sexta-feira, março 21, 2014

A musa da noite

Pois não é que caí no conto do facebook? Ops, será menos pior do que cair no conto do vigário? Sei lá... Calma! Je peux expliquer: eu havia visto no meu farto, concorrido (rs) e pouco confiável feed de notícias, que o dia 14 de março era o dia da poesia. Meus amigos du métier publicaram várias poesias em homenagem a elas. E eu, que vinha há dias perambulando pelos meus livros e arquivos de literatura e poesia, no dia seguinte, resolvi, por conta dessa informação (que eu rápida e irrefletidamente admiti como verdadeira), escrever algo a respeito.

Porém (ah... o velho porém), vejo hoje novamente no facebook que, na verdade, o dia da poesia é hoje (21/03). Ts ts ts, fiquei confusa e, desta vez, resolvi conferir. Eis que, ao pesquisar no Google sabe-tudo, constatei que é mesmo hoje o Dia Mundial da Poesia ─ criado, diz o mestre Google, na  XXX Conferência Geral da UNESCO, em 1999.

- Mas que papelão, hein, Marília! (fala a voz da autocensura). Logo você, que aprecia tanto a poesia, dá um fora desses! Cadê aquele seu zelo tradicional de conferir as informações que recebe via facebook ou de outra fonte qualquer? 

Bom, agora a Inês est morte. Só me resta, então, tentar remediar esse terrível engano que, ao final, nem foi propriamente um engano, pois depois de pesquisar um pouco mais, descobri que o dia 14 de março é o dia nacional da poesia, e não o dia mundial da poesia (bah, grande coisa!). Sendo assim, aquilo que inicialmente seria um sincero pedido de desculpas à poesia, torna-se agora um mero pretexto para publicar uma que me deixou gamada (mais do que já sou por natureza) quando li no mural do facebook da minha amica del cuore Ana de Lucca. Lá vai: transcrevo abaixo um poema de Florbela Espanca extraído (pela Ana) do Livro de Sóror Saudade [1923], in Sonetos [Ediclube, 1995]. 

Que fale, pois, a poesia de Florbela ─ a bela musa da noite!

[La Nuit - Auguste Raynaud - 1854-1937]

A noite desce...

Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce... Ah! doces mãos piedosas
Que os meus olhos tristíssimos fechassem!

Assim mãos de bondade me embalassem!
Assim me adormecessem, caridosas,
E em braçadas de lírios e mimosas,
No crepúsculo que desce me enterrassem!

A noite em sombra e fumo se desfaz...
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe-me embriagada, louca!

E a noite vai descendo, muda e calma...
Meu doce Amor, tu beijas a minh'alma
Beijando nesta hora a minha boca!

Devo adverti-los que encontrei, em outras fontes http://portugues.free-ebooks.net/ebook/Livro-de-Soror-Saudade/pdf?dl&preview, algumas linhas traduzidas de modo ligeiramente diferentes, mas que "roubei" a versão publicada e devidamente citada pela Ana, por achar que essa versão é sutilmente mais bela. Que os diletantes, especialistas, mestres, doutores e pós-doutores de plantão, caso desejem, apresentem, se houver, suas correções. Caso contrário, apenas

apreciem a beleza dessa noite muda e calma
que desce com perfume de baunilha ou de lilás
beijando nesta hora a minha boca e alma.

sábado, março 15, 2014

Dedicatória

Ouvi dizer que ontem,
14 de março
foi o dia da poesia.
ora bolas, e poesia lá tem dia?

Não seria todo dia dia de poesia?
dia de mais poesia
dia de menos poesia?

Digamos, pois, que hoje é um dia de mais poesia!

Destino, então, esta pequena poesia
ao meu amor poético

com esta breve
muito breve
dedicatória:

ao meu lírico amor
um beijo
um licor.


Tal dedicatória, que acabo de escrever, me fez lembrar de um verbete contido nos Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland Barthes. Eis o verbete:

Dedicatória:  "Episódio de linguagem que acompanha todo presente amoroso, real ou projetado, e, ainda, mais geralmente, todo gesto, efetivo ou interior, pelo qual o sujeito dedica alguma coisa ao ser amado". Entre muitas outras coisas que não caberão aqui, diz, ainda, Barthes: "Não se pode dar linguagem (como fazê-lo passar de uma mão a outra?), mas pode-se dedicá-la [...]. Nada podendo dar, dedico a própria dedicatória, que absorve tudo que tenho a dizer" (pp. 66-67-68).


L'Altare della Patria ~ Rome, province of Rome LazioLeonardo Bistolfi
[1859-1933]

quinta-feira, fevereiro 27, 2014

Voar é para os pássaros


Chegamos em Montevideo. Antes disso, tortura aérea. Três decolagens. Três pousos. E algumas turbulências. Ai... como detesto voar dentro de uma máquina gigante, inflamável e falível (é assim que concebo um avião). Se eu soubesse que teria de voar, preferiria ter nascido  pássara!

De início, já detesto as instruções das aeromoças ou comissários de bordo, que dizem sempre sorrindo: "em caso de despressurização da cabine, máscaras de oxigênio cairão. Puxem o elástico, coloquem a máscara 'assim' e respirem normalmente". Ora bolas, indago indignada: quem pode respirar normalmente numa situação dessa?  E com aqueles sorrisinhos brancos, simpáticos e tranquilos, continuam eles: "em caso de pouso na água, usem o acento para flutuar... e blablablá".

PQP, dá vontade de mandá-los à M...! Num grito silencioso, imploro: calem a boca peloamordedeus! Não povoem a minha imaginação (que já é suficientemente fértil) com essas possibilidades. Afastem de mim esses cálices!

Well, um modo de amenizar meu sofrimento é, se possível, nunca me sentar próxima à janela. Assim posso evitar olhar pra fora, pois se vejo que o céu está carregado de nuvens escuras (que nunca me parecem passageiras), fico mais apavorada ainda. No primeiro voo, Londrina-São Paulo, tive pânico e tremedeira (ainda bem que minhas demais funções eu consigo controlar rs). Desta vez, como em muitas outras, cheguei (discretamente) a chorar...  de medo e de nervoso (sempre tenho medo e fico nervosa em qualquer voo, mas, em geral, e por pura necessidade, aprendi a ter um [in]certo controle). Comecei tomando calmantes e, aos poucos, fui encarando os voos "de cara", sem tarja preta nenhuma.

