terça-feira, junho 01, 2010

Flaubert: o homem-pena

Escrever me parece sempre uma questão de vida e morte. Arriscaria a dizer que é uma questão de vida e morte para todo escritor (ou, ao menos, para todo aspirante à escrita literária e/ou filosófica).

Estou pra conhecer alguém que possa escrever sem sofrer, sem se torturar, sem se obstinar, sem se acabar, sem morrer um pouco.

Haveria alguém nesse mundo que pudesse escrever, assim, sem mais nem menos, sorrindo, pirulitando, e num estalar de dedos? Penso que não! Escrever algo de original, que seja seu mesmo, exige mergulho, um certo modo de vida que, num certo sentido, é incompatível com as exigências da vida prática, da vida mundana. Digo num certo sentido porque a vida mundana também é fonte de grandes obras literárias. Mas se queremos escrever verdadeiramente, temos de romper (ao menos numa certa medida) com o mundo exterior.

Para se escrever bem é preciso, além de solidão, deixar muitos escrúpulos de lado, despir-se de muitas amarras, do medo da crítica, do receio de se expor ao ridículo. Tem-se de arrancar mesmo das entranhas para escrever algo de significativo, relevante e belo (pois qualquer ser minimamente alfabetizado e superficial pode escrever qualquer coisa irrelevante e sem graça). Mas escrever como artista é escrever como alguém que, se não o fizer, morrerá. É escrever por necessidade. E pelo que pude perceber, todo grande (ou bom) escritor se sente assim: constrangido a escrever pela necessidade.

Aqui ao meu redor, alguns grandes escritores: meus bons companheiros (e eu não posso mais viver sem eles). É neles que me inspiro. Ora num, ora noutro. É com eles que aprendo um pouquinho. Ou, ao menos, tento.

Comecei assim, por pura curiosidade (seguida da velha necessidade, ou será vice-versa?), a ler as Cartas Exemplares de Gustave Flaubert. Adoro cartas pessoais, especialmente das figuras mais eminentes! Elas geralmente revelam não só os motivos e as circunstâncias em que seus autores as escreveram, como também seus sentimentos, opiniões, hábitos, costumes, traços psicológicos, caracteres, habilidades e estilos literários. Cartas pessoais costumam ser confessionais. Confessa-se a amigos. Confessa-se a amantes. Por meio dessas relações mais profundas pode-se capturar a pessoa do artista-escritor. Eles têm vidas interessantes!


Há dias estou às voltas com a necessidade de escrever alguma coisa significativa (e eu nem sou grande), que seja minha mesmo. Entretanto, sofro e me debato e me torturo quando percebo que estou muito longe disso. Preciso ser guiada pela pena dos grandes. Necessito que eles me acompanhem e me mostrem o caminho.

Consolo-me ao saber que posso viver cercada de grandes artistas e estetas da literatura e da linguagem (ainda que apenas por meio de suas obras). Talvez se possa dizer que todo grande escritor (e também os pequenos aprendizes, como eu, que, talvez, nunca deixe de ser uma eterna pequena aprendiza), leu e amou outros grandes escritores. Escritores são ligados a seus semelhantes. Basta lê-los para vê-los citar um ou outro, ou um ao outro.

Li tantas coisas inspiradoras nessas Cartas de Flaubert que não resisti a transcrever algumas passagens (eis-me aqui de mãos dadas com Flaubert). São passagens que traduzem alguns pensamentos e sentimentos meus, especialmente quando me encontro às voltas com minhas pretensões de escritora (e é aí que mais me dou conta de minha pequenez e dificuldades). É preciso ainda que eu escreva pelas mãos dos outros (putz, que miséria!). Será que um dia eu...?

Ah... mas nem tudo está perdido! O próprio Flaubert se interrogava ao dizer: “há momentos em que acredito que estou errado porque quero fazer um livro razoável e por não me abandonar a todos os lirismos, violências, excentricidades filosófico-fantásticas que me aparecem. Quem sabe? Será que um dia eu vou parir uma obra que pelo menos seja só minha” (p.56)? Creio que essa é uma pergunta feita incansavelmente por todo aquele que tem por inclinação e ofício escrever ─ seja em prosa, poesia ou filosofia.

Bem sabemos que Flaubert pariu obras ímpares. E pelo que as Cartas revelam, para tanto, sofreu desmesuradamente. Por meio das Cartas Exemplares tem-se uma espécie de diário da vida de um escritor profundamente perturbado com sua existência ─ com seu modo de existir como um escritor que escreve com extrema dificuldade.

Escrever, Flaubert revela, sempre foi uma luta, um tormento. Ele sofre por amar profundamente a beleza (é um aisthetés) e tortura-se em seu processo de criação. É um escritor preocupado, sobretudo, com o estilo da escrita, com a beleza e sonoridade das palavras, frases, pensamentos e ideias. “Ainda agora, o que amo acima de tudo é a forma, desde que seja bela, e nada mais. [...] Não há para mim nada a não ser os belos versos, as frases bem construídas, harmoniosas, cantantes, os belos poentes, o luar, os quadros coloridos, os mármores antigos e as cabeças modeladas com vigor. Além disto, nada.”(p.31). “Uma boa frase de prosa deve ser como um bom verso, imutável, tão ritmado quanto sonoro” (p.77). “Todo o talento de escrever não consiste senão na escolha das palavras. É a precisão que faz a força. Tanto no estilo como na música: o que há de mais belo e mais puro é a pureza do som” (p.78).

Encontramos nessas Cartas um ser conflituoso que duvida de seu talento, que titubeia quanto a publicar ou não publicar o que escreve ─ um ser que se isola e se deprime consumindo-se na dificuldade de escrever algo belo e significativo. Melhor que Flaubert mesmo fale de si!

“É bonito ser um grande escritor, ter os homens na frigideira de sua frase e fazê-los saltar como castanhas. Deve haver orgulhos delirantes em sentir que se pesa sobre a humanidade com todo o peso de sua ideia. Mas é preciso, para isso, ter alguma coisa a dizer. Ora eu vou lhe confessar que me parece que não tenho nada a dizer que os outros também não possam dizer, ou que não tenha sido dito muito bem, ou que possa ser dito de maneira melhor” [...] “Eu gasto bastante papel! Quantas rasuras! A frase demora para vir. Que diabo de estilo eu escolhi. Que desgraça os temas simples! Se você soubesse o quanto me torturo por isto...” (p.57).

Imaginem só, o grande Flaubert, a torturar-se pela dificuldade que sente em escrever. Se a ele parece não ter nada a dizer que os outros também não possam dizer, ou que não tenha sido dito muito bem, ou que possa ser dito de maneira melhor, o que podemos dizer, nós, pobres mortais e comuns?

Flaubert é extremoso. Vive mergulhado numa espécie de caldeirão existencial. De um lado, indolência, tédio, miséria e cansaço de sua própria existência: “Você sabe muito bem que sou o homem de ardores e de abatimentos. Se você conhecesse todos os invisíveis fios de inação que cercam meu corpo e todas as brumas que flutuam em meu cérebro! Experimento frequentemente uma fadiga de matar de tédio quando é hora de fazer qualquer coisa seja lá o que for, e é só por meio de grandes esforços que consigo captar a mais clara das ideias. Minha juventude me mergulhou em não sei que ópio de estupidez pelo resto de meus dias. Eu tenho ódio à vida. A frase saiu, que fique! Sim, à vida, e a tudo que me lembra que é preciso suportá-la. É um suplício comer, vestir-me, ficar em pé.” (p.55). Uau!!! Que depressão!!!

Por outro lado, arde em Flaubert o trabalho obstinado e obsedante, lírico e transbordante. Queima nele a necessidade vital e mortal de escrever, a incansável preocupação com o estilo, o amor pelo belo e pela arte. Ele ama “acima de tudo a frase nervosa, substancial, de músculo saliente, de pele cor de bistre”; ama “as frases machas” (p.26), e declara que “a única maneira de não ser infeliz é encerrar-se na Arte e contar como nada todo o resto” (p.27).

