quarta-feira, setembro 05, 2018

Na faina turva dos dias


Permaneço no escuro como um cego
Porque meus olhos não te encontram mais
A faina turva dos dias para mim
não é mais que uma cortina que te dissimula.

Olho-a, esperando que se erga
esta cortina atrás da qual há minha vida
a substância e a própria lei da minha vida
e, apesar disso, minha morte.

Tu me abraçavas, não por desrazão
mas como a mão do oleiro contra o barro
A mão que tem poder de criação.
Ela sonhava de algum modo modelar –

depois se cansou,
se afrouxou
deixou-me cair e me quebrei.

Eras para mim a mais maternal das mulheres,
eras um amigo como são os homens,
eras, a te olhar, mulher realmente,
mas também, muitas vezes, criança.

Eras o que conheci de mais terno
e mais duro com que tenho lutado.

Eras a altura que me abençoou –
te fizeste abismo e naufraguei.

[Rainer Maria Rilke a Lou Andreas-Salomé, In: Correspondência Amorosa]

photo by Kasia Derwinska

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