Eis abaixo um excerto de Os cadernos de dom Rigoberto, de Mario Vargas Llosa, prêmio nobel de literatura (2011). Um romance sobre a arte de amar em suas mais variadas e profundas formas: erotismo, beleza e sensualidade de arrancar o fôlego! Um deleite para os amantes do amor, dos prazeres, da sofisticação e beleza literárias.
O título deste excerto é o que intitula o post: Imperativos do sedento viajante, e a obra de Klimt não se encontra aí por acaso.
"Esta é uma
ordem do teu escravo, amada.
Diante do espelho, sobre uma cama ou
sofá engalanado com sedas da Índia pintadas à mão ou batique indonésio de olhos
circulares, te reclinarás de costas, despida, e teus longos cabelos negros
soltarás.
Levantarás a perna esquerda
recolhida até formar um ângulo. Apoiarás a cabeça em teu ombro direito,
entreabrirás os lábios e, amassando com a destra uma ponta do lençol, baixarás
as pálpebras, simulando dormir. Fantasiarás que um rio amarelo de asas de
borboleta e estrelas em pó desce do céu sobre ti e te fende.
Quem és?
A Dânae de Gustav Klimt, naturalmente. Não importa quem o inspirou
para pintar esse óleo (1907-1908), o mestre te antecipou, te adivinhou, te viu,
tal como virias ao mundo e serias, do outro lado do oceano, meio século depois.
Acreditava recriar com seus pincéis uma dama da mitologia helênica e eras tu
que ele precriava, beleza futura, esposa amante, madrasta sensual.
Só tu, entre todas as mulheres, como
nessa fantasia plástica, reúnes a pulcra perfeição do anjo, sua inocência e sua
pureza, a um corpo atrevidamente terreno. Hoje, prescindo da firmeza de teus
seios e da beligerância de teus quadris para prestar uma homenagem exclusiva à
consistência de tuas coxas, templo de colunas onde eu quisera ser atado e
açoitado por me comportar mal.
Tu inteira celebras meus sentidos.
Pele de veludo, saliva de aloé,
delicada dama de cotovelos e joelhos incorruptíveis, desperta, olha-te no
espelho, diga a ti mesma: ‘Sou reverenciada e admirada como nenhuma outra, sou
lembrada com saudade e desejada como as miragens líquidas dos desertos pelo
sedento viajante.’
Lucrecia-Dânae, Dânae-Lucrecia.
Esta é uma súplica do teu amo,
escrava."
Llosa, Mario Vargas. Os cadernos de dom Rigoberto. Tradução de Joana Angélica d'Ávila Melo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, pp. 37-38.
[imagem: Danaë (1907), óleo sobre tela; Gustav Klimt]
5 comentários:
Má, obrigada pela sugestão. Eu tinha acabado de ler o Bataille, que seguido do Vargas Llosa foi uma leitura de extremo prazer. Um beijo. Mi.
hummm... obrigada pelo comentário. Você leu também o Elogio da Madrasta, do Llosa, ou só Os Cadernos do D. Rigoberto? E esse do Bataille, qual é? bjos
Que texto fantástico!
Adorei seu blog.
Beijos!
Obrigada Denise, seja bem-vinda, bjos
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