Nas Cartas Exemplares, Flaubert fala também do difícil processo de criação de suas obras, dos seus defeitos, das suas virtudes, de suas dúvidas quanto a publicá-las ou não. E se autodenomina “um homem-pena”:

“Eu sou um homem-pena. Sinto através dela, por causa dela, em relação a ela e muito mais com ela. Você verá a partir do próximo inverno uma mudança aparente. Eu passarei três invernos usando escarpins [referência à criação de Madame Bovary]. Depois entrarei de novo na minha toca onde estourarei obscuro ou ilustre, manuscrito ou impresso. Há, no entanto, no fundo, algo que me atormenta, é o não-conhecimento de minha medida. Este homem que se diz tão calmo está cheio de dúvidas sobre si próprio. Ele gostaria de saber até que altura ele pode subir e o poder exato de seus músculos. Mas pedir isto é ser muito ambicioso, pois o conhecimento preciso de sua forma não é senão o gênio” (p.62-63)

Flaubert se tortura: “Ninguém mais do que eu tem o sentimento da miséria da vida. Eu não acredito em nada, nem em mim mesmo... eu faço arte porque isso me diverte... antes a pena corria sobre meu papel com rapidez; ela ainda corre agora, mas para rasgá-lo. Eu não consigo fazer uma frase, eu mudo de pena a cada minuto, porque eu não exprimo nada do que quero dizer” (p.30). E se extenua na pena, com a pena e pela pena. “Saiba que estou exausto de escrever. O estilo que é uma coisa que eu levo a sério, me agita os nervos horrivelmente. Eu me exaspero, eu me sinto corroer. Há dias em que fico doente e em que, à noite, tenho febre. Mais eu avanço e mais eu me acho incapaz de alcançar a Ideia. Que mania esquisita essa de passar sua vida a trabalhar sobre as palavras e a suar todo dia para arredondar períodos" (p.40-41)!

Escrever é, para Flaubert, uma ideia fixa: “... o que me frequenta a cada minuto, o que me tira a pena das mãos quando estou tomando notas, o que me faz deixar o livro quando leio, é meu velho amor, é a mesma ideia fixa: escrever! É por isso que não faço mais nada, embora me levante bem cedo e saia muito pouco” (p.25). Flaubert se torna artista com uma dificuldade desoladora: “vou acabar sem escrever uma só linha. Creio que poderei fazer coisas boas; mas me pergunto sempre, para quê? O mais esquisito é que não me sinto desencorajado; eu me compenetro, ao contrário, mais do que nunca, da ideia pura, no infinito. É o que aspiro, o que me atrai; estou me tornando brâmane, ou talvez apenas um pouco louco” (p.30). “Eu escrevo só para mim, só para mim, como eu fumo e como eu durmo. É uma função quase animal, de tão pessoal e íntima” (p.40)

E agora deixem-me ficar por aqui, senão quem vai ficar um pouco louca sou eu! Pois mal li ainda um quarto dessas Cartas e já estou aqui, jogada aos pés de Flaubert.

Ah Flaubert, Flaubert, Flaubert... deixe-me trabalhar!

sábado, maio 08, 2010

El taxista argentino



hola, que tal ?

Sempre ouvi dizer (e pude algumas vezes perceber diretamente) que o modo de ser argentino é único em seu gênero. Aliás, pode-se dizer que cada país, cada povo, cada cultura tem seu modo de ser sui generis (rs desculpem-me a observação trivial!) .

Well, dos argentinos dizem (e eu já pude constatar a veracidade dessa opinião comum): eles têm uma personalidade reservada, altiva, orgulhosa. Não são lá muito simpáticos (ou ao menos não sorriem à toa). Nem são muito amáveis e cordiais (ao menos na medida em que se pode dizer que os brasileiros, em geral, os são), exceto com aqueles que são da terra deles. O que não falta é nariz empinado (mas eu tenho uma certa simpatia por narizes empinados).

Não pude deixar de observar, num agradável passeio que fiz por Buenos Aires, certas características do povo porteño. Observei muitas outras coisas, pois, além da cidade ser linda e rica em detalhes, sou extremamente (e naturalmente) curiosa e interessada: quero absorver o máximo possível dos lugares em que passo e das pessoas que vejo.

Eu poderia falar um pouco de tudo que vi: dos bares e cafés, das ruas e lugares, da belíssima arquitetura, das praças, monumentos, tangos e tal... e também do modus operandi dos garçons ou garçonetes, dos recepcionistas do hotel em que me hospedei, dos vendedores ou balconistas de lojas e livrarias, enfim, falar um pouco de toda e qualquer pessoa com quem lá tive algum tipo de contato, e mesmo daqueles que observei a distância. Pessoas são sempre ricas fontes de informações.

Porém, não quero aqui me estender demais (muito menos escrever uma tese sobre a personalidade dos argentinos). Quero apenas tecer alguns comentários sobre El taxista argentino, a partir da experiência que tive ao pegar alguns táxis naquela bela cidade. Aliás, diga-se de passagem, táxi lá é o que não falta e, friso, custa bem barato.

Influenciados já pela opinião comum sobre o modo de ser argentino e de alguns breves contatos que já tínhamos feito com algumas pessoas; propensos a perceber os detalhes de tudo, eu e meu namorado tomamos um táxi para irmos jantar em algum bar-restaurante. Paramos, ao acaso, um táxi que descia a Rua Esmeralda, quase em frente ao hotel em que ficamos. Ao entrar, como sempre, digo um boa noite, um olá, ou qualquer coisa assim, num tom naturalmente simpático.

O taxista, um rapaz tipo rebelde daqueles que usam jaqueta de couro preta (que aqui a gente poderia chamar de “um cara invocado"), mal respondeu e mal tomou conhecimento de nossa presença. Tomou-a apenas na medida em que necessitava saber para onde gostaríamos de ir. E assim que dissemos, ele seguiu a seu modo, completamente indiferente a nós. Era como se não existíssemos. 

No carro, um som moderninho um tanto barulhento, mas perfeitamente tolerável.



Putz, o cara saiu dirigindo completamente calado, fechado em si mesmo, numa imprudência no trânsito que deixaria qualquer um com o coração a saltar pela boca. Andava “chutado”, pressionando a traseira de tudo quanto é carro que ele encontrava pela frente, tirava fininhas de arrepiar os cabelos. Acelerava, freava, acelerava e freava. A todo momento parecia que ia bater o carro. Ele exibia lá uma certa destreza, mas dirigia totalmente na ofensiva. E não estava nem aí para seus passageiros.

Registre-se que o trânsito de Buenos Aires funciona notadamente bem (ponto para os argentinos). Avenidas largas, com várias pistas e, ao que parece, um planejamento bem feito. Em tais avenidas o tráfego flui em alta velocidade. Apesar da alta velocidade, nos poucos dias que andei por lá, não vi nenhum acidente, nem indícios de acidentes, tais como agentes de trânsito e ambulâncias do tipo Siate que a gente vê muito (e todos os dias) por aqui.

No táxi, um silêncio mortal! Todos calados. Fiquei só observando (e bufando um pouco, um tanto apreensiva). Bom, como “ladies first”, geralmente entro primeiro no carro e daí faço questão de me sentar bem no meio do banco para poder observar tudo pelo espelho retrovisor, inclusive a expressão e olhar do motorista. Imagino que talvez isso incomode um pouco, pois ele, ao olhar para o retrovisor, provavelmente encontrará o meu olhar (no caso ali o meu olhar era grave).

