poético. A fumaça me leva à contemplação. Sempre olho com vagar em torno de mim mesma. E vejo uma certa mesmice no ar. A poeira que se acumula nos livros, nos artigos, documentos, pequenos objetos e quinquilharias. A velhice do apartamento me incomoda mais do que o meu próprio caminhar para ela. Procuro poesia. Mas não só nos livros. Procuro poesia na vida, nas pessoas, nos ambientes, nas engrenagens do day by day. Poesia como poíesis, no sentido bem grego da palavra ποίησις.

Nessa procura, lá vem ele caminhando pelos recônditos de minha memória. Que coisa! Esse vai e vem, esses laços que se rasgam, se despedaçam, se desfiam, mas não se desfazem, apenas tecem outros fios, outros planos e caminhos. Tem dor, tem amor, tem riso, prazer, atração e repulsão.

Como bem expresso naquela carta em que dizia um NÃO para mim, em alto e bom som: algo se perdeu... e ele dizia também não saber o que era. Mas eu sabia. Sim, eu sabia. Algo se perdeu. E eu poderia apresentar, se não tudo o que se perdeu, e o que permaneceu, muito do que se perdeu entre nós.

Abri aquela agenda (2011) que ganhei da Nick. Aquela marronzinha, com bolinhas azuis e capa de tecido. Há varias anotações ali: frases, poemas, citações filosóficas, referências bibliográficas e estudos diversos. Viajei novamente ao folheá-la. Reli vários escritos. Peguei outra entre tantas que habitam meu universo: uma espécie de Memorandum (2000). Início de minha graduação em filosofia. Na verdade, do meu segundo ano. Época em que comecei a estudar Nietzsche. Ali contém notas sobre a filosofia deste autor, meios e modos de expressão da escrita acadêmica, uma lista de conectivos lógicos, significados de palavras desconhecidas, mal assimiladas e/ou definidas, termos em francês e em inglês, tipo notas de vocabulário, and so on...

Constatei como era estudiosa, interessada e apaixonada pelo que fazia. Era e continuo a ser. O passado aqui é mero tempo verbal ー classe gramatical.

Volto à agenda que a Nick me deu e encontro uma frase solta, forte, que não sei de onde tirei. Ei-la:

"vou ao enterro de minha solidão" ー impacto que me levou a engolir seco e, inevitavelmente, ao ponto final.


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[marília côrtes | março/2016]


sábado, julho 18, 2020

A morte do amor


"Se eu pudesse voltar atrás
Não te amava.
É tão mais fácil
Manter o coração quieto no peito
Como se todos os dias
E todas as horas fossem iguais.

A inquietação de me faltares
Deixa os meus olhos tristes
Esperando que aceites
A mão que te estendo.

Mas tu não estás.
Eu parti com a última onda
Sem saber se voltarei um dia,
E o caminho que os nossos pés
Juntos percorreram
Choram a saudade
De ter morrido o amor
Quando dissemos adeus."

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Ana Brilha | A Morte do Amor | in A Apologia do Silêncio | Edição de Autor | Cascais | Portugal | 2012


photo by Virginia Rota

quinta-feira, julho 02, 2020

Epílogo


"Não, o melhor é não falares, não explicares coisa alguma. Tudo agora está suspenso. Nada aguenta mais nada. E sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes, o que é que derruba um castelo de cartas! Não se sabe... Umas vezes passa uma avalanche e não morre uma mosca... Outras vezes senta uma mosca e desaba uma cidade."


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[Mario Quintana | in: Sapato Florido | 1948 | p.60]