Em qualquer decolagem tenho a sensação de que o avião não vai conseguir subir, ou, pior, que vai explodir: BUUUMMM... e tudo irá pelos ares (e por terra abaixo)! Não suporto qualquer movimento, qualquer balancinho, qualquer barulhinho diferente, seja no motor do avião, seja no recolher ou acionar do trem de pouso. Odeio quando o avião se inclina nas curvas. Tenho a impressão de que ele vai despencar. E a cada vez que ouço o sinal que indica que alguém vai falar (o comandante ou qualquer tripulante), meu coração salta pela boca... e volta (ainda bem que volta!). Lá vem o BLIM-BLOM: "senhores passageiros..." imediatamente minha mente trágica imagina um aviso nefasto, do tipo: "o avião apresenta problemas, uma das turbinas pifou, a outra está pegando fogo, vamos ter de fazer um pouso de emergência, além de, antes, enfrentar uma tempestade com raios, ventos, trovões e furacões". Apertem os cintos!!! Socoooooorro...!!!

No segundo voo, São Paulo-Porto Alegre, resolvi tomar 1/4 de Rivotril, pois estava nervosa demais. Meu estado era de emergência. Eu era uma bomba-relógio, sem humor para brincadeiras e piadas. Mas, com o Rivotril, consegui cochilar e relaxar um pouco (apesar da eterna e constante sensação de insegurança e medo). 

No terceiro, de Porto-Alegre a Montevideo, mais 1/4 de Rivotril. Suspirei fundo, aliviada, quando o avião tocou o chão. Constatei que sobrevivemos! Porém (ahh... sempre tem um porém), em seguida, pensei: droga! teremos de voltar... e um voo é sempre periclitante, é sempre um voo no escuro (ao menos pra mim).  E de nada adianta tentarem me convencer de que o transporte aéreo é, estatisticamente comprovado, o mais seguro de todos. Não me ofereçam razões para acreditar nisso. Porque eu não acredito, infelizmente! Bem que eu gostaria... (ai de mim)!


quinta-feira, janeiro 30, 2014

Morte Lírica


Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudade de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.


[A meu ver, uma mulher que pensa sente e expressa o que está acima dito, uma mulher que concebe essa combinação de ideias palavras imagens sons e sentimentos, não pode deixar de ser considerada, reverenciada e declarada em alto (e eu diria até... solene) e bom som, uma grande e admirável poetés: Maria do Rosário Pedreira]. 

quinta-feira, janeiro 23, 2014

Ella na passarela

Ella chegou ao clube desfilando aquele seu charme habitual ─ uma delicada mistura de graça, beleza e vivacidade. E ainda que Ella fosse uma mulher madura, do alto de seus 38 anos, conservava seus trejeitos de garota marota, dada uma discreta malícia em seu sorrisinho de lado, e uma evidente irreverência em seu corpinho de moça. Onde Ella entrava, e por onde Ella passava, atraía olhares de admiração. Ella movimentava-se com a graciosidade e leveza de quem está a bailar.

Ao caminhar toda formosa pela passarela que circunda a piscina, à procura de um lugar ao sol, Ella avistou de longe um tipo asqueroso (que ela mesma certa vez já havia observado com involuntária repulsa). Era um tipo chulo, excessivamente chulo. 

Ella pensou em dar meia-volta, mudar o caminho, só pra não ter de passar por aquele sujeitinho bronco, visto que o cara, comme d’habitude, já havia lançado a distância seu olhar ordinário de macho predador. Ella percebeu aquele tipinho "eu sou o lobo mau" lamber os beiços e teve uma espécie de náusea. Controlou-se. E achou que, uma vez dados os primeiros passos, era melhor não hesitar e voltar. Ia dar muito na cara que desviava daquele caminho apenas para evitá-lo. Respirou fundo, franziu o cenho e foi em frente.

Ella sempre via aquele sujeitinho vulgar por ali, geralmente cercado de mais uns três tipos semelhantes a ele. Já o havia visto também algumas vezes conversando sobre negócios com seu ex-marido (que raramente aparecia). E pelo fato de vê-los às vezes conversando, Ella se sentia constrangida a cumprimentar aquele ser tosco e estulto sempre que não havia como evitá-lo. Cumprimentava-o sempre com apenas um gélido movimento de cabeça, justamente pra não lhe dar espaço pra dizer nada. 

Ora, o que Ella poderia esperar ouvir de um sujeitinho daquele?

Ao vê-la passar, o malandro de quinta, com ar de quem quer puxar um papinho, adiantou-se e lhe perguntou: ─ o namorado não quis vir hoje? Ella bufou diante de tal atrevimento. Ficou puta da vida, ao ponto de não conseguir disfarçar o constrangimento que sentiu. Com um olhar sério e furtivo, não respondeu. Deu apenas um sorrisinho amarelo e sem graça. E continuou em frente, indignada, pensando: “não é que esse beiçudo barrigudo teve a pachola de me fazer uma pergunta dessa?”

A sorte dele foi que Ella era educada. O sorrisinho glacial, seguido de um ar de desprezo, disse tudo, mas certamente Ella desejou ser suficientemente grosseira para, soltando fogo pelas ventas, lhe perguntar:

─ Por que o senhor acha que seria minimamente razoável me fazer uma pergunta tão invasiva? Que relevância tem para você e/ou para a humanidade se meu namorado quis ou não quis vir hoje? Quando é que lhe dei espaço para o senhor se dirigir a mim, assim? Ah... faça-me o favor! A você, lobo mau com cara de bobo mau, caberia apenas me observar passar, ou, no máximo, respeitosamente me cumprimentar com um brevíssimo aceno de cabeça. E mais nada! Vá lamber esses beições pra lá e comer sua vovozinha ─ seu babaca ordinário! ou melhor: vá lamber sabão! como dizia a minha avó!

quarta-feira, janeiro 08, 2014

Ausência na presença


Costumo anotar num caderninho algumas ideias, frases, passagens e expressões literárias dos livros que leio. É como se elas me lessem e, ao me lerem, dizem algo mais. Quando li A Identidade de Milan Kundera fiz isso. Anotações que me fizeram pensar e repensar. Eis uma... e apenas uma delas:

Chantal se pergunta:

“Saudade? Como podia sentir saudade se ele estava na frente dela? Como se pode sofrer com a ausência de alguém que está presente? (Jean-Marc saberia responder: pode-se sofrer de saudade na presença do amado se se entrevê um futuro em que o amado não está mais presente; se a morte do amado já está, então, invisivelmente presente)” (p.39).

Algumas vezes me fiz essa mesma pergunta, certamente porque me vi diante dessa situação: sofrendo a ausência de alguém que estava presente, bem ali, na minha frente. 

A resposta de Jean-Marc me parece boa. Estou ali, na presença do meu amado, mas, ao olhar para o futuro, não o vejo mais presente em minha vida. Vejo apenas a ausência dele  um vazio, uma dor. Sinto saudades, sofro e lamento sua ausência presente. 

Ops! como assim? 