É claro que normalmente procuro ser discreta e desviar o olhar para não intimidar o motorista, já que essa atitude minha é, em geral, devida à minha simples sede de observar e sorver tudo. Mas no caso ali, com aquele maluco dirigindo de modo arrogante, mortalmente indiferente e extremamente imprudente, não fiz a menor questão de ser discreta. Encarei o espelho com olhos dardejantes. My god, como ele era displicente, carrancudo e metido à besta!!!

Em vários momentos pensei em falar: PARE, por favor, O SENHOR PODE PARAR POR AQUI MESMO, e descer. Mas, por outro lado, achei aquela situação interessante (e até mesmo cômica). Profissionalmente, para um motorista de táxi, ele era o típico cara que faz a gente pensar: como é que ele sobrevive nessa profissão dirigindo e agindo desse jeito? Não é difícil chegar a alguma conclusão. Provavelmente ele não precise de clientes fixos. Pega passageiros ao acaso. Circula muita gente na cidade, a toda e qualquer hora (Buenos Aires praticamente não dorme). Então, ele sempre terá quem levar. E não tem a mínima importância se esse passageiro só for passageiro dele uma única vez. Desce um, sobe outro.

O trajeto foi todo assim: uma aventura periculosa. Eu e o Agui, calados, apenas nos olhávamos. Sabíamos que estávamos a pensar a mesma coisa. Entre um e outro olhar, uma observaçãozinha, um toque de mãos, um sarrinho audível apenas aos nossos ouvidos. Quando descemos não resistimos a metralhar o episódio com nossos comentários (sempre naquele velho e conhecido tom cheio de sarcasmo e graça).

Obviamente, na saída do carro eu disse um gélido boa-noite-e-obrigada. Ele mal abriu a boca. Ouvi apenas um ADIOS empedrado com um decisivo ponto final sem a menor chance de vírgula. Cheguei (com a minha imaginação) a ouvi-lo dizer: ADIOS, já vão tarde, desçam logo, não foi nenhum prazer, espero nunca mais encontrá-los.

Naturalmente alguém poderá pensar que esse taxista não retrata todos ou a maioria dos taxistas argentinos. É verdade. Conheço pessoas que viveram, nesse sentido, experiências completamente diferentes. Mas posso dizer que, embora eu não tenha tomado nenhum outro táxi com um taxista aloprado, os outros que peguei ao menos se apresentaram calados, fechados, indiferentes, pouco amáveis ou cordiais (com exceção de um que foi super simpático e comunicativo). Isso também se deu nos outros setores do comércio porteño.

Pode-se também argumentar (contra mim) que as pessoas que confirmaram a opinião comum sobre a personalidade deles representam apenas uma pequena parcela dos argentinos com os quais tive contato, e que estou, portanto, generalizando. Isso também é verdade. Estou sim generalizando, qual é o problema? Quem poderia falar sobre argentinos, brasileiros, ingleses, cariocas, persas ou capadócios sem generalizar?

Admito que não se possa taxar a personalidade de todos os argentinos do modo como apresentei aqui. Ademais, Buenos Aires é maravilhosa, e uma cidade maravilhosa deve, de algum modo, possuir um povo condizente com suas maravilhas. A meu ver, a altivez é, quando não empedernida, uma virtude. Tem a ver com nobreza de espírito. Donc, relaxem: aqueles que não se encaixarem nessa minha generalização não precisam ficar magoados nem fazer biquinhos. O que registrei aqui foi apenas uma curiosa faceta porteña, a partir de um episódio particular com um taxista argentino. Eu amei Buenos Aires.


sexta-feira, abril 09, 2010

Teologia e Antropomorfismo

Eis o resumo da minha comunicação para o  II Encontro Hume que acontecerá entre os dias 19 e 21 de maio de 2010 na UFPr.

Teologia e antropomorfismo nos Diálogos sobre a Religião Natural de Hume

De acordo Demea, a defesa do argumento do desígnio, levada a cabo por Cleantes, carrega consigo o antropomorfismo e, por essa razão, seria possível afirmar a sua improcedência. Para Demea, “ao representarmos a Divindade como sendo tão inteligível e compreensível, e tão similar à mente humana, tornamo-nos culpados da mais grosseira e tacanha parcialidade e nos arvoramos em modelo de todo o Universo” (D III §12: 53). Ao procedermos assim, ilegitimamente inferiorizamos a divindade e elevamos os atributos humanos. Demea argumenta em favor de que todos os materiais do pensamento são provenientes somente de duas fontes: sentidos internos e sentidos externos, os quais compõem toda a bagagem do entendimento humano (D III §13: 54). Sendo assim, os materiais do nosso pensamento não se assemelham em aspecto algum a inteligências tão distintas e distantes como as que separam as inteligências humanas da inteligência divina. Na visão de Demea, “a debilidade de nossa natureza não nos permite apreender quaisquer ideias que tenham a mínima correspondência com a inefável grandiosidade dos atributos divinos” (D III §13: 55). Por conseguinte, não podemos dizer que Deus raciocina como nós, visto que nossos pensamentos são fugazes, vacilantes e incertos. Nossos padrões de verdadeiro ou falso não se aplicam aos juízos que fazemos sobre os atributos divinos. Sendo assim, não podemos descrever Deus com as mesmas palavras que usamos para falar de criaturas tão limitadas e corruptas como os seres humanos. Ora, que opções teríamos, então? Como pensar ou falar sobre Deus? Isto considerado, minha comunicação se concentrará na crítica de Demea ao antropomorfismo empreendida nos Diálogos, não obstante eu esteja ciente de que na História Natural da Religião podemos encontrar consideráveis desenvolvimentos acerca do tema. Essa restrição aos Diálogos se justifica em virtude de meu propósito. Pretendo discutir o papel que a crítica ao antropomorfismo desempenha na discussão sobre a validade do argumento do desígnio promovida nos Diálogos. Convém esclarecer que discutirei este ponto tomando como referência a participação do personagem Demea, embora a expectativa comum fosse, talvez, tomar como referência o personagem Fílon. Nesse caso, minha pretensão é dupla, pois viso não somente discutir o antropomorfismo nos Diálogos, mas também dar voz a Demea procurando trazer à superfície sua importância como personagem dos Diálogos.

terça-feira, abril 06, 2010

Programação do II Encontro Hume - UFPr

II Encontro Hume

19 de maio
14:00 - 15:00: Abertura - Isabel Limongi (UFPR)
Hume e o caráter histórico da justiça
15:00 - 15:30: Intervalo
15:30 - 16:00: Giovani Prezzi (UNISINOS)
Hume contra o egoísmo moral
16:00 - 16:30: André Olivier da Silva (UNISINOS)
Vontade e determinismo moral em Hume
16:30 - 17:00: Andreh Sabino Ribeiro (UFCE)
O composto força-direção da moralidade: sentimento e razão na teoria mental e social de Hume
17:00 - 17:30: Rogério Mascarenhas (UFBA)
O estatuto da imaginação na Teoria das Paixões de Hume
17:30 - 18:00: Debate

20 de maio
09:00 - 10:00 José Oscar de Almeida Marques (UNICAMP)
Princípio de razão suficiente e princípio de uniformidade na teoria humeana da causalidade
10:00 - 10:30: Intervalo
10:30 - 11:00 Cesar Kiraly (UFRJ)
A forma suicidária do pensamento em Montaigne e Hume
11:00 - 11:30: Hugo Viçoso (UFMG)
A filosofia como um antídoto para a superstição em Hume
11:30 - 12:00: Debate
12:00 - 14:00: Almoço
14:00 - 15:00: Eduardo Barra (UFPR)
Filosófica & Natural: a dupla identidade da causalidade no Tratato de Hume
15:00 -15:30: Intervalo
15:30 - 16:00 Andrea Cachel (IFPR)
Regras Gerais do Juízo na Investigação
16:00 - 16:30 Gustavo Oliveira Fernandes (UFSCar)
O estatuto da geometria e as ideias abstratas no Tratado da Natureza Humana
16:30 - 17:00 Matheus Batista dos Reis (UFMG)
Uma análise sobre os argumentos de Thomas Reid contra a “via das ideias”
17:00 - 17:30 Carlos Lima (UFBA)
Do Gosto em David Hume
17:30 - 18:00 Debate

21 de maio
14:00 - 14:30: Bruno Pettersen (UFMG)
As Vozes de Hume
15:00 - 15:30 Anice Lima de Araújo (UFMG)
Hume e o Ceticismo
15:30 - 16:00 Debate
16:00 - 16:30 Intervalo
16:30 - 17:30: Encerramento - Lívia Guimarães (UFMG)
Artifício e natureza no pensamento de Hume 

quinta-feira, março 25, 2010

A arte de lidar com as mulheres



Quem lê o título desse pequeno tratado (A arte de lidar com as mulheres), “um florilégio de sentenças”, imagina que vai encontrar ali, no mínimo, percepções agudas e excelentes dicas de como lidar com as mulheres (já que se propõe a revelar uma arte).

