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sábado, julho 06, 2019

Afora o teu olhar...



[...]
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
[...]





Lílitchka! (Em lugar de uma carta)


Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto —
um capítulo do inferno de Krutchônikh. (1)
Recorda —
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração — aço.
Um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
No teu hall escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
Sairei correndo,
lançarei meu corpo à rua .
Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor, meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor
— duro fardo por certo —
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos — rodopiante carnaval —
dispersarão as folhas dos meus livros...
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?
Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.

[Vladimir Maiakóvski |1916 | Tradução de Augusto de Campos]

(1) Alusão ao poema "Um jogo no inferno",
de A. Krutchônikh e V. Khliébnikov.


sexta-feira, março 15, 2019

Água fria


A água que bebi
na fria fontana
queimou os meus lábios.

A água, de tão fria,
como fogo ardia
até na minha alma.

Assim é o amor,
fogo que se bebe
na fontana fria.

Assim é a morte.
A água fria apaga
o fogo que ardia.

...................................

Lêdo Ivo | in: De Plenilúnio | 2001-2004


“Bacio alla Fonte” | Photo by © Henri Cartier-Bresson 


domingo, dezembro 23, 2018

Carta a uma desconhecida



photography by Kasia Derwinska


Quando passarem os anos, quando passarem
os anos e o ar tenha cavado um fosso
entre tua alma e a minha; quando passarem os anos
e eu só seja um homem que amou,
um ser que se deteve um instante diante de teus lábios,
um pobre homem cansado de andar pelos jardins,
onde estarás tu? Onde
estarás, ó nascida de meus beijos!


Nicanor Parra



(PARRA, Nicanor. Nicanor Parra & Vinicius de Moraes. Tradução e introdução de Carlos Nejar e Maximino Fernández. Rio de Janeiro: ABL, Academia Chilena de la Lengua, 2009,  p.65)

sexta-feira, dezembro 07, 2018

Levante-se! é libertador




Estive hoje cedo dando aquela espiadinha básica no facebook quando, de repente, dei de cara com uma postagem cujo título (muito adequado) é o mesmo que dei a este post. Trazia uma foto da divina Nina Simone com uma de suas frases. 

Não me lembro de ter ouvido tal frase sair da boca da própria Nina nas diversas entrevistas que já assisti com ela, tampouco naquele documentário maravilhoso, intitulado "What Happened, Miss Simone?", disponível na Netflix (e que também já assisti). Talvez esteja lá. Não sei...

Numa rápida pesquisa no google a frase aparece mil vezes atribuída a ela, mas sem a fonte. E eu nunca confio muito nesses banners, a não ser que se possa comprovar oficialmente a autenticidade da fala atribuída ao autor. Well, mas sendo ou não da Nina, a frase que me chamou a atenção é a seguinte:

"Você tem que aprender a levantar-se da mesa quando o amor não estiver mais sendo servido." 

Eu faria dessas palavras as minhas próprias e, ainda, acrescentaria que o mesmo vale para a amizade. Ora, não basta dizer: é claro que "somos amigos"! Amizades que não se exercem, amizades que não se efetivam, simplesmente não existem. Não passam de flatus vocis. Amizades não alimentadas com atitudes correspondentes ao grau da amizade em foco morrem à míngua, ou, em alguns casos, afogadas num poço de mágoas. Amores também. 


quinta-feira, novembro 15, 2018

La mort de l'amour



"O amor nunca morre de morte natural. Ele morre porque nós não sabemos como renovar a sua fonte. Morre de cegueira e dos erros e das traições. Morre de doença e das feridas; morre de exaustão, das devastações, da falta de brilho." 



Anaïs Nin | In: 'Henry & June' | L&PM Pocket | Porto Alegre | 2007



Teseo Screpolato by Igor Mitoraj


domingo, novembro 04, 2018

O melhor de mim



Ofereci-te tanta coisa. A mais preciosa, aquela que há muitos anos não dava a ninguém - a mais preciosa, repito, foi a minha absoluta disponibilidade para estar contigo, ouvir-te, ou estar em silêncio perto de ti.