Eu diria que se pode sofrer a ausência de alguém que está presente quando aquela pessoa já não se apresenta mais como aquela que você conheceu, amou ou ama ainda. Ela mudou, não é mais a mesma, malgrado seja ela mesma quem está bem ali na sua frente. Aquela ficou no passado. Hoje você a olha e não a vê. Você está com ela, mas se sente só. Você ama quem já não existe mais ─ nem aqui, nem agora, nem lá ou acolá.

(Kundera, Milan. A Identidade. Tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Cia das Letras, 1998).

[Art | Os Amantes |1928  de René Magritte]

segunda-feira, dezembro 09, 2013

Nobody

UEL 8:30. Vim aplicar exame de filosofia para apenas uma aluna. Nobody is here! Sala escura. Entro, espero, penso: ela não virá, obviamente. But I'm here. Da parte dela não há, absolutamente, nenhum compromisso com a disciplina, tampouco com a filosofia, e acho que nem com ela mesma.

E essa maldita dor de dente que não me dá uma trégua!?

Bom, ao menos os passarinhos cantam, o dia está belo, a temperatura agradável e o ar fresco.

Aproveito para estudar. Dou um tempo. Pouco mais de uma hora.
Ela não veio.
Fui...

quinta-feira, dezembro 05, 2013

Tango Fati

Tango of the Archangel | Kees Van Dongen |1877-1968 
 Oil on canvas


Hoje, ao ouvir um tango, transbordei, tangamente, de emoções e lembranças. Coração disparado, agitado... Inspirei, expirei, suspirei, pausei! pensamentos pulularam no ritmo sincopado de meus batimentos cardíacos enquanto dirigia. Pisei no freio. Derrapei! ouvindo um tango. Ora, por que os tangos me encantam, arrebatam e extasiam desse modo? Porque são belos, penetrantes. Invadem-me não só pelos ouvidos, mas também pelas veias, poros e pulmões. Tangos circulam por todo o meu sistema sanguíneo e, por pouco, não me arrebentam as veias. Tangos... tangos... que bonitos. O que dizer?

Seria um caso daquilo sobre o que não se pode falar e que, portanto, deve-se calar? Se sim...  dane-se! vou transgredir esse famoso enunciado e falar mais um pouco sobre o que, talvez, devesse calar, ainda que Wittgenstein venha a se revirar na tumba. Trata-se de falar sobre o inefável, ainda que a lógica se descabele por eu ter proferido tamanha contradição. Trata-se de dizer sobre o indizível, ainda que me faltem palavras para exprimir as paixões que se agitam em meu peito em chamas e que se diga que o indizível só pode, então, ser mostrado.

Transbordo-me quando ouço um tango. Tangos agitam minhas paixões (desejos, amores, temores e dores). Eles têm um "q" de sagrado e um "q" de profano. Ao ouvir um belo e bom tango, ao menos por um breve momento, abandono-me em mim mesma e para além de mim mesma, tornando-me, digamos assim, metafísica ─ pura contemplação estética! É como se eu e o universo inteiro nos tornássemos um só em toda a sua plenitude. 

[ Acho que Schopenhauer iria gostar dessa última frase rs, mas só dessa última, uma vez que ele entende o belo como uma dissolução do eu: um rompimento completo das amarras da vontade de viver, que, por sua vez, é enlouquecida pelo querido e amado eu. Para Schopenhauer, a contemplação estética se dá por um apaziguamento, uma libertação momentânea dos grilhões da vontade, e não uma agitação do eu em tormentos passionais, como no meu caso. Well. deixemos, então, o "velho rabugento" pra lá ].

A meu ver, os tangos inspiram o amor ─ os amantes latinos ou os simplesmente amantes. A vida e a literatura estão repletas de amores calientes, ardentes, trágicos, dramáticos ou simplesmente amores. Quando ouço um tango, não quero mais nada, talvez, no máximo, um amante argentino rsr (brincadeirinha ─ mantenham o senso de humor)

Há tangos alegres ou felizes? Acho que não! Ao menos não me vem nenhum à memória. Arrisco-me a dizer, pois, que os tangos são sempre trágicos ─ exprimem os sofrimentos e dramas da existência, o que ela tem de belo, profundo, triste, dolorido e... (pausa)... trágico! E não são menos belos por trazerem à tona a tragicidade da existência. Ao contrário, precisamente por serem trágicos, os tangos são ainda mais belos. Creio que vêm ao encontro do conceito de Amor-Fati exposto por Nietzsche do seguinte modo:

"Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas ─ assim me tornarei um daqueles que fazem belas as coisas.  Amor Fati: Amor ao Destino". Tango Fati: "seja este, doravante, o meu amor" (A Gaia Ciência IV | § 276).



sábado, novembro 30, 2013

A eternidade da morte


Conversando sobre a morte com a Bibi (minha filha de 19 anos), assim, ao acaso, ela me disse:

"não sei mãe
morrer... ah... morrer...
morrer é tão eterno né...?"

e eu: é!
no fundo...
morrer é que é eterno
e não viver
porque morrer é para sempre.

[Sculpture: Monumental Cemetery of Certosa di Bologna, Italy - by Renaud Martelli,1947]

quarta-feira, novembro 13, 2013

Desassossego


Dia lindo. Céu azul. Resolvi queimar o lombo. Não há uma alma viva sequer, com exceção da minha, aqui no clube. Silêncio. Meu coração está apertado. Queria poder arrancá-lo do peito para que me desse um alívio. Ah... meu angustiado coração! Por que não vais dar um passeio? Volte depois, de preferência mais leve, mais solto, mais livre. Vá... voe!

De vez em quando passa um avião sobre minha cabeça. Começo a ouvir burburinhos dos funcionários do clube, o que significa que há mais almas vivas por aqui. Percebo também os passarinhos. Sol quente. Vento fresco. Água gelada. Calor. Agonia. Calmaria exterior. Inquietação interior.

quarta-feira, outubro 30, 2013

Eros e Thanatos

Num daqueles dias em que perambulo ao léu... procurando qualquer coisa que arrebente ou arrebate meu coração, ou mesmo que o estraçalhe de uma vez por todas, encontrei esse belo hino de Lou Andreas-Salomé. Não resisti à tentação. Não resisti a esse impulso de vida... e de morte! Voici!

Hino à Morte

No dia em que eu estiver no meu leito de morte
Faísca que se apagou -,
Acaricia ainda uma vez meus cabelos
Com tua mão bem-amada
Antes que devolvam à terra
O que deve voltar à terra,
Pousa sobre minha boca que amaste
Ainda um beijo.
Mas não esqueças: no esquife estrangeiro
Eu só repouso em aparência
Porque em ti minha vida se refugiou
E agora sou toda tua.