De fato, para alguém falar com propriedade sobre as mulheres é necessário ter não só perspicácia como também um conhecimento elevado e profundo de sua natureza: é preciso saber como elas pensam, sentem e agem, não só em geral, mas também em determinadas circunstâncias.

Obviamente o autor, ao expressar ali suas opiniões sobre as mulheres, julgou-se bastante conhecedor delas. Porém, embora não se possa dizer que ele desconhecia totalmente as mulheres, na verdade, nesse tratado, ele atirou em seu próprio pé, pois não encontramos, salvo em algumas passagens, muita coisa sensata. Ao contrário, damos de cara com um festival de bobagens ditas pelo (nada mais nada menos) grande e admirável filósofo Schopenhauer (e isso não é nenhuma ironia; ele é, de fato, grande e admirável, mas até mesmo os grandes filósofos podem dizer e disseram algumas asneiras).

Franco Volpi, autor da introdução e notas da edição da Martins Fontes, 2004, adverte-nos de que “ao ler-se o presente tratado, devem ser levados em conta os condicionamentos e as circunstâncias, ou seja, o pesado fardo da tradição machista e os atávicos preconceitos que calcam a pena de Schopenhauer” (XIV) ─ apenas um entre tantos filósofos falidos no amor.

Ora, o que se passou na cabeça de Schopenhauer ao escrever sobre as mulheres não expressa todo o seu pensamento ou toda a sua filosofia que, por mais que traga algumas ideias indefensáveis, é de inestimável valor e matéria para muitas teses e discussões interessantes. No fundo, eu o tenho em alta conta. Tanto que já lhe rendi aqui mesmo (neste blog) muitos elogios e escrevi também um TCC sobre o tema da liberdade da vontade em Schopenhauer. Mas isso não me impede de exclamar:

my god, há aqui tantas bobagens (e carregadas nas tintas) que ao lê-las dá vontade de sair berrando!!! (lembrei-me de alguém dizendo isso diante de um absurdo patente).

Ainda segundo Volpi, não se pode também desconsiderar “a difícil relação que Schopenhauer teve com a figura materna”, relação esta que provavelmente causou a “exacerbada misoginia e indefensável, quase caricatural, imagem da mulher que, em sua obra, Schopenhauer pretendeu fundar em bases metafísicas” (XVII-XVIII)

Desculpas e justificativas da inépcia schopenhaueriana à parte, e a despeito de alguém que possa argumentar que todo autor paga, de um certo modo, um certo tributo a seu tempo, vamos ao que interessa, ou seja, às proposições ricas de “aspectos hilariantes, aptas ─ como um clássico hors d’âge ─ a divertir qualquer um” (XXIX). Talvez alguém dissesse mais: aptas também a indignar as mulheres (e alguns homens sensíveis e inteligentes). Mas, no fundo, não dá para levar muita coisa a sério.

Eis, então, algumas “pérolas” schopenhauerianas:


“As mulheres são o sexus sequior, o sexo que sob qualquer ponto de vista é o inferior, o segundo sexo, e em relação a cuja fraqueza deve-se, por conseguinte, ter consideração. Contudo, demonstrar-lhes veneração é extremamente ridículo e nos diminui aos olhos delas” (p. 4).

Ora, talvez alguém possa defender que aqui nem tudo é bobagem. Como bem me lembrou o Aguinaldo, Schopenhauer teve algumas intuições básicas em relação às diferenças biológicas entre as mulheres e os homens dignas de consideração. Porém, dear Aguinaldo, nem por isso elas são sob qualquer ponto de vista inferiores. Talvez pudéssemos dizer que em relação à força física ou a determinadas aptidões elas sejam, respectivamente, mais fracas e menos habilidosas, do mesmo modo que os homens também o são em relação a outras qualidades e aspectos.

“A mulher no Ocidente, particularmente aquela que é chamada de “dama”, encontra-se em uma falsa posição, pois a mulher, que os antigos com razão chamavam de sexus sequior, não merece de forma alguma ser o objeto de nosso respeito e veneração, trazer a cabeça mais erguida que a do homem e ter os mesmos direitos que ele. Vemos perfeitamente as consequências dessa falsa posição. Seria, por conseguinte, muito desejável que também na Europa esse número dois do sexo humano fosse recolocado em seu lugar natural, e que se desse um fim a esse monstro chamado dama, do qual não apenas toda a Ásia se ri, mas também a Grécia e Roma teriam se rido; as consequências, no aspecto social, burguês e político, seriam incalculavelmente benéficas. [...] A verdadeira “dama” européia é uma criatura que simplesmente não deveria existir; o que deveria sim haver são donas de casa e moças que tivessem a esperança de vir a sê-lo, de forma que não seriam educadas para a arrogância, mas para a vida doméstica e a submissão” (p. 97-98).

Uau, essa é de doer! Simplesmente indefensável...

“Com toda razão, poder-se-ia chamar o sexo feminino de não-estético. Nem para a música, nem para a poesia, tampouco para as artes plásticas as mulheres têm, real e verdadeiramente, talento e sensibilidade; quando, porém, elas afetam ou simulam essas qualidades, de nada mais se trata senão de pura macaquice voltada a seu desejo de agradar” (p. 85).

“Quando as leis concederam às mulheres os mesmos direitos dos homens, elas deveriam ter lhes dado também um intelecto masculino” (p. 79).

Bom, se tivessem me oferecido um intelecto masculino eu o recusaria sem titubear.

Mas curioso é que o próprio Schopenhauer em algum lugar (não me lembro onde, sorry) afirma que os filhos herdam do pai o caráter e da mãe o intelecto (ou a inteligência). Ora, com base em que ele afirma que do pai herdamos o caráter e da mãe o intelecto?

Ademais, se os filhos herdam o intelecto ou a inteligência da mãe, como podem possuir intelectos superiores aos das mulheres? Bom, alguém poderia argumentar que o intelecto materno, ao se unir a características específicas da genética masculina, produz intelectos superiores. Bom, aí o caldo engrossa... 

“O domínio natural da mulher sobre o sexo masculino por meio da sensação de satisfação dura cerca de dezesseis anos. Aos quarenta anos, a mulher não está mais apta para a satisfação sexual” (p. 47).

Tá aí a mulherada (e a história) que o faz mentir.

Talvez ele devesse ter dito que ela não está mais apta à procriação, embora hoje em dia, apesar de não ser propriamente desejável que as mulheres resolvam procriar aos quarenta anos, não há mais nenhuma contra-indicação relevante ou impedimento natural para isso (com algumas exceções, é claro). E os fatos atestam que as mulheres ainda e depois dos quarenta estão sim aptas à satisfação sexual. Quanto a isso, Schopenhauer pisa feio na bola.