[Al Berto | 1948-1997 | Diários | 2012]


by Rafal Olbinski
La Traviata - Verdi

sexta-feira, novembro 02, 2018

E depois...


Os labirintos
que cria o tempo
se desvanecem.

(Só fica
o deserto)

O coração,
fonte do desejo,
se desvanece.

(Só fica
o deserto)

A ilusão da aurora
e os beijos
se desvanecem.

Só fica
o deserto.
Um ondulado
deserto.


[Federico García Lorca | E Depois | Obra poética completa | Tradução de William Agel de Melo |  Martins Fontes | São Paulo | 1989]



segunda-feira, outubro 29, 2018

Doce cantiga sepulcral


Entra, amor, comigo na escuridão?
No vão onde hei eu de encerrar-me,
o vão onde encerrados os meus flancos
e extinta a tua carne – ah maciez, ah invólucro.

Vens comigo ao longo despautério?
Vem, amor, jaze comigo sobre a terra,
deixa que o líquido doce do teu corpo
se misture ao meu líquido. Vens?

Convido-te ao desmonte, homem.
Convido-te à devastação – mas teus olhos…
Não, não teus olhos, não aqueles que
entrefechaste quando enfim te conheci.

Atravessa, amor, comigo estes umbrais.
Anoitece comigo e eu contigo me desfaço
e te desfazes comigo e desfazemo-nos
unos, perdidos, destituídos – mas juntos.

Decide, não há tempo. Deita comigo sobre
a umidez da terra? Abraça-me enquanto
ainda braços tens? Abre, amor, os teus umbrais
enquanto ainda resiste o meu tendão.

Sei que amargo, amor, é meu convite.
Mas vem, quero as folhas do teu coração
sucumbindo enquanto eu ardo e sucumbo
contigo e sucumbimos unos, indistintos.

Vem, que o teu desfazer-se é o meu,
que o meu desenfeixar-me é o teu
e somos um só feixe, amor, jungidos
à mesma sorte, morte, aniquilação. Vem.

[by Ygor Raduy]


[White Gauze | 1984 | by Robert Mapplethorpe]

sexta-feira, setembro 28, 2018

Help me



Trauma | by Cristina Otero 



Socorro, eu não estou sentindo nada.
Nem medo, nem calor, nem fogo,
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir.

Socorro, alguma alma, mesmo que penada,
Me empreste suas penas.
Já não sinto amor nem dor,
Já não sinto nada.

Socorro, alguém me dê um coração,
Que esse já não bate nem apanha.
Por favor, uma emoção pequena,
Qualquer coisa que se sinta,
Tem tantos sentimentos,
Deve ter algum que sirva.

Socorro, alguma rua que me dê sentido,
Em qualquer cruzamento,
Acostamento, encruzilhada,
Socorro, eu já não sinto nada.


Alice Ruiz | Socorro | in: 50 Poemas de Revolta | São Paulo | Cia das Letras, 2017

quarta-feira, setembro 05, 2018

Na faina turva dos dias


Permaneço no escuro como um cego
Porque meus olhos não te encontram mais
A faina turva dos dias para mim
não é mais que uma cortina que te dissimula.

Olho-a, esperando que se erga
esta cortina atrás da qual há minha vida
a substância e a própria lei da minha vida
e, apesar disso, minha morte.

Tu me abraçavas, não por desrazão
mas como a mão do oleiro contra o barro
A mão que tem poder de criação.
Ela sonhava de algum modo modelar –

depois se cansou,
se afrouxou
deixou-me cair e me quebrei.

Eras para mim a mais maternal das mulheres,
eras um amigo como são os homens,
eras, a te olhar, mulher realmente,
mas também, muitas vezes, criança.