(NOVAES, Adauto (org.) Os Sentidos da Paixão. São Paulo: Cia das Letras, 1987)


[Jardin du Luxembourg. La fontaine Médicis. Polyphemus surprising Acis and Galatea (1866). Auguste-Louis-Marie Jenks Ottin (1811-1890)]

domingo, outubro 20, 2013

Dos umbrais do inferno


"... os pensamentos são tiranos que retornam várias e várias vezes para nos atormentar."


“... pois que é que existe, ante mim, que não esteja ligado a ela? Que é que não me lembra dela? Não posso sequer olhar para o chão, pois vejo as feições dela esculpidas nestas lajes. Em cada nuvem, em cada árvore enchendo o espaço; à noite, refletindo-se em cada objeto; durante o dia, vivo cercado pela imagem dela! Os mais vulgares rostos de homem ou de mulher, minhas próprias feições, zombam de mim com a sua semelhança. O mundo inteiro é uma terrível coleção de lembranças da existência dela e de que a perdi”!

[...]

“Não tenho medo, nem pressentimento, nem esperança de morte. [...] Contudo, não posso continuar assim! Tenho que me lembrar de respirar, tenho quase que lembrar meu coração de bater! Vivo como se me impulsionasse uma mola endurecida: é constrangido que realizo o ato mais insignificante, desde que esse ato não dependa daquele pensamento único; é constrangido que reparo em qualquer coisa viva ou morta, se ela não está associada à ideia que é para mim universal. Um único desejo alimento, e todo o meu corpo, todas as minhas faculdades anseiam por atingi-lo. Vêm ansiando por isso há tanto tempo, e tão inflexivelmente, que estou convencido de que esse desejo será satisfeito, e em breve, porque já devorou minha existência: já fui tragado pela expectativa de sua realização. [...] Oh, Senhor, que luta sem fim e como eu quisera vê-la acabada!"

(BRONTË, Emily. O Morro dos Ventos Uivantes. Tradução de Rachel de Queiroz. São Paulo: Abril, 2010. [p.404-405])

terça-feira, outubro 01, 2013

Da tristeza


Portrait of a Woman | by Anna Lea Merritt |1844-1930


"Falar está acima de minhas forças, minha língua engrola, uma chama sutil percorre-me as veias, mil ruídos confusos soam-me aos ouvidos e o véu da noite estende-se sobre os meus olhos" (Catulo apud Montaigne | Ensaios I).


segunda-feira, setembro 23, 2013

O duplo homicida-suicida


“Já não há mais sair da morte
uma vez que foi decidida,
uma vez fechada as paredes
de algodãozinho que vestiam.
Cada um tem a melhor foice
E a razão melhor para a briga;
Juntos constroem a própria arena,
atando-se no outro a camisa.
Não há nenhum limite à arena;
atando-se no outro a camisa.
Não há nenhum limite à arena;
no terreiro, nem giz a indica;
é o pouco que ocupa esse abraço
do duplo homicida-suicida.
Então o duelo, entre um só corpo;
Morre e mata, sem que se diga
Quem é quem, e igual, quem foi quê,
na massa abraçada e inimiga.”

(MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 96-97)

Imagem: Akseli Gallen-Kalella. The Lovers, 1906-1917

sábado, julho 06, 2013

Absence as inexorable necessity

Folheando pra cá e pra lá um de meus fiéis companheiros, Barthes, in Fragmentos de um Discurso Amoroso, encontro o sentimento de ausência expresso num koan budista. Ele responde à seguinte pergunta (que no livro está implícita) de um discípulo a seu mestre :

- Mestre, o que é a verdade?
"O mestre conserva a cabeça do discípulo sob a água, por muito, muito tempo; pouco a pouco as bolhas se rarificam; no último instante, o mestre tira o discípulo, o reanima, e diz: - quando tiveres desejado a verdade como desejaste o ar, então saberás o que ela é".

Barthes, acrescenta: "a ausência do outro me conserva a cabeça sob a água; pouco a pouco sufoco, meu ar se rarefaz..." (p.31).


Photography
Rafal Makiela

terça-feira, julho 02, 2013

Tempo de perder tempo

ai que saudades
do tempo
em que eu tinha 
tempo
de viajar 
no tempo
sem me preocupar
com o tempo
...

terça-feira, maio 28, 2013

IV Encontro Hume

Chamada para Trabalhos


A Comissão Organizadora do IV Encontro Hume convida os alunos de pós-graduação e pesquisadores da filosofia de Hume à submissão de trabalhos. O encontro será realizado entre os dias 03, 04 e 05 de setembro de 2013 no campus da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em Londrina/Pr. Os interessados deverão submeter um resumo de até 500 palavras em arquivo Word ou similar (fonte Arial, tamanho 12, espaço 1,5) para o e-mail: encontros.hume@hotmail.com  O título e o resumo deverão constar em página separada, com a devida identificação do problema e as linhas gerais do argumento que se pretende desenvolver. Na primeira página deverão constar os seguintes dados do proponente:

Nome completo;
Endereço eletrônico;
Endereço e telefone;
Título do trabalho;
Instituição de origem e titulação;

Realizar a inscrição no sítio http://www.uel.br/eventos/insc/?id=692 bem como o pagamento da taxa de inscrição (R$ 20,00).

A data limite para o envio dos resumos é 15 de julho de 2013 e o resultado será divulgado juntamente com a programação completa do evento no dia 10 de agosto do corrente ano. A notificação sobre a aceitação de cada trabalho será enviada exclusivamente por e-mail a partir do dia 25 de julho de 2013. A aceitação do resumo possibilita ao proponente a apresentação oral de comunicação na data do evento, conforme programação a ser divulgada. O tempo para cada comunicação será de 20 min, com 10 min, para a discussão do trabalho. Após a realização do evento, haverá entrega de certificado para os apresentadores de comunicação e ouvintes devidamente inscritos.

COMISSÃO ORGANIZADORA
Andre Luiz Olivier da Silva (Unisinos)
Andrea Cachel (IFPR/Unicamp)
Andrea Faggion (UEL)
Franco Nero Soares (UFRGS)
José Oscar de Almeida Marques (Unicamp)
Marília Côrtes de Ferraz (UEL/Unicamp)

[para melhor visualizar o cartaz clique sobre ele]

quarta-feira, abril 17, 2013

Nietzsche: o filósofo do perigoso talvez!

