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domingo, abril 21, 2019

No meio de mim




Ygor Raduy
new painting over 
Caravaggio´s Flagellation of Christ


..............


Comunhão


A carnal, não a outra, a eucarística, também chamada canibalística, já que se trata de beber o sangue e comer a carne de alguém que morreu há 2000 anos - isso os canibais nunca conseguiram. Sim, a comunhão. Não a de bens, mas a carnal. Supondo que se saiba o que a palavra “carne” significa. Mas não é necessário saber. É apenas preciso tentar chegar sempre um pouco mais perto, mais, um pouco mais. Quando se vê, já estou em ti, já estás em mim. Terminantemente sagrado. “Que eu esteja convosco.” - “Tu estás no meio de mim.”


[Ygor Raduy | in: Pequeno Manual de Coisas Absolutamente (Ir)Relevantes | arquivo pessoal]



segunda-feira, março 25, 2019

Poder da Palavra





Uma palavra
basta
para acordar os
demônios
que se hospedam
no poema.

Uma palavra
basta
para estancar
as veias desatadas
do poema.

Uma palavra
basta
para ferir de morte o poema.



.............................................


Francisco Carvalho | in: O Silêncio é Uma Figura Geométrica | 2002.

quarta-feira, fevereiro 27, 2019

Poesia e prosa



                          
Quem ri quando goza
é poesia
até quando é prosa



....................
(Alice Ruiz)



terça-feira, janeiro 29, 2019

Void





A tristeza irreparável
Daquele que sabe que nada serve nem vale,
Que o esforço é um absurdo desgaste,
Que a vida é um espaço vazio,
Porque a desilusão vem sempre através da ilusão
E parece que a Morte é o sentido da Vida...
É isto, mas não é só isto, que tu vês no meus rosto
E faz com que olhes para mim, de vez em quando, disfarçadamente...

Fernando Pessoa | in: Poemas de Álvaro de Campos | Editora Saraiva de Bolso | 2012.


terça-feira, janeiro 15, 2019

Déjà vu


Tortura e Glória

"Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos. Veio a ter um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de algum livrinho, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima com paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como data natalícia e saudade.

[e agora começa a melhor parte]

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa.

Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho.



Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E, completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria. Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, nadava devagar num mar suave. No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me
mandou entrar.

Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes eram a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Bom, mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do dia seguinte ia se repetir com o coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer está precisando que eu sofra.

Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você não veio, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se formando sob os meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não entender. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler! E o pior para ela não era essa descoberta. Devia ser a descoberta da filha que tinha. Com certo horror nos espiava: a potência de perversidade de sua filha desconhecida, e a menina em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar agora mesmo As reinações de Narizinho. E para mim disse tudo o que eu jamais poderia aspirar ouvir: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.” Entendem? Valia mais do que me dar o livro: pelo tempo que eu quisesse é tudo o que uma pessoa, pequena ou grande, pode querer.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração estarrecido, pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei mais comendo pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante."

Clarice Lispector
2 de setembro de 1967
in: A descoberta do mundo
.............................................



Há pouco, quando li essa crônica, me vi criança, mas também em diferentes idades e contextos análogos. Tive a vívida sensação de um dejà vu, ao chegar nesse desfecho incrível, cuja última frase nos remete a uma mulher (ainda que menina), in love, numa espécie de affair, com seu amante (o livro), concebido como o mais amado e amoroso objeto de desejo. Oui, déjà vu!

segunda-feira, dezembro 31, 2018

Disappearing Act


apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme

.....

[ Leminski | in: não fosse isso e era menos. não fosse tanto e era quase |1981 ]



[ Disappearing Act | Photography by Brooke DiDonato ]


domingo, dezembro 23, 2018

Carta a uma desconhecida



photography by Kasia Derwinska


Quando passarem os anos, quando passarem
os anos e o ar tenha cavado um fosso
entre tua alma e a minha; quando passarem os anos
e eu só seja um homem que amou,
um ser que se deteve um instante diante de teus lábios,
um pobre homem cansado de andar pelos jardins,
onde estarás tu? Onde
estarás, ó nascida de meus beijos!