Eras o que conheci de mais terno
e mais duro com que tenho lutado.

Eras a altura que me abençoou –
te fizeste abismo e naufraguei.

[Rainer Maria Rilke a Lou Andreas-Salomé, In: Correspondência Amorosa]

photo by Kasia Derwinska

quarta-feira, agosto 08, 2018

Intoxicação amorosa?



Lovesick 
Banksy Graffiti Art


grande sacada e representação 
de um amor tóxico, 
ou um 'amei demais', 
exagerei, 
empapucei, 
ou mesmo
enjoei desse amor, 
a ponto de vomitar.

talvez, 
numa leitura mais dócil
possa expressar 
estou grávida de amor!

na verdade
não se sabe
não se sabe

pode ser que 
tudo não passe 
de uma intoxicação alimentar

na verdade
não se sabe
não se sabe...

............................................
[marília côrtes / 2018]


terça-feira, junho 12, 2018

A morte feliz




"... Tudo se esquece, até mesmo os grandes amores. É o que há de triste e ao mesmo tempo de exaltante na vida. Há apenas uma certa maneira de ver as coisas, e ela surge de vez em quando. É por isso que, apesar de tudo, é bom ter tido um grande amor, uma paixão infeliz na vida. Isso constitui pelo menos um álibi para os desesperos sem razão que se apoderam de nós".

[Albert Camus | A Morte Feliz]


quarta-feira, maio 30, 2018

Da imensidão do mar


Pena Líquida

Saudade,
dor de talento solitário,

sinonímia de banzo. Dor
de arrasto recolhida

ao leito das lembranças,
que nos condena à penitência

das aves sem voos,
de passos sem presença

e na esperança de retorno
do outro nos alinha.

Saudade é a pena líquida
que polimos quando

o objeto amado
de nós se distancia

em ausências sem esperas
ou em esperas sofridas.

[Marina Alice da Luz Ferreira]





Marina Alice foi, outrora, minha professora no curso de Comunicação Social da UEL (1982-1984). Coincidentemente, no dia em que minha primeira filha, Marina, nascia (1985), Marina Alice apareceu nos corredores da maternidade e presenciou-me andando e chorando um pouco as dores e o medo do parto que se aproximava. Um parto que se tornou cesária. Nunca me esqueci daquele dia, daquela cena, tampouco do abraço carinhoso de "boa hora" da Marina Alice. E jamais se esquece também do nascimento de uma filha.

Há não muito tempo soube pelo facebook (sim, o facebook é uma entidade falante) que Marina Alice escrevia poesias. Saquei melhor o porquê de ter sentido uma admiração e simpatia imediatas por ela. 

Marina tem poesia dentro dela
e mar... mar... 
mar...



O poema apareceu em minha timeline dedicado aos amigos queridos com as seguintes palavras:

"uma pausa do caos externo para pautar o que me vai na alma." 


sexta-feira, maio 04, 2018

Voyages V


Meticulosos, após a meia-noite em clara geada,
Infrangíveis e solitários, suaves como moldados
Em conjunto numa só impiedosa lâmina branca –
Os estuários da baía pontilham os severos limites do céu.

– Como que friáveis ou claros demais para tocar!
As cordas de nosso sono tão rapidamente dispostas,
Já pendem, pontas rasgadas de estrelas relembradas.
Um só sorriso gelado sem rastros... Que palavras
Podem asfixiar esse surdo luar? Pois nós

Somos tragados. Agora nenhum grito, nenhuma espada
Pode comprimir ou desviar essa cunha das marés,
Retardar a tirania do luar, luar amado
E transformado... “Não existe

Nada assim no mundo”, dizes tu,
Sabendo que não posso tocar tua mão e olhar
Também naquela fresta ímpia do céu
Onde nada gira a não ser a areia faiscante.

– “E nunca entender plenamente!” Não,
Na frota de teus cabelos brilhantes nunca sonhei
Tal navio sem bandeira, uma pirataria dessas.