ECCE HOMO

[Nietzsche - 2010, by Alexandre Bellei] 


"Com todo o valor que possa merecer o que é verdadeiro, veraz, desinteressado: é possível que se deva atribuir à aparência, à vontade de engano, ao egoísmo e à cobiça um valor mais alto e fundamental para a vida. É até mesmo possível que aquilo que constitui o valor dessas coisas boas e honradas consista exatamente no fato de serem insidiosamente aparentadas, atadas, unidas, e talvez até essencialmente iguais a essas coisas ruins e aparentemente opostas. Talvez! ─ Mas quem se mostra disposto a ocupar-se de tais perigosos "talvezes"? Para isso será preciso esperar o advento de uma nova espécie de filósofos, que tenham gosto e pendor diversos, contrários aos daqueles que até agora existiram ─ filósofos do perigoso "talvez" a todo custo. ─ E, falando com toda a seriedade: eu vejo esses filósofos surgirem" (ABM. Dos preconceitos dos filósofos, § 2, p.10-11).

Escolhi essa passagem de Além do Bem e do Mal: Prelúdio a uma Filosofia do Futuro, uma das principais obras de Nietzsche, como ponto de partida e fio condutor do tema do próximo minicurso de Filosofia para Diletantes, promovido pela Aldeia Coworking de Londrina. O tema versa sobre aquilo que se pode encontrar de mais fundamental e saliente na filosofia de Nietzsche, ou seja, sua crítica à cultura. A meu ver, esta passagem já nos dá um pequeno indício do quanto Nietzsche é um autor très polemique, capaz de provocar um verdadeiro bouleversement em nossas cabeças. Posso garantir (e eu vou procurar mostrar) que muito do que ele diz é de revirar o estômago de qualquer cristão (e saibam que é possível dizer que, num certo sentido, é isso mesmo que ele quer). Aliás, nem é preciso ser cristão, basta ser, digamos assim, humano, ainda que alguns humanos escapem, pelo bem ou pelo mal, ao mal-estar que suas ideias podem provocar.

Por outro lado, Nietzsche (dotado de um virtuosismo sem igual no trato com sua língua materna) possui um poder encantatório, capaz de seduzir e enlevar os mais diversos tipos de leitor: filósofos, poetas, literatos, dançarinos, dramaturgos, artistas plásticos, mortais comuns... ora, o que faz com que Nietzsche seja tão lido e difundido? O que faz com que seus leitores oscilem entre o fascínio e a repulsa? Quem é esse filósofo artista dançarino bufão e dinamite, que propõe que transvaloremos nossos valores, se autodenomina o primeiro imoralista (EH, p. 101) e se julga a uma altura em que já não fala “com palavras, mas com raios” (EH, p.102)? Quem é esse autor subversivo que coloca a superação da compaixão entre as virtudes nobres (EH, p.51) e baila ora com ora sobre a nossa moral? Quem é esse virtuose da linguagem que em Assim Falou Zaratustra diz que de tudo o que se escreve aprecia  "somente o que alguém escreve com seu próprio sangue" (p.56)? Quem é esse "cara"  (ops, desculpem-me a intimidade) que diz ter se dado conta de que "Sócrates e Platão são sintomas de declínio" (CI II § 2), e ousa declarar que Leibniz e Kant são "dois grandes entraves à retidão intelectual da Europa" (EH, p.145)? Enfim, para encerrar essa primeira série de perguntas, lá vai... quem é essa nitroglicerina pensante que nos convida a dizer adeus às velhas verdades e anuncia, em A Gaia Ciência, que Deus está morto (GC § 125)? 

Nietzsche afirma: “reconhecer a inverdade como condição de vida: isto significa, sem dúvida, enfrentar de maneira perigosa os habituais sentimentos de valor; e uma filosofia que se atreve a fazê-lo se coloca, apenas por isso, além do bem e do mal” (ABM. Dos preconceitos dos filósofos, § 4, p.11). 

Pois bem, reconhecer a inverdade como condição de vida é, obviamente, reconhecer a mentira (e também, conforme veremos, a ilusão, a aparência, os véus e máscaras) como condição de vida. Hã? Será que ouvi direito? Como assim? O bem pode não ser mais bem e o mal pode não mais ser mal? Ops, sim! não! não é bem assim, talvez... calma... eu explico! ou ao menos arrisco!

Again: Ecce Homo!


Filosofia para Diletantes
Nietzsche Crítico da Cultura

A crítica da cultura empreendida por Nietzsche constitui-se num dos temas mais fundamentais de sua filosofia. Nietzsche pretende demolir os valores da tradição filosófica, em especial, aqueles implantados por Sócrates, isto é, a crença na racionalidade, no bem em si, na unidade do conhecimento, na objetividade e na verdade. No primeiro período de seus escritos, cujas obras compreendem os anos de 1869 a 1876, Nietzsche tematiza uma oposição entre arte e conhecimento deixando clara a sua posição: a arte é mais importante do que a ciência. A primeira direção da reflexão nietzscheana sobre a ciência é uma "investigação sobre as questões afins do conhecimento, do pensamento, do intelecto, da razão, da consciência e, sobretudo, da verdade" (cf. Machado: 1989, p.9). Criticar a ciência é, para Nietzsche, fundamentalmente, criticar a ideia de verdade, considerada como um valor superior, um ideal sagrado. Posteriormente, a reflexão nietzscheana seguirá uma segunda direção: buscará mostrar que, pelo fato de a ciência não estar isenta de juízos de valor, há um certo parentesco, uma relação de continuidade entre ciência e moral, porquanto é a moral que dá valor à ciência, isto é, valor ao conhecimento. A valorização da arte como atividade que dá acesso às questões fundamentais da existência é, para Nietzsche, a alternativa modelar que lhe permite pensar a renovação da cultura alemã de seu tempo.  Um mergulho em suas obras nos faz ver que, em geral, todas elas “incitam a uma inversão das valorações habituais e dos hábitos valorizados” (Humano Demasiado Humano. Prólogo, p.7), quer dizer, a uma transvaloração de todos os valores. Ele inicia sua transvaloração colocando sob suspeita todos os valores consagrados da moral, da religião, da ciência, da metafísica e, portanto, de toda a cultura denominada cultura superior, uma vez que, de acordo com Nietzsche, de uma perspectiva filosófica, todos os problemas da filosofia são problemas de valor. E, para ele, a medida de valor se estriba na pergunta: “Quanta verdade suporta, quanta verdade ousa um espírito” (Ecce Homo, p.39)? É o que vamos ver!

PROGRAMA
MÓDULO II

O minicurso está dividido em quatro encontros nas seguintes quartas-feiras:
08/05 - 15/05 – 22/05 – 05/06, das 20 às 22 horas, na Aldeia Coworking Londrina

1. Introdução: A crítica de Nietzsche aos valores da tradição filosófica (08/05)
1.1. O universo filosófico tradicional criticado por Nietzsche
1.2. Socratismo, Platonismo e Cristianismo

2. A relação entre arte e conhecimento (15/05)
2.1. A justificação da existência como fenômeno estético
2.2. O apolíneo e o dionisíaco

3. Além do Bem e do Mal: Prelúdio a uma Filosofia do Futuro (22/05)
3.1. A verdade como ideal sagrado da filosofia
3.2. A inversão do platonismo e a metáfora feminina da verdade

4. O projeto transvaloração de todos os valores (05/06).
4.1. Perspectivismo
4.2. Vontade de Poder
4.3. Eterno Retorno e Amor Fati

Abaixo, para os mais sedentos, referências de algumas importantes obras de Nietzsche.

NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
NIETZSCHE, F. Além do Bem e do Mal: Prelúdio a uma Filosofia do Futuro. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
NIETZSCHE, F. Assim Falou Zaratustra. Tradução de Mário da Silva. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
NIETZSCHE, F. Aurora:Reflexão sobre os preconceitos morais. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
NIETZSCHE, F. Cinco Prefácios para cinco livros não escritos. Tradução de Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996.
NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos Ídolos ou como se filosofa com o martelo. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo. Companhia das Letras, 2006.
NIETZSCHE, F. Ecce Homo. Tradução de Paulo César de Souza.  2ª. ed. São Paulo: Max Limonad, 1986.
NIETZSCHE, F. Genealogia da Moral.  Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Brasiliense, 1987.
NIETZSCHE, F. Humano, Demasiado Humano I. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.
NIETZSCHE, F. O Anticristo. Ensaio de uma crítica do cristianismo. Tradução de Renato Zwick. Porto Alegre: L&PM POCKET, 2008.
NIETZSCHE, F. O Livro do Filósofo. Tradução de Ana Lobo. Porto : Rés, s.d.
NIETZSCHE, F O Nascimento da Tragédia ou Helenismo e Pessimismo. Tradução de J. Guinsburg. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. 
NIETZSCHE, F. Os Pensadores. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

A LP&M Pocket publicou várias obras importantes de Nietzsche a preços bem acessíveis

A obra citada sobre Nietzsche é de:
MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. São Paulo: Paz e Terra. Graal, 1999.

clique no cartaz para visualizar as informações sobre como se inscrever no curso 

terça-feira, abril 02, 2013

Eu comigo mesma


Larga de ser preguiçosa, Marília, para de enrolar e escreva uma besteira qualquer nesse blog, antes que ele morra de fome. Conta aí pra gente o que é que você anda lendo, pensando e escrevendo. Saia aí desse seu mundinho de chocolate, meio doce, meio amargo, e diga alguma coisa que preste!

Ah... cala a boca e me deixa quieta, aqui, no meu canto de pássara...

domingo, janeiro 20, 2013

Um universo de sonhos e pesadelos

“Na manhã em que me levantei para começar este livro tossi. Algo estava a sair-me da garganta, a estrangular-me. Rasguei o cordão que o retinha e arranquei-o. Voltei para a cama e disse: Acabo de cuspir o coração. [...] Aqueles que escrevem sabem o processo. Pensei nisto enquanto cuspia o coração. Só que não estou à espera da morte do meu amor" (p.2-3).

"A  casa abria o portão-boca verde e engolia-nos. A cama flutuava. A rua saiu-me da boca como uma fita de veludo, e deixou-se ficar qual serpentina. As casas abriram os olhos. O buraco da fechadura mostrou uma curva irónica como um ponto de interrogação" (p.11)

"A realidade afogara-se e a fantasia sufocava cada uma das horas do dia" (p.24).


Eis aí um livro (A Casa do Incesto, de Anaïs Nin) que se pode chamar de louco: o universo onírico dos sonhos e pesadelos. Ele é intrigante, denso, profundo e sombrio. Ele dói! E te deixa, num primeiro momento, meio sem saber o que pensar. Sendo o livro composto de sonhos e pesadelos, não há, obviamente, um comprometimento com aquilo que poderíamos chamar de nexo, embora não se possa dizer que ele não contém qualquer nexo. É um nexo louco rsr que certamente causará ao leitor um profundo estranhamento. 

Creio que se possa dizer que é um livro que bem representaria aquilo que Franz Kafka diz numa carta a Oscar Pollak (1904). Leia-se aquihttp://mariliacortes.blogspot.com.br/2012/06/acho-que-so-devemos-ler-especie-de.html

O livro é tão estranho que já mexi e remexi nesse post algumas vezes, na tentativa de expressar mais claramente o estranhamento que me causou (well, tornar claro aquilo que é estranho é tarefa difícil). Titubeei mil vezes na escolha de alguns excertos para publicar.O livro perturba! Desperta sensações de prazer e dor ao estampar, por meio de sonhos e pesadelos, imagens belas e grotescas na mente do leitor. Como próprio do universo onírico, há nele uma mistura de fantasia, realidade, lucidez e loucura. Ademais, tem um Q de trágico e, como não poderia faltar (em se tratando de Anaïs Nin), algumas doses (sem gelo) de conteúdo erótico. Eu teria muitas coisas a dizer, mas chega de papo! Vamos ao que interessa: um pouco de Anaïs. Ao escrever, ela flutua... (e o que não lhe falta é fertilidade imaginativa e talento literário)!


“Lembro o meu primeiro nascimento na água. À minha volta a transparência sulfurosa e os meus ossos moviam-se como se fossem de borracha. Oscilo e flutuo nas pontas sem ossos dos meus pés atenta aos sons distantes, sons para além do alcance de ouvidos humanos, vejo coisas que são para além do alcance dos olhos. Nasço cheia das memórias dos sinos da Atlântida. Sempre à espera de sons perdidos e à procura de perdidas cores, permanecendo para sempre no limiar como alguém perturbado por recordações, corto o ar a passo largo com largos golpes de barbatana e nado através de quartos sem paredes"  (p.3).

Salto algumas páginas!

"Parte-se o desejo que tinha esticado os nervos e cada nervo parece partir-se um por um, em cadeia, provocando incisões, onde ácido corria em vez de sangue. Torço-me dentro da minha própria vida, à procura de um caminho livre para as lágrimas fundidas, para dissolver o sofrimento num caldeirão de palavras onde todos os que procuram nomes para o seu próprio sofrimento pudessem cair. Que enorme caldeirão estou nesta altura a mexer; grandes bocarras estou agora a alimentar de ácido, palavras suficientemente amargas para queimarem toda a amargura" (p.22). Caramba!!! Imaginem só ácido em vez de sangue a circular pelas incisões decorrentes de um desejo que estica seus nervos ao ponto de arrebentá-los. Tudo se parte, o desejo, os nervos... 

Salto de novo!