“Quando a natureza dividiu o sexo humano em duas partes, não fez o corte exatamente na metade. Em toda polaridade, a diferença entre o pólo positivo e o negativo não é puramente qualitativa, mas também quantitativa. É assim que também os antigos e os povos orientais viam as mulheres e, consequentemente, reconheciam a posição adequada a elas muito melhor do que nós, com nossa galanteria francesa fora de moda e nossa veneração despropositada às mulheres ─ a mais fina flor da estupidez germânico-cristã ─, que só serviu para torná-las arrogantes e sem consideração, fazendo às vezes lembrar os macacos sagrados de Benares, que, por terem consciência de sua santidade e inviolabilidade, se permitiam tudo e qualquer coisa” (p. 9-10).

Ai... sem comentários!

“As mulheres, como pessoas que, por causa da fraqueza de seu intelecto, são muito menos capazes do que os homens de entender, reter e tomar como norma princípios gerais, ficam em regra atrás deles em relação à virtude da justiça e, portanto, também da probidade e da retidão; por isso, a injustiça e a falsidade são seus fardos mais frequentes e a mentira seu elemento real. [...] A idéia de ver mulheres exercendo a magistratura desperta risos” (p. 93)

Ora ora Schopenhauer, eu diria, é você quem, aqui, nos desperta risos.

Ok, ok... não nos esqueçamos das intuições schopenhauerianas básicas sobre a vontade de vida e do instinto sexual no interesse da espécie. Não nos esqueçamos também de suas idéias até que sensatas sobre o casamento, a monogamia e a poligamia, mas que falta fez, na época, um exemplar do rei Juan Carlos para dizer ao menos em alguns momentos: “por qué no te callas” Schopenhauer?

Uma última observação: o título aqui não é o original de Schopenhauer, pois este ensaio, contido na obra Parerga e Paralipomena (1851), traz apenas o título Sobre as mulheres, e não A Arte de Lidar com as Mulheres.

quarta-feira, março 17, 2010

From Hume to Kant: Towards a Semantic Interpretation of the Transcendental Analytic

Workshop
From Hume to Kant:
Towards a Semantic Interpretation of the Transcendental Analytic
Universidade Estadual de Campinas
3 a 6 de maio de 2010

Realização:
Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UNICAMP
Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência - UNICAMP
Programa de Pós-Graduação em Filosofia – IFCH-UNICAMP
Seção de Campinas da Sociedade Kant Brasileira
GT/GP Criticismo e Semântica da ANPOF


Participantes confirmados:
Andrea Luisa Bucchile Faggion (UEM/UNICAMP)
Daniel Omar Perez (PUC-PR)
Eduardo Salles de Oliveira Barra (UFPR)
José Oscar de Almeida Marques (UNICAMP)
Júlio César Ramos Esteves (UENF)
Orlando Bruno Linhares (Universidade Mackenzie)
Robert Hanna (University of Colorado)
Zeljko Loparic (UNICAMP)

Chamada de trabalhos:
Os trabalhos, em extensão apropriada para uma comunicação de 30 minutos, devem ser enviados na íntegra para o endereço eletrônico andreafaggion@yahoo.com.br até o dia 31 de março de 2010. As propostas devem versar sobre as obras de Hume e/ou Kant. Os textos devem conter: título, nome do autor (e do orientador, quando for o caso), instituição, endereço eletrônico do autor, resumo, palavras-chave, desenvolvimento e referêncisa bibliográficas, sendo digitados em formato A4, espaço 1,5, fonte Times New Roman, 12. É desejável que haja também uma versão do texto em língua inglesa e será dada preferência aos autores que a providenciarem.

Observação: Embora a chamada de trabalhos solicite o texto completo serão aceitos também apenas os resumos.

segunda-feira, março 15, 2010

II Encontro Hume



O Encontro Hume visa a consolidar o campo da reflexão filosófica e o estudo da filosofia de David Hume no âmbito dos estudantes de graduação, mestrado e doutorado. O I Encontro aconteceu em Outubro de 2009 no IUPERJ e contou com a apresentação de 18 trabalhos de estudantes de diversos estados, entre os quais São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Fortaleza, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, além dos professores Renato Lessa e César Kiraly (IUPERJ), Lívia Guimarães (UFMG) e Paulo Tunhas (Universidade do Porto, Portugal).

O II Encontro Hume acontecerá nos dias 19, 20 e 21 de maio de 2010 na UFPR em Curitiba. Os palestrantes convidados são: Eduardo Barra (UFPR), Isabel Limongi (UFPR), José Oscar de Almeida Marques (UNICAMP) e Lívia Guimarães (UFMG).

Haverá inscrições para apresentação de comunicações (graduandos, mestrandos e doutorandos) e para ouvintes. Para apresentar uma comunicação o proponente deverá enviá-la para o e-mail encontrohume@gmail.com juntamente com os seguintes dados:

• Nome
• E-mail
• Endereço e telefone
• Título do trabalho
• Resumo com no máximo 300 palavras
• Instituição de origem e titulação
• E realizar o pagamento da taxa de inscrição no valor de R$ 15,00

A data limite para o envio dos resumos é 30 de março de 2010 e o resultado será divulgado no dia 05 de abril. Os ouvintes deverão enviar os seguintes dados para o e-mail encontrohume@gmail.com

• Nome
• Email
• Endereço e telefone
• E realizar o pagamento da taxa de inscrição no valor de R$ 15,00.

O pagamento da inscrição deverá ser feito através de depósito bancário na conta corrente de Anice Lima de Araújo: nº 10948-7, Agência nº 3610-2 (Banco do Brasil) O comprovante deverá ser enviado para o email encontrohume@gmail.com (sugerimos scanner, foto ou o comprovante emitido pelo banco on-line) até o dia 30 de março. Haverá entrega de certificado para os apresentadores de comunicação e ouvintes devidamente inscritos.

Organização:

André Olivier (UNISINOS)
Andrea Cachel (IFPR)
Anice Lima (UFMG)
Marcos Balieiro (USP)
Marília Côrtes (USP/FAPESP)
Rogério Mascarenhas (UFBA)

Promoção: UFPR

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Liberdade e Vontade em Locke

Recentemente publicado (set/dez/2009) na Revista Filosofia da Unisinos (volume 10, número 3) um artigo meu sobre Liberdade e Vontade em Locke http://revistas.unisinos.br/index.php/filosofia/article/view/5027

Eis o resumo:

Este artigo visa à apresentação e análise interna do compatibilismo de Locke, ou seja, da tese lockeana de que a liberdade é compatível com a necessidade natural. Para tanto, é focalizado o capítulo Do Poder (cap. XXI, livro II do Ensaio sobre o Entendimento Humano), em que Locke examina os conceitos de liberdade e vontade. Este estudo pretende mostrar que, embora Locke, por vezes, pareça se comprometer com teses incongruentes com o compatibilismo, ele é, essencialmente, um compatibilista. A impressão de que Locke defende teses incompatibilistas é desfeita, quando ponderamos com atenção o seu argumento geral sobre vontade e liberdade. Locke defende textualmente que o voluntário não se opõe ao necessário. Como compatibilista, ele sustenta que a vontade não é livre. Assim, o homem livre não pode ser aquele que é livre para querer. Um homem considerado como agente livre é aquele que tem liberdade de ação e não liberdade da vontade.

Palavras-chave: liberdade, vontade, compatibilismo, escolha, necessidade

Resenha: Hume e a Epistemologia

Eis-me aqui para comunicar que já há algum tempo (final de 2009) foi publicada na Princípios Revista de Filosofia da UFRN (volume 16, número 25), uma resenha de minha autoria do livro Hume e a Epistemologia, de João Paulo Monteiro. Para acessá-la  é só clicar no link acima.

