Dia desses um aluno me perguntou se eu era obrigada a participar das bancas de monografia ou TCCs que me aguardavam nos próximos dias. Expliquei-lhe que não, que os professores eram convidados (e não intimados) a compô-las, por isso, poderiam aceitar ou não. E conversei sobre a importância de participar de algumas bancas, já que isso faz parte do métier, e o quanto isso poderia ser interessante.
Esclareci, é claro, que não aceitaria, por exemplo, participar de uma banca sobre Hegel, Heidgger, Husserl (pra ficar só nos Hs), porque são autores que não estudo (apenas li por alto). Mas que aceitaria participar de bancas sobre Hobbes, Locke, Tomás de Aquino, Anselmo, Agostinho (sempre levando em conta o tema), enfim, que poderia participar da banca sobre autores que me são mais familiares.
Um autor que já estudei e volta e meia o retomo é Schopenhauer. Ao ler o TCC do Jorge Prado (um TCC nota 10), encontrei ali uma pequena citação que não conhecia, extraída de uma obra que eu também não conhecia. Sorvi aquele pequeno trecho com um prazer indescritível (não só aquele, mas aquele era especial, grávido de beleza e profundidade).
A despeito dos vários significados que a filosofia toma ao longo de sua história, bem como dos modos de se definir o que é filosofia, eis aí uma bela metáfora, uma definição, penso, mais poética do que filosófica (o que em hipótese alguma a desmerece, mas sim a enaltece), do que é filosofia:
"A filosofia é um elevado caminho montanhoso, o qual só se pode acessar seguindo uma vereda escarpada e pedregosa, cheia de pungentes pedregulhos. Essa via de acesso é uma senda solitária, que se torna mais intransitável quanto mais se ascende por ela. E quem a toma não deve abrigar temor algum, mas sim mostrar-se disposto a deixar tudo atrás de si, confiando em traçar seu próprio caminho sobre a fria neve. Ao bordejar o abismo e contemplar esse verde vale que ficou abaixo, experimentará uma poderosa sensação de vertigem. Mas terá de sobrepor-se a ela e sujeitar-se às rochas, ainda que seja com seu próprio sangue. Logo terá o mundo a seus pés, de sorte que seus pântanos e desertos se esfumacem, tornando, assim, qualquer irregularidade uniforme, até que suas dissonâncias deixem de importar. E em meio à semelhante atmosfera, tão pura quanto refrescante, nosso alpinista vê já o sol, ainda que abaixo reine, todavia, a negra noite."
(SCHOPENHAUER, Arthur. Escritos inéditos de juventud: sentencias y aforismos II. Tradução de Roberto R. Aramayo. Valencia: Pre-Textos, 1999, p.27).
[Tela: O viajante sobre um mar de nuvens, 1818 Caspar David Friedrich (Alemanha, 1774-1840) óleo sobre tela, 98 x 74 cm Kunsthalle Hamburgo, Alemanha].
4 comentários:
Olá Marilia, tudo bem?
Começo dizendo que nós alunos temos uma grande oportunidade com o fato de haverem professores competentes e atenciosos em nos ajudar nas inúmeras orientações recebidas durante processo de estudos, de produção, qualificação e defesa de trabalhos como, por exemplo, o TCC. O que se consolida com compromisso sincero entre alunos e professores nessa circunstância é, certamente, o aprendizado. Esse sem dúvida foi o meu caso. Você não só me privilegiou por aceitar o convite, como proporcionou a mim um grande crescimento. Tenho sempre em mente, e pelos mesmos motivos, também o professor Volnei e principalmente o Prof. Aguinaldo que aceitou ser meu orientador e me aturou durante esses anos de trabalho.
Sobre o texto de Schopenhauer que você citou, também acho belíssima a metáfora. Acredito que ela expressa o espírito da filosofia de Schopenhauer, isto é, a ambição de contemplar a totalidade da experiência, de um ponto de vista acima ou superior, e interpretá-la meta-físicamente por meio de um pensamento único. Deixando de lado por um momento os muitos problemas filosóficos dessa pretensão, o que se percebe é que a visão das alturas é de grande significado para Schopenhauer. Sua filosofia, ao interpretar a multiplicidade fenomênica do mundo mediante uma noção única e ampla, se assemelha à visão das montanhas onde, desde lá de cima, as diferenças no tempo e no espaço diminuem e o que se contempla é um único amálgama existente. Safranski nos diz que é preciso ascender verticalmente para contemplar o horizonte com olhos de pássaro e nos relata que Schopenhauer gostava especialmente dessas escaladas praticando-as pela vida toda, sempre ao frio do amanhecer. Mesmo que em uma escalada a tristeza se multiplica pela força do frio e do isolamento deve haver também o êxtase do universal e oceânico sentimento de unidade. Concordo que isso pareça mais poético (até meio religioso) do que filosófico, mas concordo também que nem por isso diminui seu caráter de grande pensamento que inspira outros grandes pensamentos.
Bom... É isso Marilia, obrigado pelo comentário e fica meu abraço.
Jorge Prado
Caro Jorge. Obrigada pelo seu comentário. Para mim, foi um prazer ler seu trabalho, pois além de me fazer rever Schopenhauer, tive a oportunidade de constatar o seu excelente desenvolvimento entre a qualificação e a defesa. Ademais, o aprendizado, nesse caso, é uma via de mão dupla. Nós professores também aprendemos com nossos alunos (quando eles são competentes como você, é claro!).
Um abraço e mais uma vez obrigada pelo comentário. Confesso que fiquei emocionada.
origado!!! :)
pardon... oBrigado! :)
Postar um comentário