"Passo as esponjas brancas do conhecimento sobre as cordas dos meus nervos. À medida que passo para dentro do meu livro sou cortada por estilhaços, dentes de vidro e garrafas partidas, onde ainda há vestígios de cheiros de espuma e de perfume. Mais páginas foram acrescentadas ao livro, páginas que lembram o vaivém de um prisioneiro num espaço fechado. O que é que me é restrito dizer? Apenas a verdade disfarçada de conto de fadas e este é o conto onde todas as verdades têm olhar fixo como se estivessem por detrás de janelas de grades de um mosteiro. Com véus" (p.44).

Compreende-se bem por que a autora, ao contar seus sonhos e pesadelos, diz : "Há no meu olhar uma ruptura por onde a loucura sempre escoa. Debruça-te sobre mim na cabeceira da minha demência e depois deixa-me de pé sem muletas. Sou uma mulher louca a quem as casas piscam o olho e oferecem a hospitalidade dos seus ventres" (p.27).

(NIN, Anaïs. A Casa do Incesto. Tradução de Isabel Hub Faria. Porto: Assírio & Alvim, 1997)

segunda-feira, dezembro 31, 2012

Um mundo para si mesmo



Enquanto os fogos de artifícios inundam os céus do novo ano, enquanto os champagnes, frisantes e espumantes transbordam as taças que farão tim-tim, encontro-me novamente na companhia de Rainer Maria Rilke. Neste momento, chamam-me à atenção o tom calmo e complacente de sua voz, bem como a profundidade, sabedoria e beleza poética das Cartas a um jovem poeta ─ obra sobre a qual já comentei e transcrevi alguns trechos aqui http://mariliacortes.blogspot.com.br/2012/11/o-tic-tac-solitario-do-amor.html.

À corajosa pergunta dirigida a Rilke pelo jovem poeta, qual seja, “se os seus versos são bons”, Rilke revela ter sentido alguma insuficiência ao ler os versos do poeta, sem, no entanto, ser capaz de designá-la pelo nome (p.24). A partir dessa impressão, sucedem-se alguns conselhos de Rilke transcritos aqui em recortes que, a meu ver, são pertinentes a todos aqueles que aspiram à arte, seja por meio da poesia, da literatura, da música, da pintura, enfim, seja lá por qual meio for. Aliás, nem é propriamente preciso aspirar à arte. Como já mencionei no outro post, Rilke fala das profundezas da vida, e seus conselhos podem tocar qualquer ser racional sensível. Ao ler as Cartas de Rilke, cada um saberá apreciar aquilo que lhe diz respeito.


Paris, 17 de fevereiro de 1903
“O senhor olha para fora, e é isso sobretudo que não devia fazer agora. Ninguém pode aconselhá-lo e ajudá-lo, ninguém. Há apenas um meio. Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa da madrugada: preciso escrever? Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples ‘Preciso’, então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso (p.24-25) [...] E se, desse ato de se voltar para dentro de si, desse aprofundamento em seu próprio mundo, resultarem versos, o senhor não pensará em perguntar a alguém se são bons versos" (p.26).
[...]
"Uma obra de arte é boa quando surge de uma necessidade. É no modo como ela se origina que se encontra seu valor, não há nenhum outro critério. Por isso, prezado senhor, eu não saberia dar nenhum conselho senão este: voltar-se para si mesmo e sondar as profundezas de onde vem a sua vida; nessa fonte o senhor encontrará a resposta para a questão de saber se precisa criar. [...] Talvez ela revele que o senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso, aceite sua sorte e a suporte, com seu peso e sua grandeza, sem perguntar nunca pela recompensa que poderia vir de fora. Pois o criador tem de ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si mesmo e na natureza, da qual se aproximou” (p.26-27).

“Mas talvez, depois desse mergulho em si mesmo e em sua solidão, o senhor tenha de renunciar a ser um poeta (basta, como foi dito, sentir que seria possível viver sem escrever para não ter mais o direito de fazê-lo). Seja como for, sua vida encontrará a partir dele caminhos próprios” (p.27). [...] Por fim, gostaria apenas de aconselhá-lo a passar com serenidade e seriedade pelo período de seu desenvolvimento. Não há meio pior de atrapalhar esse desenvolvimento do que olhar para fora e esperar que venha de fora uma resposta para questões que apenas seu sentimento íntimo talvez possa responder, na hora mais tranquila" [p.27-28].


Viareggio perto de Pisa, 5 de abril de 1903
“Pois, no fundo, e justamente quanto aos assuntos mais profundos e mais importantes, estamos indizivelmente sozinhos, de modo que muita coisa precisa acontecer para que um de nós seja capaz de aconselhar ou mesmo ajudar o outro, muitos êxitos são necessários, toda uma constelação de acontecimentos tem de se alinhar para que isso dê certo alguma vez (p.29-30). [...] Assim, se o senhor seguir seu caminho à beira do que é grandioso, pergunte-se também se esse modo de compreender o mundo corresponde a uma necessidade do seu ser” (p.30).

Viareggio perto de Pisa, 23 de abril de 1903
[...] “Obras de arte são de uma solidão infinita...” (p.35). “Ser artista significa: não calcular nem contar; amadurecer como uma árvore que não apressa a sua seiva e permanece confiante durante as tempestades da primavera, sem o temor de que o verão não possa vir depois. Ele vem apesar de tudo. Mas só chega para os pacientes, para os que estão ali como se a eternidade se encontrasse diante deles, com toda a amplidão e serenidade, sem preocupação alguma. Aprendo isto diariamente, aprendo em meio a dores às quais sou grato: a paciência é tudo” (p.36)!

Rilke, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Tradução de Pedro Sussekind. Porto Alegre: L&PM, 2010.

[escultura de Camile Claudel:  The Danaid, 1885]

quarta-feira, dezembro 05, 2012

Artigos do III Encontro Hume


Encontra-se disponível a primeira edição comemorativa aos 300 anos de David Hume publicada pela Revista Controvérsia (2011/3). Trata-se de uma edição especial que reúne alguns artigos apresentados no III Encontro Hume, ocorrido na UNISINOS em 11-13/05/2011. Essa edição conta com os artigos de André Luiz Olivier da Silva, Fábio Augusto Guzzo, Franco Nero Antunes Soares, José Oscar de Almeida Marques, Marco Antonio Oliveira de Azevedo e Marília Côrtes de Ferraz, e pode ser acessada diretamente no endereço http://revistas.unisinos.br/index.php/controversia/article/view/5234

Em breve será publicada a próxima edição (2012/1) contendo os demais artigos aprovados no III Encontro. No que se refere ao meu artigo, eis o resumo:


A voz articulada proveniente das nuvens e a biblioteca natural de Cleanthes nos Diálogos sobre a Religião Natural de Hume