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

I Jornada em História da Filosofia: Hume e a Modernidade‏

O Grupo Hume UFMG-CNPq, com apoio da FAFICH-UFMG e PROEX-PAIE/UFMG, promove a Primeira Jornada em História da Filosofia nos dias 03 e 04 de março de 2010, em Belo Horizonte.

PROGRAMAÇÃO

• 03 de Março

14:15 - 14:30 Abertura: Lívia Guimarães (UFMG)
14:30 - 16:30 Hume sem Indução: João Paulo Monteiro (USP-Universidade Nova de Lisboa)
16:30 - 17:00 Intervalo
17:00 - 19:00 O conceito de Ilustração Luso-Brasileira: Maria Beatriz Nizza da Silva (USP)

• 04 de Março

14:00 - 15:30 Hume e a Epistemologia: uma leitura: Anice Lima de Araújo (UFMG)
15:30 - 16:00 Intervalo
16:00 - 17:30 As várias vozes de Hume: Bruno Pettersen (UFMG)
18:00 - 19:00 Reunião Grupo Hume
Organização: Grupo Hume UFMG-CNPQ

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Sem mais quê nem pra quê

The Mill | Van Rijn Rembrandt |1606-1669 | óleo sobre tela

Outro dia, quando trabalhava na tese, dei de cara com aquelas dúvidas cruéis acerca de como usar um termo ou como se escreve uma palavra. Era um simples que! Mas tive dúvidas se naquele contexto ele deveria levar acento ou não. Mais do que depressa me dirigi a um de meus dicionários. Abri meu Aurélio Eletrônico Século XXI:

E dá-lhe que daqui, dá-lhe que de lá: pronome interrogativo, pronome exclamativo, pronome relativo, advérbio, preposição, conjunção coordenada aditiva, alternativa, subordinativa, comparativa, conjunção subordinativa integrante, concessiva, causal, final... ufa! No final, partícula expletiva: expeli um PQP em alto e bom som de tanto que!

Mas o mais interessante disso tudo foi clicar num daqueles livrinhos do dicionário que mostram o uso desse monte de que, e ler ali nas conjunções coordenativas aditivas o seguinte pequeníssimo trecho do livro Despedidas do poeta português António Pereira Nobre (1867 -1900).

Passo os dias metido em meu moinho,
E mói que mói saudades e tristezas...

Tudo a ver... !

sábado, fevereiro 13, 2010

Bendita curiosidade!

“There are many questions in philosophy to which no satisfactory answer has yet been given. But the question of the nature of the gods is the darkest and most difficult of all…. So various and so contradictory are the opinions of the most learned men on this matter as to persuade one of the truth of the saying that philosophy is the child of ignorance…” (Cicero The Nature of the Gods, Book I).

Well… essas são as palavras de abertura da obra acima citada. Citei em inglês porque dentre as traduções que tenho aqui, a portuguesa e a francesa, é a que me soa mais agradável aos ouvidos. E eu tenho uma relação afetiva com os meus ouvidos.

Chega a ser estranho eu dizer isso porque a língua inglesa por muito tempo enroscou em meus ouvidos. A necessidade sempre urgente de entendê-la, devido à quantidade de textos que tinha e tenho de ler nessa língua, causava-me um verdadeiro desconforto. Eu tive que aprendê-la na necessidade, numa espécie de casamento com os textos e os dicionários.

Em geral, sempre louvei a língua francesa, pela beleza sonora, a agradável melodia, e pela familiaridade e facilidade com que aprendi a lê-la. E ela continua a soar de modo muito agradável, mas acho que li tantos textos em inglês ultimamente (tomei um verdadeiro porre no bom sentido) dessa língua, que agora ela se tornou tão familiar que posso mesmo dizer que me deleito ao lê-la e ouvi-la. E isso, é claro, não tem nada a ver com qualquer desconsideração a respeito de minha amada língua-mãe. Essa é minha, e é mãe! 

Mas voltemos à citação.

Meu propósito em apresentar essa passagem de Cícero diz respeito à pergunta que faço a mim mesma todos os dias quando me debruço sobre o tema da Religião Natural em geral e, por implicação, o tópico tão delicado da natureza dos deuses.

Se, como diz Cícero, a “questão da natureza dos deuses é a mais obscura e a mais difícil de todas”, pergunto: onde eu estava com a cabeça quando resolvi mergulhar nesse pântano? Bem sei que ela estava no lugar certo, exatamente em cima do meu pescoço. Ademais, como diz Hume na voz de Panfilo ─ narrador dos Diálogos sobre a Religião Natural,

“estas questões sempre foram objeto de disputas entre os homens e, relativamente a elas, a razão humana jamais chegou a alguma conclusão segura. Apesar disso, trata-se de questões de tão grande interesse que somos incapazes de refrear nossa incansável curiosidade sobre elas, mesmo que nossas pesquisas mais acuradas não tenham produzido até agora senão dúvidas, incertezas e contradições” (DRN, introdução, p.5). Sendo assim, sinto-me justificada em meu interesse.

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Pensando no chuveiro


Toda vez que vou tomar banho penso como é bom pensar debaixo do chuveiro. Percebo que ali meus pensamentos pululam... e fluem... parecem acompanhar a intensidade, o calor agradável e o fluxo da água.

Pena que ainda não inventaram um laptop à prova d’água, nem uma cadernetinha, um caderninho, um bloquinho, putz, qualquer coisa sobre a qual eu pudesse escrever sem precisar sair de lá, pois muitos dos meus pensamentos acabam escorrendo pelo ralo. Uma pena! Lá se foram...

Que ninguém me dê a ideia, please, de levar um mp3 para gravá-los. Já adianto que não seria a mesma coisa...

domingo, dezembro 13, 2009

A Filosofia, Deus e o Diabo

Se Hume está certo em afirmar que nossas crenças religiosas têm por base fatores psicológicos, tais como o medo e a esperança, e que tais fatores fazem parte da compleição do ser humano, eu, sendo uma dessas criaturas ditas humanas, devo também, de algum modo, ser suscetível a elas. Mas, notem, please, para Hume, os primeiros princípios religiosos não surgem de um instinto original ou de uma impressão primária da natureza. Eles devem ser secundários... e quem quiser entender isso terá de recorrer à História Natural da Religião, obra na qual Hume trata do assunto. Se eu me detiver aqui não chegarei aonde quero.

Ora, ora...
Isso não significa que eu possa afirmar (ou mesmo acredite) que Deus existe na realidade, mas que, de algum modo, e a despeito de sua alegada existência, ao menos tenho a ideia dele, ou, digamos assim, eu penso nele. Acho que nunca pensei tanto em Deus como quando comecei a estudar filosofia (e  comecei já na iminência de completar 37 anos). Confesso que demorei um pouquinho para entender por que Deus (a sua existência, a sua natureza ou, simplesmente, a ideia que temos dele) se constitui num dos grandes problemas filosóficos. Deus, até então, era para mim um ser cuja possibilidade ou não de existir não fazia exatamente parte de meus escrutínios, embora, às vezes, e de algum modo, ele se apresentasse à minha mente sobretudo nas horas de culpa, sofrimento, medo e esperança, como diz Hume.

Bom, nem sempre o Deus que se apresentava à minha mente era esse Deus monoteísta cristão. Tanto que por oito anos, os oito imediatamente anteriores aos meus 37, fui budista. E antes, "meditante", e antes, digamos, “procurante”.

Hoje, quanto mais penso em Deus (independentemente de se ele existe ou não), mais tenho a certeza de que sua suposta natureza, atributos e planos permanecem incertos e ocultos, e que Hume me parece estar certo quando diz que estas são questões indecidíveis, apesar de serem perfeitamente concebíveis pela mente.

É tese de Hume também que se a ideia de Deus é concebida pela mente, sua existência é possível, mas também, por diversas razões, pouquíssimo provável (tese que também não vou tratar aqui). Levanto esse assunto não para discutir filosoficamente essas questões (acho que uns diriam aqui: ainda bem! outros: ah, que pena!). Levanto o assunto para contar uma história.

