Somos feitos das mesmas bibliotecas
dos mesmos jardins suspensos
dos mesmos tapetes urdidos em tramas de lã
Somos desabrigados
e nossos tetos respingam um vapor goticulado
Somos como os hiatos
de uma palavra não dita
perdida nos vãos das pedras moventes
Por vezes, nos olhamos
do alto daquela montanha sem chão
e te mato sem querer
te afogo lá onde o mergulhador não chega
Mas te lembro que os hiatos são valentes
aceitam o não-lugar dos exílios
da fenda
da origem do tudo e do nada
Não há litígio para os feitos-seres-hiatos
eles somente se habitam
entrelaçam suas cavernas
afaimadas
Negligenciam o canto absoluto
ao perfurarem a superfície das coisas
e se deixarem pertencer a dois mundos
Revelo
[nesse amor hiato]
todas as fuligens levadas de meu corpo
quando escolhi fazer a travessia das pedras
e te encontrar deitado sobre os trilhos
para sentir o ar frio vindo das serras
vemos juntos a agitação do mar
ao esticarmos nossos corpos na cama febril
E na dobra de nossos joelhos
ralados da curva de tantas esquinas
lembramos dos nós que não cabem em hiatos.
(poema de Bárbara Marques)
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