quarta-feira, junho 29, 2016

Do abismo do desconsolo

Torturado, Amadeus se perguntava: - Como ela podia ter brincado com ele daquele jeito? Ter-lhe escrito que o coração dela era dele? Ter-lhe colocado no céu ao despertar-lhe as mais doces esperanças para, depois, lançá-lo ao abismo sem fundo do desconsolo? Não! Amadeus não podia compreender por que ela havia virado as costas para a paz, a serenidade, a sabedoria e o contentamento espiritual que ele lhe proporcionara por tantos anos. Não podia compreender por que ela jogava ao mar a vela que a levava longe, colocando-se, assim, à mercê das tempestades hedonistas que paralisariam sua alma aprisionada às demandas brutas de seu belo corpo. Era como se ela tivesse virado o rosto para seu próprio rosto. Sem o saber, iludida, afastando-se dele, afastava-se de si mesma, enterrando, assim, a possibilidade de sua alma receber o alimento que a mantinha governante de sua própria vida ─ a mais bela das vidas, o mais refrescante dos sopros. 

Dilacerado, Amadeus desejou que ela estivesse morta. Mas ela estava viva. Então, ele a matou em seu peito.



5 comentários:

Amor de la foto disse...

Belle composition... touché.

Marília Côrtes disse...

touché aussi...

Anônimo disse...

Formato adorável, um golpe de estilete, apropriado à falta de tempo da maior parte dos leitores. Você é muito engenhosa, e o texto é requintado, mesmo na exiguidade do tamanho. Parabéns, Marília Côrtes.

Marília Côrtes disse...

Obrigada, Sidney Giovenazzi, um elogio vindo de você (que considero um baita escritor), muito me alegra.
(só faltou você assinar rs, bjos)

Marília Côrtes disse...

Ah... e até encabula-me ;)