Nicanor Parra



(PARRA, Nicanor. Nicanor Parra & Vinicius de Moraes. Tradução e introdução de Carlos Nejar e Maximino Fernández. Rio de Janeiro: ABL, Academia Chilena de la Lengua, 2009,  p.65)

sexta-feira, dezembro 14, 2018

Sonetilho de verão


Traído pelas palavras.
O mundo não tem conserto.
Meu coração se agonia.
Minha alma se escalavra.
Meu corpo não liga não.
A ideia resiste ao verso,
o verso recusa a rima,
a rima afronta a razão
e a razão desatina.

Desejo manda lembranças.
O poema não deu certo.
A vida não deu em nada.
Não há deus. Não há esperança.
Amanhã deve dar praia.


[ Paulo Henriques Britto | Sonetilho de Verão | Trovar Claro | São Paulo | Companhia das Letras | 1997 ]








sexta-feira, novembro 30, 2018

Melancolia


Ultimamente – não sei por quê – perdi toda a alegria, desprezei todo o hábito dos exercícios, e, realmente, tudo pesa tanto na minha disposição que este grande cenário, a terra, me parece agora um promontório estéril; este magnífico dossel, o ar, vede, este belo e flutuante firmamento, este teto majestoso, ornado de ouro e flama – não me parece mais que uma repulsiva e pestilenta congregação de vapores. Que obra de arte é o homem! Como é nobre na razão! Como é infinito em faculdades! Na forma e no movimento, como é expressivo e admirável! Na ação, é como um anjo! Em inteligência, é como um Deus! A beleza do mundo! O paradigma dos animais! E, no entanto, para mim, o que é esta quintessência do pó?”


[ Hamlet II ] 




Weeping Nude | painting by Edvard Munch | 1913


quarta-feira, novembro 21, 2018

Nonsense


acordei bemol
tudo estava sustenido
sol fazia
só não fazia sentido


(leminski | in: caprichos & relaxos | 1983)


(digital photography by anka zhuravleva)


quinta-feira, novembro 15, 2018

La mort de l'amour



"O amor nunca morre de morte natural. Ele morre porque nós não sabemos como renovar a sua fonte. Morre de cegueira e dos erros e das traições. Morre de doença e das feridas; morre de exaustão, das devastações, da falta de brilho." 



Anaïs Nin | In: 'Henry & June' | L&PM Pocket | Porto Alegre | 2007



Teseo Screpolato by Igor Mitoraj


domingo, novembro 04, 2018

O melhor de mim



Ofereci-te tanta coisa. A mais preciosa, aquela que há muitos anos não dava a ninguém - a mais preciosa, repito, foi a minha absoluta disponibilidade para estar contigo, ouvir-te, ou estar em silêncio perto de ti.


[Al Berto | 1948-1997 | Diários | 2012]


by Rafal Olbinski
La Traviata - Verdi

quarta-feira, setembro 05, 2018

Na faina turva dos dias


Permaneço no escuro como um cego
Porque meus olhos não te encontram mais
A faina turva dos dias para mim
não é mais que uma cortina que te dissimula.

Olho-a, esperando que se erga
esta cortina atrás da qual há minha vida
a substância e a própria lei da minha vida
e, apesar disso, minha morte.

Tu me abraçavas, não por desrazão
mas como a mão do oleiro contra o barro
A mão que tem poder de criação.
Ela sonhava de algum modo modelar –

depois se cansou,
se afrouxou
deixou-me cair e me quebrei.

Eras para mim a mais maternal das mulheres,
eras um amigo como são os homens,
eras, a te olhar, mulher realmente,
mas também, muitas vezes, criança.

Eras o que conheci de mais terno
e mais duro com que tenho lutado.

Eras a altura que me abençoou –
te fizeste abismo e naufraguei.