Lembro-me vividamente de uma noite (acho que eu tinha mais ou menos uns 6 ou 7 anos) em que minha avó fez um discurso de que filha malcriada, especialmente com a mãe, o pai, ou mesmo a avó (e eu havia praticado um ato malcriado qualquer, na verdade, acho que tinha apenas sido desobediente), cometia um grandessíssimo pecado e, muito provavelmente (só que ela discursava com um ar de muito certamente), iria, quando morresse, pagar meus pecados ardendo no mármore do inferno.

Minha avó descrevia o diabo com chifres, rabo comprido, pele grossa e carbonizada, enormes asas de morcego, olhos fulminantes e cara de besta-fera que baba maldade e se delicia com ela: a maldade escorre pela boca e ele lambe de volta pra não deixar escapar nem um pouquinho. Tudo isso, claro, num cenário vermelho fogo repleto de almas penadas, típico de um inferno.

Depois ela descrevia Deus com aqueles atributos tradicionais de suprema benevolência, onisciência, onipresença e onipotência, com ar sereno e cara de bonzinho. Deus me olhava do alto daquele céu azul plácido e tranquilo. Mas notem: Deus estava bravo comigo e me recriminava.

Nosssa! Chorei a noite inteira morrendo de medo dos castigos do inferno. E olhem que eu tinha feito apenas uma bobagenzinha, tanto que nem me lembro que “pecado horroroso” era esse que havia cometido. Eu me contorcia e chorava mergulhada em culpa, arrependimento e medo. Acho mesmo que fiquei doente. Suplicava perdão àquela figura esplêndida, na esperança de escapar do inferno. E prometia que dali pra frente eu seria a menina mais boazinha e obediente do mundo (é claro que nunca cumpri essa promessa rs). Ai que angústia! Que tortura! Que pesadelo tive naquela noite (se é que dormi de fato! na verdade, acho que fiquei in delirium tremens).

Bom, minha fase cristã não durou muito. Minhas dúvidas em relação a Deus, ao cristianismo e às religiões em geral, aumentavam conforme eu crescia, até que hoje, bem mais esclarecida, penso: ainda bem que cresci e comecei a estudar filosofia ─ uma maneira (que também não vou explicar aqui) de escapar desses tormentos e superstições.

Hoje cometo lá meus pecadinhos (já que não sou perfeita), mas não tenho pesadelos com Deus e o Diabo. Basta, para que eu me redima das faltas que cometo, que minha consciência moral me acuse, seja esta ditada pela minha razão ou pelos sentimentos naturais de ser simplesmente e demasiada humana.

quarta-feira, novembro 11, 2009

Vaidade das vaidades: uma paixão vital


Hoje resolvi fazer aquela brincadeira de abrir um livro numa página qualquer para saber o que ele teria a me dizer de interessante, e que eu pudesse fazer comentários, de preferência, também, interessantes rs. Isso foi às 7:00 hs da manhã, quando me preparava para ir à academia cuidar um pouco, se Platão estiver certo, do cárcere da minha alma. Ora, se tenho de manter minha alma durante toda a minha vida num cárcere, que seja, então, num cárcere bem cuidado e agradável de se habitar.

Escolhi abrir o livro das citações de Eduardo Gianetti, já que ali se encontram boas e interessantes citações, especialmente, de filósofos e literatos. Perguntei a mim mesma: o que este belo e bom livro tem a me dizer right now? Abri, assim, ao acaso, na página 226, capítulo III.8 sobre “Ética pessoal: vícios, virtudes, valores”, intitulado, Vanitas Vanitatum, et Omnia Vanitas (Vaidade das vaidades, tudo é vaidade). Aliás, devo confessar, sem cerimônia, um título muito apropriado à ocasião, à minha própria pessoa e, conforme a opinião da maioria das mais eminentes figuras deste mundo, muito apropriado a qualquer pessoa; poder-se-ia mesmo dizer: a vaidade é própria da natureza humana.

É claro que ela deve variar em grau ou intensidade de pessoa para pessoa, mas, ao fim e ao cabo, o que eles dizem é que somos todos seres vaidosos (je suis d’accord). E isso, pelo que se vê, ocorre tanto pelo bem quanto pelo mal. Porém, em geral, fala-se da vaidade como algo muito negativo, uma guerra entre egos obesos (sabe-se que o desejo de admiração, reconhecimento e glória, quando levado ao exagero, transforma-se num dos sete pecados capitais). Todos se vangloriam de perceber a vaidade nos outros, mas quase ninguém a percebe em si próprio (o que não é o meu caso: percebo nos outros e em mim própria haha). Embora possamos mesmo constatar a existência de uma verdadeira guerra de vaidades entre as pessoas, num sentido negativo, por outro lado, penso que a vaidade, numa certa medida e, de preferência, na medida certa (quem sabe qual é?) é uma característica positiva da nossa natureza: uma paixão vital!


Ao que tudo indica, Malebranche (La recherche de la verité) concordaria comigo (rs, na verdade, eu é que concordo, em parte, com ele), pois eis o que o eminente padre diz: “Os homens não estão cientes do calor que emana de seu coração, embora ele dê vida e movimento a todas as outras partes do seu corpo. [...] O mesmo se dá com a vaidade: ela é tão natural para o homem que ele não a percebe. E, embora seja isso que dê, por assim dizer, vida e movimento à maioria dos seus pensamentos e desígnios, isso ocorre de um modo que é imperceptível para o sujeito”. Bom, eu diria quase imperceptível, tanto que na sequência Malebranche usa o termo ‘suficientemente’. “[...] Os homens não percebem suficientemente que é a vaidade que dá ímpeto à maioria de suas ações” (p.224). Não sei se na sequência da obra Malebranche depreciará o valor da vaidade (pois a citação se encerra aí), mas, a partir do que foi dito acima, pode-se reconhecer que a vaidade é, no mínimo, um elemento essencial em nossa vida.

La Rochefoucauld (Maxims), por sua vez, ao que parece, também concebe de modo positivo a presença da vaidade em nossa natureza quando afirma: “a virtude não iria longe se a vaidade não lhe fizesse companhia” e que “se alguma vez chegamos a admitir as nossas deficiências, fazemos isso por vaidade” (p.226).

Adam Smith (The theory of moral sentiments) segue mais ou menos a mesma linha quando assinala: “o desejo de obter a estima e a admiração de outras pessoas, quando se dá por meio de qualidades e talentos que são objetos naturais e apropriados da estima e da admiração, é o amor real da verdadeira glória; uma paixão que, se não é a melhor da natureza humana, está certamente entre as melhores. A vaidade é com freqüência nada mais que a tentativa de usurpar prematuramente essa glória antes que seja devida. Embora seu filho, antes dos vinte e cinco anos, não passe de um pretensioso, não desespere, por isso, de que ele se torne, antes de chegar aos quarenta, um homem sábio e valoroso, com real aptidão para todos os talentos e virtudes em relação aos quais não passa, no presente, de um vazio e exibido dissimulador. O grande segredo da educação reside em direcionar a vaidade para os objetos apropriados” (p.232-233).

Hugh Blair (On the proper estimate of human life) pensa que “embora todos os homens estejam de acordo sobre a doutrina geral da vaidade do mundo, tal é a sedução do amor-próprio que, não obstante, quase todos se vangloriam de que o seu próprio caso é uma exceção à regra comum” (p.224).

Na linha dessas reflexões, Nietzsche (Human, all too human), talvez o mais assumido vaidoso de todos os vaidosos, aquele que explica, em Ecce Homo, por que ele é tão sábio, tão inteligente e por que escreve livros tão bons, dá a velha e habitual alfinetada: “Aquele que nega possuir vaidade normalmente a possui de forma tão brutal que instintivamente ele fecha os olhos diante dela para não se ver obrigado a desprezar a si mesmo” (p.226).

