Acordei quente
doce
e melada.
"Não há amor de viver sem desespero de viver" (Albert Camus em O Avesso e o Direito).
Há um mês não publico nada aqui. Entro, começo a escrever, a preparar a publicação e deixo pra lá. Isso tem sido recorrente. Nesse movimento de acessar o blog e começar a escrever, acabo de constatar que tenho arquivados, só neste espaço, 122 rascunhos de postagens diversas (afora os rascunhos esboçados em meu computador, ou mesmo em minhas cadernetas de anotações). Tudo espalhado, entrecortado, fragmentado e fora de ordem. Poemas, minicontos, crônicas, comentários idiotas, citações literárias, filosóficas, comentadas ou não, ideias soltas, saltitantes. Tenho refletido muito sobre o que me leva a esse movimento de iniciar e abandonar o que escrevo: uma sensação de que precis...
____________________
Conheci a Samantha Abreu há mais ou menos um ano. Já conhecia seu nome como escritora londrinense e havia lido um ou outro de seus poemas. Frequentávamos os mesmos espaços, mas nunca havíamos nos esbarrado pessoalmente. Por ocasião da organização de um evento de filosofia na UENP, minha amiga Bah (Bárbara Marques) indicou a Samantha pra falar sobre a escrita de mulheres - tema de seus estudos. Era a primeira vez que em 20 anos de filosofia eu me dirigia, ao menos na academia, ao tema das Mulheres na Filosofia, dado o cânone filosófico ser, até hoje, predominantemente masculino, sobretudo branco, europeu etcétera e tal.
Se considerarmos os 2.500 anos de história da filosofia, as mulheres começaram a figurar com uma certa sobressalência no cenário filosófico (científico, político e literário também) há pouquíssimo tempo, ainda que a história estivesse repleta de mulheres escritoras, tradutoras, filósofas, cientistas, artistas, bruxas e o escambau. Há quem não queira que elas figurem em todos os espaços e áreas, principalmente, com absoluta independência. Não é o caso da Samantha Abreu. Nem o meu.
Fiz, então, o contato com ela. Expus a proposta do evento. E ela, embora trabalhasse o tema de uma perspectiva mais literária, topou dar um minicurso sobre as mulheres na filosofia. Estudou, pesquisou, refletiu, organizou, ligou os pontos entre a escrita filosófica e a escrita literária (uma das misturas mais finas que existe), foi lá e, simplesmente, arrasou.
Samantha Abreu é daquelas powerful girls que despertam paixões à primeira vista e a todas as outras vistas. Sua escrita também. Não sou crítica de arte e não entendo nada de poesia. Minha apreciação estética, literária e poética é totalmente passional e primária. Passa na ponta dos pés pelo entendimento. Não me cabe, portanto, teorizar sobre seus belos, sensíveis e fodásticos poemas. Quero apenas dizer que recebi há mais ou menos um mês o livro Debaixo das Unhas e, claro, simplesmente amei 💘.
De repente, ela se viu diante da porta de uma casa noturna. Parecia uma porta de saída de emergência. Porta corta-fogo, dessas que a gente vê em filmes americanos. Seus passos eram firmes, sua velocidade estonteante. Estava decidida a sabe-se lá o quê! No fundo, não sabia de nada. Era levada por um impulso ─ um impulso irresistível. Rolava um zum zum zum na entrada do night club, mas, diante dela, as portas se abriram de imediato. E logo atrás se fecharam. Num piscar de olhos, a cena tornou-se completamente outra. O que ela via não tinha nada a ver com qualquer tipo de casa noturna. Era um quarto enorme, muito escuro, frio, úmido, silencioso, repleto de camas enfileiradas - uma espécie de abrigo, no qual pessoas dormiam indistintas. No momento que entrou na cena, não mais pisou no chão. Seus passos tornaram-se flutuantes, largos, quase etéreos, apesar da atmosfera sombria. A mudança fora brusca. Impactante. A expectativa era uma, a realidade era outra. Não se deteve. Seguiu flutuando num ballet em linha reta. De repente, a cena mudou novamente. Havia entrado, sem saber como, num romance secreto. Romance de olhares que sussurram, e que na vida ordinária os mortais costumam chamar de amor ─ amor platônico.
(marília côrtes | setembro | 2020)
................................................................
[Painting by Giuseppe Cali | Woman in the moon | 1912]
ai ai ai
as borboletas na barriga já estão agitadas...
e o coração disparado para não parar.
Live, hoje, às 20h!
Sonhei que o mar levava meu laptop. E, também, minha carteira de documentos. A angústia era a de que o mar levava com ele a minha vida, a minha história, o meu eu - o meu querido e amado eu. Mas, curiosamente, eu ainda permanecia ali, na beira do mar, com os pés na água, a contemplar aflita, e sem poder fazer nada, as ondas agitadas que tragavam a minha vida.
Não havia sol. O céu estava nublado. E o vento um tanto frio. Sentia também um aperto a mais em meu coração. O de que minhas filhas estavam longe, cada qual numa cidade diferente, tal como de fato elas estavam. Fiz, então, uma espécie de experimento mental. Fechei os olhos, abri os braços e inspirei, profundamente, até estufar o peito de tanto ar. Transportei-me inteira, em corpo e alma, para o centro do meu coração. Foi como se só ele existisse. Mas, de repente, abriu-se uma fenda em meu peito e três veias pulsantes começaram a crescer, feito caules de plantas em busca de luz. Foi um momento de alento e esperança. Um dos caules enraizados em meu peito estendia-se sobre o mar aberto até alcançar o coração da Marina, lá em São Paulo. Um outro buscava o coração da Bibi em Londrina, e outro, bem mais comprido, em razão da longa distância, ia ao encontro do coração da Paulinha, lá em São Francisco, na Califórnia. Meu coração atravessava os mares. As veias entrelaçavam-se aos corações delas. E assim eu as trazia para perto.
Nem o mar nem o céu eram propriamente sombrios, apenas melancólicos, de uma melancolia poética. Sombria era a angústia pela perda do meu eu que navegava à deriva sobre as ondas revoltas. Sombria era a angústia de ver minha vida arrastada e engolida pelo mar.
De súbito, meu horizonte empalideceu. Acordei e fiquei ali mesmo, na cama, a rememorar as imagens e sensações vividas naquele sonho. Passados alguns minutos, levantei e fui até minha mesa de trabalho. Abri um de meus moleskines para escrever essas breves notas, antes que tudo se esvaísse de minha memória. Ao folheá-lo, encontrei o seguinte verso:
"Há mar e mar / há ir e voltar", de Alexandre O'Neill.
Panta rei...
(marília côrtes | floripa | março | 2017)
(desconheço o autor dessa imagem)