[Rainer Maria Rilke a Lou Andreas-Salomé, In: Correspondência Amorosa]

photo by Kasia Derwinska

segunda-feira, agosto 13, 2018

A alma de volta


VII

Que te devolvam a alma
Homem do nosso tempo.
Pede isso a Deus
Ou às coisas que acreditas
À terra, às águas, à noite
Desmedida,
Uiva se quiseres,
Ao teu próprio ventre
Se é ele quem comanda
A tua vida, não importa,
Pede à mulher
Àquela que foi noiva
À que se fez amiga,
Abre a tua boca, ulula
Pede à chuva
Ruge
Como se tivesses no peito
Uma enorme ferida
Escancara a tua boca
Regouga: A ALMA. A ALMA DE VOLTA.




Hilda Hilst — 'Alma
Poemas aos homens do nosso tempo.
In júbilo, memória, noviciado da paixão .
homenagem a Pavel Kohout


domingo, agosto 05, 2018

Diletantes, diletantes!





Os escritos filosóficos considerados menores de Arthur Schopenhauer, Parerga e Paralipomena [1851] (traduzido por Restos e Acessórios), traz um título bastante estranho, mas que se esclarece em seu subtítulo: "Pensamentos isolados, todavia ordenados sistematicamente, sobre diversos assuntos".

Pode-se dizer que essa obra é uma espécie de coletânea de pequenos ensaios filosóficos sobre temas variados. Nela, Schopenhauer discute questões fundamentais que já foram desenvolvidas em algumas de suas obras anteriores como, por exemplo, em O mundo como vontade e representação [1818] ou em Sobre o fundamento da moral [1840], mas discute também assuntos mais prosaicos como, por exemplo, em Sobre as mulheres, a natureza, o valor e a aptidão das mulheres - um escrito polêmico sobre o qual já  me meti a comentar aqui - o que, por sua vez, causou a fúria de grande parte do meu parco exército de leitores anônimos (cujos comentários ofensivos não foram publicados), e alguns pequenos debates interessantes.

Contudo, não vim aqui para falar sobre as mulheres, mas sim para apresentar uma curiosa passagem de A arte de escrever: uma pequena coletânea de cinco escritos extraídos dos Parerga e Paralipomena (na tradução de Pedro Süssekind) que a LP&M, em sua primeira edição, publicou em 2005. Em tais ensaios, Schopenhauer tece considerações a respeito de diversos assuntos relacionados à literatura. 

Ele critica de modo sempre muito contundente e, às vezes, até mesmo muito engraçado, mal-humorado (as usual), e, ainda, de modo injusto, a literatura de consumo, buscando identificar a decadência da literatura por intermédio de uma crítica aos escritores eruditos de sua época, sobretudo da Alemanha. Conforme Süssekind assinala, nestes curtos ensaios ele também defende "um outro tipo de produção literária que possa ser contraposto ao então vigente" (p.9). Mas o ponto aqui não é esse.





 Vamos à passagem:

"Diletantes, diletantes! - Assim os que exercem uma ciência ou uma arte por amor a ela, por alegria, per il loro diletto [pelo seu deleite], são chamados com desprezo por aqueles que se consagram a tais coisas com vistas ao que ganham, porque seu objeto dileto é o dinheiro que têm a receber. Esse desdém se baseia na sua convicção desprezível de que ninguém se dedicaria seriamente a um assunto se não fosse impelido pela necessidade, pela fome ou por uma avidez semelhante. O público possui o mesmo espírito e, por conseguinte, a mesma opinião: daí provém seu respeito habitual pelas 'pessoas da área' e sua desconfiança em relação aos diletantes. Na verdade, para o diletante, ao contrário, o assunto é o fim, e para o homem da área como tal, apenas um meio. No entanto, só se dedicará a um assunto com toda a seriedade alguém que esteja envolvido de modo imediato e que se ocupe dele com amor, con amore. É sempre de tais pessoas, e não dos assalariados, que vêm as grandes descobertas" (Schopenhauer | Sobre a erudição e os eruditos | § 6 | p.23).

