Obrigada pelo comentário em Felicidade e Ilusão . Você, como sempre, toca em pontos interessantes e fomentadores de discussões (isso dá um trabalho... rs). Não sei bem, mas me parece que nossas divergências em relação à ilusão se resumem a pontos de vista e associações de idéias ao termo.
Diferentemente do seu ponto de vista, tentei relacionar a felicidade e a ilusão de um ponto de vista objetivo, detendo-me mais na letra do que no espírito do que a Marquesa diz. Daí que eu não teria propriamente objeções a fazer, embora eu não possa deixar de me questionar sobre alguns pontos.
Fiquei a pensar nas associações que você fez. Primeiro associou o termo ilusão à ilusão de ótica, depois à crença, depois, quando falou do amor, à esperança e à paixão, e depois ainda, ao auto-engano (que nesse caso podemos apenas chamar de um “mecanismo inconsciente constitutivo de nossa natureza”). Curioso.
Você pergunta: “Se afirmo que a noite faz um silencio absoluto, estou sendo conduzido pelos meus imperfeitos poderes auditivos, haja vista não poder captar muitos sons que escapam à limitada capacidade que tenho de escutar. Mas será um erro afirmar, do meu ponto de vista, que a noite está absolutamente silenciosa? Acho que não”.
Bom, pensei também no sol, por exemplo, que é visto por nós bem pequeno em relação a seu tamanho real. Objetivamente ele é enorme, por razões já bastante conhecidas. Será que a questão então se resumiria em como eu vejo o mundo e como ele é de fato? Vou dar um exemplo que provavelmente não diríamos que é um caso de ilusão de ótica, mas penso que pode ser chamado de ilusão, no sentido em que você empregou o termo, ou visão equivocada, no sentido em que eu o tomei.
Por muitos anos mantivemos a visão, ilusão ou crença de que a terra era o centro do universo e que o sol girava em torno dela, até que Copérnico nos fez saber que o centro era o sol e que é a terra que gira em torno dele. Intuitivamente percebemos a terra parada, mas (contra - intuitivamente) agora sabemos que a terra gira também em seu próprio eixo. Você não diria que ao acreditarmos naquilo incorríamos em erro, ou que tínhamos uma visão equivocada desses movimentos? E que depois de Copérnico corrigimos nossa visão? Ao menos a meu ver, não vejo aqui como dissociar ilusão e erro.
Depois você diz: “veja o caso de Deus. Afirmar que Deus existe é um erro ou uma ilusão? Parece-me apenas uma ilusão muito mais do que um erro. [...] Como é insolúvel a questão sobre se Deus existe ou não (admito isso sem discutir), afirmar que ele existe não poderá ser dito um erro (pode ser que ele exista). Parece-me muito mais uma ilusão.” Ok, isso me fez perguntar: qual a diferença, então, entre crença e ilusão? A pergunta vale também para o ponto que você coloca sobre a liberdade.
Em relação ao amor você afirma “Ora, nenhum ser destituído de ilusão poderá pensar que um outro ser possa lhe trazer felicidade”. Mas por que não? Porque ele perceberá que uma felicidade duradoura, em sentido pleno, não deve, por questão de segurança, depender de um outro ser. Mas talvez um ser destituído de ilusão possa perceber que embora a sua felicidade não deva depender de um outro ser, esse outro ser pode contribuir em muito para sua felicidade, caso contrário teríamos de dizer ou que somos capazes de ser feliz independentemente de qualquer coisa, ou que só podemos ser felizes com alguém se nos mantivermos sempre iludidos, digamos, fora da realidade - e aí eu não me simpatizo mesmo com a idéia. Aliás, a associação do termo ilusão que me é mais simpática é a que relaciona ilusão à arte, ao encantamento proporcionado pela criação e contemplação estéticas. Agora, interessante que esse encantamento não deixa de ser algo que poderia ser também chamado paixão.
Você pede para eu perceber que você fala em "momentos", “pois há algo na ilusão que diz respeito ao desligamento dos botões do tempo. Não somos nós que apertamos o botão para que o tempo deixe de existir. Simplesmente o tempo deixa de existir e então ocorre o mergulho. E cremos, talvez com nossas mais poderosas forças, naquilo que a ‘suspensão do tempo’ nos oferece. E não será completamente ilusório pensar que nossa existência goze de algo fora do tempo? Naturalmente não teria sentido eu pensar: ‘sou feliz e sou iludido’. O que ocorre parece ser algo como: ‘sou feliz’. E depois: ‘eu era feliz (e iludido)’.” Diante disso, fiquei a pensar: será que sempre que estou feliz é porque estou iludida? Não pode haver felicidade sem ilusão? O que é felicidade real e o que é felicidade ilusória? Podemos, com propriedade, admitir como felicidade (em sentido pleno) uma felicidade ilusória? Podemos mesmo ser felizes ou podemos apenas ter a ilusão de que somos felizes?
