quinta-feira, maio 24, 2007

Schopenhauer e o pessimismo


Numa de minhas postagens abaixo “A destruição do mundo ou um arranhão em meu dedo?”, usei a expressão punctum pruriens vista uma única vez no suplemento 17 (referência ao § 15) que Schopenhauer faz ao livro I do Mundo Como Vontade e Representação. Quando me servi dela prometi explicar depois o que significa. E aqui estou, depois de um longo e luminoso verão, para cumprir minha promessa.


Li essa expressão quando estudava a Teoria da Liberdade da Vontade de Schopenhauer – objeto do meu TCC. Ela me tocou sensivelmente porque, além da passagem em que a expressão se encontra ser extremamente bela, como eu não sou versada em latim, fiquei incomodada e curiosa para entendê-la. A expressão aparece na seguinte passagem:


"O espanto filosófico é, no fundo, uma estupefação dolorosa; a filosofia começa, como a abertura de Don Juan, por um acorde menor... É o mal moral, o sofrimento e a morte que conferem ao espanto filosófico sua qualidade e sua intensidade particulares; o punctum pruriens da metafísica, o problema que enche a humanidade de uma inquietude que nem o ceticismo nem o criticismo poderiam aplacar; consiste em se perguntar não somente por que o mundo existe, mas também por que ele é pleno de tantas misérias." (Schopenhauer apud Rosset | Schopenhauer, philosophe de l'absurd | p.18)

Este trecho se apresenta de uma profundidade abissal. Ele atinge o ponto nevrálgico do pessimismo schopenhaueriano. Como se sabe, para Schopenhauer, “o sentido mais próximo e imediato de nossa vida...” (PP, §148, 277) é o sofrimento. Trata-se do modo como ele concebe a existência, isto é, como uma dor infinita, um sofrimento inexorável. A felicidade, prazer ou bem-estar é avaliado pelo autor como ausência de sofrimento. Nesse sentido o fundamento destes é negativo, em oposição à positividade da dor. Para ele o sofrimento banha o mundo. A existência é falta, carência, desejo insaciável e necessidade. Quer dizer, prevalece a dor e o sofrimento. No § 65 do MVR, Schopenhauer diz: “Com efeito, o que é um sofrimento? Apenas uma vontade que não está satisfeita, e que está contrariada”.

Punctum pruriens significa ponto pruriente, de prurido mesmo. Aquele ponto que nos queima, seja pelo calor ou pelo frio. Vocês já ouviram falar de inferno gelado? Pois é, em geral quando pensamos em inferno, nos vemos logo ardendo em chamas. Mas o gelo também dói e queima, o que me faz lembrar a representação que os budistas fazem dos vários infernos, incluindo aí a idéia de um inferno gelado. Ou seja, punctum pruriens é aquele ponto que nos faz sentir comichão, que nos incomoda insuportavelmente, que nos faz desejar algo ardentemente, seja em alcançar ou possuir algo, seja em nos livrar de algo. Quando Schopenhauer diz que a filosofia começa, como a abertura de Don Juan, por um acorde menor (registre-se que na música o acorde menor é mais denso e dramático, o que indica uma certa tensão), penso que ele está a dizer que o despertar filosófico se dá quando nos deparamos com a dor infinita que é a existência. A afirmação de que o mal moral, o sofrimento e a morte são o punctum pruriens da metafísica (lembremos que o núcleo do sistema filosófico de Schopenhauer é a metafísica da vontade) corresponde, a meu ver, à tese de que a consciência trágica, oriunda da certeza ontológica que o homem tem da morte, mais a consideração da dor perpétua e da miséria da vida são o que dão o mais forte impulso ao pensamento filosófico e à explicação metafísica do mundo.

Agora, se estou ou não de acordo com esta concepção da existência seria matéria para um outro post


7 comentários:

Unknown disse...

Marília,

Vim aqui para aprender sobre Schopenhauer (o pouquinho que sei, já posso dizer que devo a você neste blog) e acabei sabendo do novo emprego. Fiquei sinceramente feliz por você!
Meus parabéns!
beijos
Andrea

Fernando de Sá Moreira disse...

Olá,
começei a colocar conteúdo no blog que lhe falhei após a aula. Por enquanto creio que não será muito de seu interesse... talvez mais adiante.

Marília Côrtes disse...

hehe Andréa... Schopenhauer a conta-gotas, então! Obrigada pelo comentário.
Viu só? Estou naquele vai e vem: Londrina-Toledo-Londrina-Toledo-Londrina. Isso é que é vontade (schopenhaueriana?) de dar aulas. E necessidade também. Haja disposição! Ah! sempre espio o seu blog. Não é preciso dizer (dizendo) que ele é muito bom mesmo, aliás, "bótimo" Um beijo.

Marília Côrtes disse...

Oi Fernando. Obrigada pela visita. Mesmo sem você deixar o link do seu blog eu já dei uma espiadinha.
Não li o livro que você comenta sobre Schopenhauer, mas acho que se é aquilo mesmo, de fato, não vale a pena.
Um abraço.

Rodrigo disse...

Nossa, bem legal ^^

Tudo que mais ou menos sei sobre esse cara o Blehhh que me ensinou. Com o blog dos dois eu já não preciso mais tomar vinho para conhecer um pouco mais do Schopenhauer...

Alias, foi o Schop quem criou este termo?

Josafá Gomes disse...

Marília, achei magnifíco o seu blog sobre filosofia. Os post são muito bem escritos e cheio de profundidade. Parabéns. Vou continuar fuçando, pois sou muito curioso com esses assuntos. Abraços e sucesso na vida - sempre.

Marília Côrtes disse...

Obrigada... seja bem-vindo, Josafá! Um abraço!