Well, nada impede alguém da área de se ocupar de seu assunto com amor, e de um assalariado fazer grandes descobertas. Quer dizer, "alguém da área" e "ocupar-se de seu assunto com amor" não são coisas necessariamente excludentes, tampouco um "assalariado" fazer "grandes descobertas". Mas sabemos que Schopenhauer possui uma verve acalorada, considerada muitas vezes no mínimo politicamente incorreta, e o que ele quer mesmo dizer é que "para a imensa maioria dos eruditos, sua ciência é um meio e não um fim, [...] e que a verdadeira excelência só pode ser alcançada, em obras de todos os gêneros, quando elas forem produzidas em função de si mesmas e não como meios para fins ulteriores" (§ 4, p.21). 

No entanto, os fatos parecem contradizer essa teoria se pensarmos, por exemplo, nas condições sob as quais, de acordo com o que a história nos conta, muitas vezes, Balzac e Dostoiévski produziram suas obras, ou seja, para pagarem suas dívidas.  Talvez se Schopenhauer tivesse incluído um 'apenas', a frase acima citada teria soado melhor: "a verdadeira excelência só pode ser alcançada, em obras de todos os gêneros, quando elas forem produzidas em função de si mesmas e não [apenas] como meios para fins ulteriores". Pois nada impede que os artistas, literatos, escritores e filósofos se sustentem ou ganhem dinheiro com a arte e/ou a ciência que os envolvem con amore, ou com as quais eles se envolvem per amore. 


domingo, julho 29, 2018

O dia do juízo


"Aviso: a não ser que prefirais o inferno ao céu (pois há gosto para tudo, e o inferno de muitos - ó preciosa liberdade de escolher – é o céu de inumeráveis), de nenhum modo, e nem por isso, deveis descuidar-vos em vida, tendo presente que o vosso reino, este, aquele, ou aqueloutro, começa no lugar em que tiverdes apoiado os pés. Que até lá, a existência vos pese menos que uma pá de cal. 
Saudações e paz." 

Rosário Fusco | in: Dia do Juízo |  Rio de Janeiro | José Olympio | 1961 | p.250


Juízo Final | 1570 | by Marten de Vos



Encontrei a citação acima, por acaso, quando navegava à procura de informações sobre este autor tão interessante e, ao mesmo tempo, tão pouco conhecido. Fusco é considerado um escritor maldito que traz em sua escrita preocupações já discutidas por tantos outros escritores e filósofos: as relações entre o homem e Deus, o bem e o mal, o real e o ilusório, a dor e o sofrimento, o sentimento de culpa, o instinto e a moralidade dos costumes, os infernos psíquicos and so on

Porém, eu ainda nem li o romance, última obra dele, apesar de ter ficado curiosíssima, em virtude da mordacidade da citada passagem e de todas as outras coisas que li a respeito dele e de suas obras. Mas, registre-se, eu nem acredito nesse tal dia do juízo final, embora o tema, como crença muito difundida entre as diversas religiões, seja filosoficamente instigante. That's all!


***

[Ops, mais uma coisa: sobre esse tema, Juízo Final, tratei numa entrevista informal "sobre o fim do mundo", em 2006, tempo em que ideia levava acento e ainda se usava trema. Acesso em http://mariliacortes.blogspot.com/search/label/Ju%C3%ADzo%20Final  São IX questões dispostas em ordem inversa, isto é, deve-se rolar a página até o fim e iniciar a leitura debaixo para cima. Fiz uma revisão, mudei algumas imagens, mas não alterei em nada as minhas respostas ].