Mas agora
Aproxima tua cabeça, sozinha, alta em demasia.
Teus olhos já no ângulo da espuma que se afasta;
Tua respiração, selada por fantasmas que não conheço:
Aproxima tua cabeça e dorme a longa viagem para casa.


[ Hart Crane (1889-1932) | tradução de Denise Bottman ]


Hart Crane by Walker Evans
....................

Às vezes o facebook nos traz coisas muito boas. Não conhecia esse poema de Crane. Segundo a própria tradutora, de quem "roubei" o belo poema, Crane era um rapaz torturadíssimo que se matou aos trinta e dois anos. Seu amante mais amado era um marinheiro dinamarquês, Emil Opffer. Daí as referências ao mar, à despedida e à viagem (de Emil) de volta para casa.

Dei uma googlada e soube também que ele se suicidou saltando do navio que o levava a New York. 

Vinicius de Moraes dedica a ele um poema intitulado 'O poeta Hart Crane suicida-se no mar', acesso aqui a quem interessar possa.


sábado, março 10, 2018

Deslumbramento


É amor? Não sei. Esta intranquilidade,
Este gozo na dor, esta alegria
Triste que vem de manso e que me invade
A alma, enchendo-a e tornando-a mais vazia;

Este cansaço extremo, esta saudade
De uma cousa que falta à vida... O dia
Sem sol, as noites ermas, a ansiedade
Que exalta e a solidão que anestesia,

É amor. Egoísmo de sofrer sozinho,
De as penas esconder do humano açoite,
De transformar as pedras do caminho

Em carícias sutis para colhê-las
E andar como um sonâmbulo, na noite,
Escancarando os olhos às estrelas...

[ © Olegário Mariano |  In: Canto da minha terra ]


terça-feira, fevereiro 20, 2018

Indecisão Amorosa


Então me digo:
“Não vou mais vê-la”
e no dia seguinte
quero tê-la.

Então me digo:
“É a última vez”
e me resigno.
Mas quando anoitece
sou eu quem ligo.

“Começo a esquecê-la”,
me repito.
E numa esquina
invento vê-la.

De novo afirmo:
“Melhor parar”
e aí começo
a desesperar.

O tempo todo
a estou deixando
e mais a deixo
partido
ao seu amor regresso
e partindo
vou ficando.

(Affonso Romano de Sant’Anna)


segunda-feira, fevereiro 12, 2018

Everything bare




How heavy the days are.
There's not a fire that can warm me,
Not a sun to laugh with me,
Everything bare,
Everything cold and merciless,
And even the beloved, clear
Stars look desolately down,
Since I learned in my heart that
Love can die.

Hermann Hesse | Translated by James Wright

............................

Perambulando outro dia pela net, deparei-me com esse poema. Tentei encontrar a referência precisa (ao menos para me certificar de sua autoria e autenticidade), mas não consegui. Naveguei, naveguei e, digamos assim, morri na praia. Algumas dizem que Hesse o escreveu em 1911. Foi o máximo que consegui saber, afora o nome do tradutor. Não sei em que obra se encontra. Anyway, sendo ou não de Hesseo poema pesa, comprime o peito e exala beleza e tragicidade.


[photo by Cem Edisboylu]

terça-feira, janeiro 30, 2018

Silêncio Amoroso


Preciso do teu silêncio
cúmplice
sobre minhas falhas.
Não fale.
Um sopro, a menor vogal
pode me desamparar.
E se eu abrir a boca
minha alma vai rachar.

O silêncio, aprendo,
pode construir. É um modo
denso/tenso
— de coexistir.
Calar, às vezes,
é fina forma de amar.




Affonso Romano de Sant'Anna | Silêncio Amoroso II | In: Intervalo Amoroso e Outros Poemas Escolhidos | Porto Alegre | L&PM Pocket | 1998.