Carlos Drummond de Andrade (Passeios da ilha), por seu turno, fala de si próprio do seguinte modo: “por muito que examine a minha vaidade, não lhe vejo o mesmo tom desagradável da dos outros. O que é uma vaidade suplementar” (p.224).

Já Hume abre sua autobiografia “My Own Life” escrevendo: “é difícil para um homem falar por muito tempo de si mesmo sem vaidade, portanto serei breve” (p.233).

Para encerrar, deixo aqui as palavras de Pascal (Pensées) a respeito do assunto:

“A vaidade está tão arraigada no coração do homem que um soldado, o ajudante de um soldado, um cozinheiro, um porteiro, todos vivem a se gabar e a procurar admiradores, e mesmo os filósofos [eu diria que, em geral, principalmente os filósofos] desejam tê-los. E aqueles que escrevem contra a vaidade desejam ter a glória de escrever bem; e aqueles que leem o que estes escreveram desejam a glória de ter lido isso; e eu, que escrevo este ataque à vaidade, talvez alimente também o mesmo anseio de glória: e talvez também os que leem isto” (colchetes meus, p.228).


(Citações extraídas de GIANETTI, Eduardo. O livro das citações: um breviário de ideias replicantes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 [cap. III8]. As páginas referem-se às citações encontradas no livro de Gianetti, e não às encontradas nas obras dos autores citados).

sábado, novembro 07, 2009

Sobre filosofia



Há um ano, precisamente entre os dias 27 e 31 de outubro de 2008, aconteceu na UNIOESTE o XIII Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea, assim como neste ano, entre 26 e 30 de outubro, ocorreu o XIV. Na época do XIII eu era ainda professora de lá, e, por conta disso, além de participar do simpósio como apresentadora de trabalho, logo após, fui convidada por alguns alunos meus do primeiro ano de filosofia, responsáveis também pelo programa "Latrina" da Kula Radioweb Universitária , a dar uma entrevista sobre filosofia.

Bom, por mais que eu estude filosofia nunca acho fácil falar sobre ela (a gente sempre acaba dizendo algumas besteiras), ainda mais assim, numa rádio, onde há uma transmissão pública, em maior escala, da minha voz, de minhas ideias, opiniões e conhecimentos. De qualquer modo, encarei o desafio e lá fui eu. Antes de ir é claro que pedi que eles me dessem ao menos algumas dicas sobre as questões que iriam fazer. Assim, eu teria ao menos uma ideia do terreno em que iria pisar.

As questões eram basicamente as seguintes: o que é filosofia? o que me levou a fazer filosofia? por que escolhi estudar especialmente o filósofo escocês David Hume? qual a importância do simpósio para a universidade, para os alunos e demais participantes? e por que a discussão filosófica é importante nos simpósios, congressos, encontros, universidades e escolas?

Pensei um pouco sobre elas e achei que uma certa ordem me ajudaria a seguir um raciocínio X. Combinamos, então, a ordem das perguntas, mas na hora H a entrevistadora, no calor de um certo e natural nervosismo, inverteu a ordem. E é claro que isso já bagunçou um pouco o meu coreto, mas não o suficiente para eu perder totalmente o rebolado. Achei até que foi bom, assim a entrevista se deu de modo mais espontâneo.

Minha idea era transcrevê-la aqui, mas como estou quase sempre correndo atrás do tempo para que ele não me engula, e a entrevista tem 21' e 10", resolvi, já que a Rádio é Web e está disponível na internet, passar o link a quem possa interessar. Adianto que ali, quase como sempre, deixei de dizer algumas coisas que deveria ter dito, deixei de precisar pontos importantes; e disse coisas também que, talvez, não devesse, ou ao menos não disse do modo como gostaria de ter dito, o que acho perfeitamente normal numa situação como essa, em que por mais tranquilo que alguém possa ficar, uma certa taquirritmia sempre ocorre, o sangue esquenta, o pensamento escapa, as palavras faltam, a língua enrola, enfim... rola um certo descompasso entre o que pensamos, dizemos e gostaríamos de ter dito.

Quanto ao nome do programa, Latrina, não me perguntem por que ele tem esse nome tão sui generis, pois eu mesma ainda não entendi. Aliás, na verdade, eles não me explicaram naquele dia, estávamos com o tempo contado, e, depois, acabei calando a pergunta. Várias vezes pensei em perguntar, mas sempre acontecia alguma coisa que fazia com que eu deixasse pra lá. Agora, ao ouvir novamente a entrevista, fiquei com vontade de saber. Vou perguntar e depois eu conto, tá?

Eis o link: é só acessar e fazer o download!


quarta-feira, outubro 14, 2009

Hume and Burke na UFMG



Grupo Hume Convida

Dario Perinetti

(Université du Québec à Montréal)

Local: Sala 4094 – Fafich/UFMG

Data: 21 e 22 de Outubro - Horário: 9:30

Com as palestras

Dia 21: Hume’s sceptical solutions to sceptical problems


Dia 22: Hume and Burke on aesthetic judgment

(As palestras serão realizadas em Espanhol e Inglês)

Promoção: Grupo Hume UFMG/CNPQ


Apoio: Programa de Pós Graduação em Filosofia

Departamento de Filosofia

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas FAFICH/UFMG

sexta-feira, outubro 09, 2009

Observações memoráveis



Gente! O Rio de Janeiro continua lindo... e isso é incrível, pois é uma terra de muitos contrastes (talvez por isso ele seja lindo, mas não só por isso). Ele é lindo, embora, logo na chegada, tenhamos que passar por um extenso caminho poluído com muito lixo e odores fétidos. E isso é lamentável, não dá pra deixar de perceber e, num certo sentido, sentir-se indignado. Vale perguntar: cadê o responsável, melhor, os responsáveis por esse desleixo com o lixo?

Mas eis que senão quando (?)... aos poucos, começamos a adentrar nas maravilhas dessa cidade que não é à toa que seja conhecida como “a” cidade maravilhosa, cheia de encantos mil. As maravilhas vêm primeiro à distância, por meio do porte das rochas que se impõem, lá de longe, aos nossos olhos. Depois, aquela natureza abundante e desbundante, que brota desavergonhada e imponentemente no meio dos espaços transitados, habitados e desabitados. Um verdadeiro espanto!

Podemos observar de tudo um pouco e, em alguns casos, de tudo muito. Muita gente bonita, aliás, linda, e muita gente feia também, aliás... (desculpem-me, mas não acredito que tenha alguém nesse mundo que não enxergue que existe uma diferença entre o belo e o feio, a despeito das diferenças nas apreciações que os seres humanos fazem).

Mas o Rio de Janeiro continua lindo. Do lixo chegamos ao luxo, da velharia das construções quatrocentonas com suas paredes e pisos revestidos de mármores e granitos à contemporaneidade iluminada e plastificada em meio a um trânsito caótico e colorido. Os sotaques arraxxxxxxtados, as figuras mais bizarras, as cores, o brega, o chic, o sofisticado, o tosco, o glamour e a simplicidade: quanta diversidade! As rochas são magníficas, de tirar o fôlego. A vegetação nem se fala, impossível não pasmar com ela. A lagoa, o mar, ah... o mar, nem é preciso dizer... "no mar estava escrita uma cidade". É preciso lê-la, e vivê-la.

E pra completar, além de todas as maravilhas que o Rio oferece, tive o prazer de sentar-me ao lado da estátua “o pensador de Copacabana”, do poeta Carlos Drummond de Andrade, e ficar ali, na mesma pose que ele, a pensar e observar tanta vida. Confesso que por pouco não enlouqueci e bati um papo com ele rsrs. 


Carlos Drummond de Andrade, " No mar estava escrita uma cidade."