Bom, acho que quando li pela primeira vez o Discours da Marquesa estava sob a influência da eudaimonia. Percebi que o tratamento que dei para a idéia de felicidade envolvia algo de mais pleno e duradouro, uma concepção, digamos, mais próxima da aristotélica, aquela que se diz amealhada “numa vida completa”, uma vez que, “um dia, ou um breve espaço de tempo [um momento ou alguns momentos], não faz um homem feliz e venturoso”. Agora, como você bem sabe: penso, logo, mudo de idéia... haha.
Quanto à sua última observação, não entendi qual a nossa divergência: não disse em momento algum que existe um número maior de mulheres que superam os homens, mas que podemos constatar numa proporção sem precedentes apenas, que muitas mulheres superam em muito muitos homens. E não pensei só na academia, mas em atividades variadas (como a política, por exemplo, ou qualquer outra atividade antes delegada e permitida apenas aos homens). O que me parece notável é a progressão aritmética deste quadro que, acredito, se deu com a liberdade que elas conquistaram, dentre outros fatores sócio-histórico-culturais.
Você pensa que eu sou muito otimista sobre as diferenças entre homens e mulheres. É verdade, sou mesmo, e penso que você tem uma idéia um tanto preconceituosa em relação às múltiplas capacidades das mulheres, se esquece que hoje, a exceção de atividades que exigem uma força máscula (ou que são mais apropriadas mesmo aos homens - não me peça para dar exemplos rs), elas revelam poder exercer qualquer outra atividade tão bem ou melhor do que muitos homens. Concordo que há muitas diferenças biológicas (ou de natureza) entre mulheres e homens, diferenças que contribuíram para que o quadro fosse restritíssimo para elas exercerem muitas atividades em tempos mais remotos, mas que muitas dessas restrições foram conseqüências do que fizeram (e fizemos) com a natureza das mulheres (nada a ver com aquele blá-blá-blá de vítimas).
Filosofar, por exemplo, depende não só de capacidade e inclinação naturais, mas de tempo, ócio, reflexão, liberdade e acesso. Ora, se às mulheres cabia, em parte por natureza, e em parte por imposição do contexto em que viviam, unicamente os cuidados consigo própria, a casa, filhos e marido, que tempo, acesso e liberdade restavam a elas para se dedicarem à filosofia, ou mesmo à política, à engenharia ou à medicina? Nada disso era acessível a elas. Muito poucas tinham acesso aos estudos. E isso mudou, alterando completamente o quadro estatístico. Acredito que há algo que podemos fazer além de nos dobrarmos a nossas determinações e características genéticas. E as mulheres estão saindo do armário, como diz o Milk em relação aos gays. Talvez, num futuro longínquo, tais mudanças possam ser ditas frutos de uma evolução da espécie (ou do gênero mulher), uma seleção natural dos mais fortes e aptos. E acho que não precisamos aqui falar em números.
Preciso dar um fim nisso. Hora de trabalhar!
Obrigada por vascolejar minhas idéias. Beijo e me liga ...
5 comentários:
Querida Marília.
(a) Você acha curiosas as associações que fiz do termo ilusão. Acredito poder afirmar que toda ilusão é uma crença, embora nem toda crença seja uma ilusão. Sendo assim, a ilusão de ótica, a esperança, o auto-engano são espécies de crenças. No caso da esperança, concedo que se possa pensá-la sem ilusão. Mas não me parece razoável negar que o conceito de esperança possa andar de mãos dadas com a ilusão. Acredito que a esperança pode conter elementos ilusórios e era apenas isso que queria chamar a atenção quando me referi à senhora esperança. A esperança pode nos apresentar miragens, as quais hipnotizam nosso olhar. E isso está presente no amor. Acho que não digo nada de extraordinário aqui. Com respeito ao auto-engano, julgo desnecessário dizer que ele é uma forma de ilusão.
(b) É claro que é perfeitamente cabível associar ilusão e erro. Mas também é possível separar esses conceitos. Talvez tenhamos de admitir que todo erro envolve ilusão, mas o ponto é que não necessariamente toda ilusão envolve erro. Um fatalista não pode agir senão sob a idéia de que é um sujeito livre. Para o fatalista, os elementos ilusórios de sua existência representam uma prisão inescapável. Alias, se ele resolvesse, procurando dar ares de sábio coerente e heróico, ficar prostrado, já que tudo é fatalismo, ele teria escolhido ficar prostrado e, supostamente, estaria acreditando que dependeu dele assumir tal atitude. Nesse caso extremo, em que na verdade me inclino a pensar que a conseqüência que aponto não seja necessária, isto é, o fatalista poderia dar de ombros e dizer que não escolheu ficar parado, mas, como dizia, nesse caso extremo do fatalista agente encontramos uma ilusão que não envolve erro, pois ele não acredita que, ao decidir-se pelo caminho B em detrimento de A, ele tenha refutado o fatalismo. Todavia, ele, ao decidir-se pelo caminho B, decidiu pensando que poderia ter tomado o caminho A. Ora, isso significa que as garras da ilusão da liberdade (para ele) o alcançaram e o deixaram dela refém. Hume, o seu querido Hume, diz algo parecido sobre isso em IEH 8, numa nota de rodapé.