RESUMO: Meu objetivo neste artigo visa a um exame dos curiosos exemplos que o personagem Cleanthes apresenta na parte III dos Diálogos Sobre a Religião Natural de Hume, a saber, i) o da voz articulada proveniente das nuvens (D 3 §2: 48) e, ii) o da biblioteca natural repleta de livros que se perpetuam da mesma maneira que os animais e vegetais, isto é, por descendência e propagação (D 3 §4: 49). Tais exemplos são, conforme veremos, experimentos mentais que Cleanthes oferece como réplica às primeiras objeções que Philo apresenta ao argumento do desígnio. Entre os comentadores de Hume, William Morris os toma como bizarros, irrelevantes e inconsistentes com a metodologia experimental de Cleanthes. E. Rabbitte afirma que os exemplos mostram que Cleanthes perdeu o ponto central da crítica de Philo, e se mostra simpático à interpretação de Kemp Smith segundo a qual o primeiro exemplo serve para ilustrar o fracasso de Cleanthes em reconhecer o ponto e a força da crítica de Philo à analogia implicada no argumento do desígnio, e o segundo para preparar o caminho de Philo para entrar com sua artilharia de contra-argumentos às teses de Cleanthes. Keith Yandell, por sua vez, defende que a estratégia de Cleanthes quanto a estes exemplos parece bastante apropriada. Diante deste cenário de interpretações diversas, além de tentar esclarecer o significado e relação desses exemplos com a crítica de Philo ao argumento do desígnio, pretendo mostrar que eles cumprem um papel crucial na estratégia argumentativa de Philo e Hume nos Diálogos como um todo, conforme Smith e Yandell sugerem.

Palavras-chave: religião natural, argumento do desígnio, crítica, analogia

quarta-feira, novembro 28, 2012

Amor Fati

Outro dia, ao passar algumas horas a divagar entre prosas e poesias, dei de cara com um poema do poèt maudit Du Bocage, dirigido a uma de suas musas que, aliás, chama-se Marília. Mera coincidência, todos dirão! E eu, é claro, concordo com todos: isso não tem a menor importância. Interessa-me aqui o que o poema diz, e não a quem ele se dirige. Trata-se do famoso e controverso embate entre razão e paixão - um tema bastante caro aos filósofos e literatos.

O título do post, amor fati, refere-se à expressão latina "amor ao destino" ou "amor ao fado". Significa, de uma perspectiva nietzscheana, a aceitação integral do destino, mesmo em seus aspectos mais trágicos, cruéis e dolorosos. Eis o poema:

Importuna Razão, não me persigas;
Cesse a ríspida voz que em vão murmura;
Se a lei de Amor, se a força da ternura
Nem domas, nem contrastas, nem mitigas;

Se acusas os mortais, e os não abrigas,
Se (conhecendo o mal) não dás a cura,
Deixa-me apreciar minha loucura,
Importuna Razão, não me persigas.

É teu fim, seu projecto encher de pejo
Esta alma, frágil vítima daquela
Que, injusta e vária, noutros laços vejo.

Queres que fuja de Marília bela,
Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo
É carpir, delirar, morrer por ela.



Há quem rejeite as fortes paixões em nome de uma alma tranquila e bem equilibrada. Essa é a receita de felicidade dos sábios ─ uma receita razoável (e sábia). De fato, quando a paixão chega às raias da loucura e do dilaceramento, tendemos a evocar as mais retas e sóbrias razões para extirpá-la.

Ora, mas como esperar que a reta razão tenha algum poder sobre nós se estamos subjugados aos movimentos violentos de nossas paixões? Ah... isso requer um lento, longo e doloroso exercício de persuasão e autocontrole. A dificuldade é: sob turbulentas paixões, somos naturalmente fracos e insensatos. O "murmúrio da razão se mostra vão", como diz o poèt maudit.

Subjugado, tal como um vassalo, à impiedosa lei do amor e da ternura, Bocage deprecia os mecanismos racionais e, num ato de temeridade blasfematória, esconjura a razão a calar sua ríspida voz. À mercê do amor e da amada, ele clama à razão deixá-lo apreciar sua loucura: prefere arrancar os cabelos e delirar... delirar... delirar... até se entregar, de uma vez por todas, à total consumação de si próprio. Bocage não quer maldizer Marília, não quer desdenhá-la, tampouco fugir dela. O que ele quer mesmo é "morrer por ela". E é culpado, dizem alguns, de escolher não resistir a seu amor fatal. Pobre Bocage, pobre Marília, pobre raça de efêmeros mortais!

[marília côrtes | novembro |2012]

quarta-feira, novembro 21, 2012

Agir bem para bem viver




“... a prudência é o princípio e o supremo bem, 
razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; 
é dela que originaram todas as demais virtudes; 
é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, 
e que não existe prudência beleza e justiça sem felicidade” (Epicuro. Carta sobre a felicidade, p. 45).

Platão, ao buscar definir a essência da justiça, considerou-a o mais belo de todos os bens. Ele afirma que a justiça deve ser amada tanto por si mesma quanto por suas consequências. E como virtude, par excellence, deve ser amada também por “aquele que quer ser plenamente feliz” (República II).

Aristóteles, por sua vez, ao procurar “o mais alto de todos os bens que se podem alcançar pela ação” diz, na Ética a Nicômaco, que “quase todas as pessoas estão de acordo quanto ao fato de que esse bem mais alto é a felicidade", pois “identificam o bem viver e o bem agir com o ser feliz”; mas adverte que eles diferem “quanto ao que seja a felicidade” (EN I 4: 1095a 20).

Se quisermos saltar séculos à frente, para o período humanista da filosofia moderna, podemos encontrar, nos Ensaios de Montaigne, afirmações semelhantes: "A meu ver, a felicidade do homem consiste em bem viver" (Essays II) e “não há nada mais belo e mais legítimo do que o homem agir bem e devidamente” (Essays III).

E se remontarmos mais uma vez à antiguidade, encontraremos na Carta sobre a felicidade de Epicuro, além da epígrafe acima, a afirmação segundo a qual “as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas” (Epicuro. Carta sobre a felicidade, p. 47).

Sêneca, dois séculos após Epicuro, por seu turno, declara que “a vida feliz apoia-se, estável e imutavelmente, sobre a retidão e certeza do juízo”, e que é “feliz quem confia à razão a gerência de toda a sua vida” (Sêneca. A Vida Feliz, p. 30-31).

Em sua apresentação à obra de Sêneca, Diderot observa que, de acordo com o estoico, “para alcançar a felicidade é necessária a liberdade: a felicidade não é para quem possui outros senhores além do próprio dever. Mas [pergunta Diderot], não será o dever um patrão arrogante? E na condição de serviência que importa a qual senhor se sirva? Importa demasiado: o dever é um senhor do qual não se pode libertar sob pena de tornar-se infeliz” (Sêneca. A Vida Feliz, introdução, p. 12).