quarta-feira, julho 04, 2018

Existência


Não sei se és real. Há qualquer coisa em ti que depõe contra a tua existência. Talvez sejas mesmo irreal e só aos meus olhos sejas aquilo que tu és. De qualquer forma, só com os meus olhos posso ver-te – e nada garante que eles não estejam enganados. Quem sabe sejas tu um delírio meu, ou sejas onírico, ou mesmo alucinatório. Como posso eu provar a tua existência? Eu poderia tocar-te, mas quem garante que o meu tato seja mais confiável que a minha visão? Eu poderia com gosto provar da tua saliva, do teu suor ou do teu sangue, mas tampouco confio em meu paladar. Eu poderia ainda farejar-te, como fazem os cães, mas nada leva a crer que o meu olfato tenha mais acesso a ti do que os outros sentidos. Porém, quando escuto a tua voz, sei que alguma parte de ti deve existir, pois que tua voz me fala de arcaicas tempestades, tragédias há muito sepultadas, festejos de um deus estrangeiro e bárbaro, algo em tua voz me traz de volta à Hélade, a Atenas do século V a.C., estando tu misturado à plateia no teatro de Dioniso, quando Ésquilo encenava a Oresteia, ou quando Eurípedes a Fedra ou quando Sófocles o Oedipous Rex.

[ Ygor Raduy | in: Pequeno Manual de Coisas Absolutamente (In)Úteis | p.4 ]



male figure in red
by Ygor Raduy

sexta-feira, maio 04, 2018

Voyages V


Meticulosos, após a meia-noite em clara geada,
Infrangíveis e solitários, suaves como moldados
Em conjunto numa só impiedosa lâmina branca –
Os estuários da baía pontilham os severos limites do céu.

– Como que friáveis ou claros demais para tocar!
As cordas de nosso sono tão rapidamente dispostas,
Já pendem, pontas rasgadas de estrelas relembradas.
Um só sorriso gelado sem rastros... Que palavras
Podem asfixiar esse surdo luar? Pois nós

Somos tragados. Agora nenhum grito, nenhuma espada
Pode comprimir ou desviar essa cunha das marés,
Retardar a tirania do luar, luar amado
E transformado... “Não existe

Nada assim no mundo”, dizes tu,
Sabendo que não posso tocar tua mão e olhar
Também naquela fresta ímpia do céu
Onde nada gira a não ser a areia faiscante.

– “E nunca entender plenamente!” Não,
Na frota de teus cabelos brilhantes nunca sonhei
Tal navio sem bandeira, uma pirataria dessas.

Mas agora
Aproxima tua cabeça, sozinha, alta em demasia.
Teus olhos já no ângulo da espuma que se afasta;
Tua respiração, selada por fantasmas que não conheço:
Aproxima tua cabeça e dorme a longa viagem para casa.


[ Hart Crane (1889-1932) | tradução de Denise Bottman ]


Hart Crane by Walker Evans
....................

Às vezes o facebook nos traz coisas muito boas. Não conhecia esse poema de Crane. Segundo a própria tradutora, de quem "roubei" o belo poema, Crane era um rapaz torturadíssimo que se matou aos trinta e dois anos. Seu amante mais amado era um marinheiro dinamarquês, Emil Opffer. Daí as referências ao mar, à despedida e à viagem (de Emil) de volta para casa.

Dei uma googlada e soube também que ele se suicidou saltando do navio que o levava a New York. 

Vinicius de Moraes dedica a ele um poema intitulado 'O poeta Hart Crane suicida-se no mar', acesso aqui a quem interessar possa.


quinta-feira, janeiro 25, 2018

Idealidade


Outro dia ouvi uma história ─ que poderia ser perfeitamente ilustrada por essa tela ─ demasiado representativa do poder que a poesia (ou mesmo a literatura em geral) tem de nos transportar para o mundo ideal. Mas para que a representação viesse ao encontro dessa história eu modificaria ligeiramente a interpretação apresentada aqui, a despeito das intenções do artista. Anyway, é uma belíssima tela! Enjoy !

The Sonnet | by George Washington Thomas Lambert | 1873-1930

terça-feira, dezembro 26, 2017

Resting


by Santiago Carbonell


"Deitava o corpo como em uma pintura clássica, de modo a acentuar os tremendos altos e baixos das curvas. Deitava-se de lado com a cabeça repousando no braço, a carne de tonalidades acobreadas distendendo-se de vez em quando, como se padecendo sob a dilatação erótica de carícias feitas por uma mão invisível."

[ Anaïs Nin | Delta deVênus | Tradução de Lúcia Brito | Porto Alegre | L&PM Pocket | p.192 ]