Numa noite sem nome
a severa senhora de olhos escuros
toca-nos a face
com seus dedos de pelica
e vai arrancando, uma a uma,
todas as máscaras
que vestimos e nessa hora sem hora
até o mais valente dos valentes
sente um tremor,
ainda que leve,
na mão que empunha o revólver
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[ Ademir Assunção | (Pinduca para os amigos e amigas) | RISCA FACA | Poesia | São Paulo | Selo Demônio Negro | 2021 | p. 31 ].
Trato
fiz um trato com o vento,
vamos dar um tempo, um
do outro, escapar deste
cenário viciado, e vagar
sem rumo pelas montanhas,
pradarias e pastagens,
sem deixar rastros nem
postagens, antes que eu
esteja morto, condenado
que sou, desde o nascimento
você não, você sempre estará
por aqui, mudando de cara,
em movimento, ora rugindo
feroz, destelhando casas,
arrastando vacas, ora brisa
suave, acariciando os cabelos
da menina, que caminha pela
praia, quase pronta pra parir,
outra vida, neste redumunho
do mundo em desalinho
fiz um trato com o vento,
você vai por lá, eu por ali,
por deus, por buda, por allah,
pelo nome que tanto faz,
quem sabe a gente volte
a se encontrar, naquela
esquina inesperada, onde
os fantasmas procuram a
paz, e os corvos crocitam
como loucos, antes que eu
esteja morto e você bem
posto, no alto, com sua
farda puída, guardando
as muralhas precárias dessa vida
fiz um trato com o vento
e tudo o que vi foi um aceno,
em silêncio, breve tremular
nas folhas finas do feno
[pp. 15-16]
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