(c) Há que se ponderar a necessária diferença entre elementos ilusórios numa felicidade real de elementos ilusórios numa felicidade ilusória. Entendo que uma felicidade ilusória é uma não-felicidade. Ora, a cristalização implicada na paixão amorosa, da qual fala Stendhal, não redunda numa felicidade ilusória. Se a felicidade é um sentimento, estar sob a ilusão não a torna menos real. Um prazer ilusório não é menos prazer que um prazer real. A propósito, qual poderia ser a diferença entre esses dois tipos de prazer?
(d) Você se inclina a aproximar Du Châtelet a Aristóteles. Discordo. Acho que a marquesa pensa que a felicidade é algo muito mais próximo a uma passividade da alma do que a uma atividade da alma (Aristóteles). É bem verdade que ela não tem clareza sobre esse ponto. Mas aqui o leitor-intérprete tem de preencher a lacuna.
(e) Sobre os teus três últimos parágrafos, somente tenho a dizer que meu comentário anterior sobre esse assunto é um triste exemplo de alguém que tropeça nas palavras. Considero, pois, irrepreensíveis as tuas observações. Na verdade, você me deu uma surra nesse ponto.
Beijo.
Caro Agui
Acho curiosas e acertadas, pois eu mesma faço todas essas associações, mesmo que às vezes eu não queira, como no caso do amor-paixão. Eu apenas tentei olhar tudo isso de outra perspectiva quando, ao escrever sobre a felicidade e o amor aos estudos, encontrei uma pedra no meio do caminho (nosso admirado Aristóteles) que me fez desviar para essa estrada árida e pedregosa (da perspectiva objetivista).
Não concordo quando você diz que eu “me inclino a aproximar Du Châtelet a Aristóteles”. O que eu disse é que estava sob a influência dele (culpa do Ari... rsrsrs) quando li e resolvi comentar o encontro desses dois ingredientes de felicidade: amor aos estudos e ilusão. A aplicação de um outro ponto de vista não passou de um experimento mental, um teste para ver onde é que eu ia parar. E como você bem mostrou, à exceção de alguns ínfimos detalhes, esse caminho, nesse contexto, levou-me à morte na praia.
Quanto à sua pergunta sobre a diferença entre um prazer ilusório e um prazer real, de fato, parece não haver, ou ao menos, é difícil de perceber. Talvez a única coisa que possa ser dita é que um prazer ilusório é mais frágil e fugidio, portanto, pode (talvez fatalmente) resultar em imenso desprazer, dor e sofrimento (quando a pessoa vier a desiludir-se); e o prazer real (entendido como resultado de uma felicidade real) é mais verdadeiro e consistente, oferecendo então uma felicidade mais segura.
Só pra teimar um pouquinho (gosto de viver perigosamente rsrs), apenas o prazer, como diz Aristóteles, embora possa ser um bem em si mesmo não é suficiente para alcançar o sumo bem, ou seja, a felicidade.
Mas eu concordo que esse não é o caminho da marquesa, tampouco o nosso. Ademais, você me conhece o suficiente para saber que, na vida real, sou mesmo é um poço de subjetividade, com fortes, terríveis e irresistíveis inclinações hedonistas... rsrs.
Beijo e me liga... foi um prazer real discutir com você.
Oi, Marília. Parabéns pelo blog. Sempre o visito, mas esta é a primeira vez que deixo um comentário. Não sei se você já ouviu falar do Prêmio Dardos, é uma espécie de reconhecimento de blogueiro para blogueiro que circula anualmente. Indiquei seu blog para o Prêmio Dardos 2009. Se puder, dê um pulinho no meu blog para ver a indicação.
Grande abraço!
Oi Gilberto. Seja benvindo e obrigada pela indicação (uma surpresa bem legal). Dei já uma espiada lá no seu blog e depois vou ler com mais calma. É que estou em trânsito me preparando para um novo teste seltivo na universidade em que dou aulas. Assim que passar essa fase (isso vai até quarta-feira da semana que vem) voltarei lá para ler tudo mais atentamente.
Um abraço, obrigada e até...
Digo... seletivo rsrsr.
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