domingo, outubro 29, 2006

Sobre o fim do mundo II (continuação)



O Juízo Final | Michelangelo

II - Baseado em que você pode reforçar sua opinião?


Em favor de que o mundo terá um fim temos algumas teorias disponíveis. É importante distinguir a qualidade dessas teorias e em que medida elas oferecem bons argumentos, ou qual delas oferece uma melhor explicação.

Assinalo aqui duas vertentes bem difundidas e distintas: as explicações científicas e as religiosas (estas últimas de cunho profético). As famosas (e a meu ver, lendárias) profecias de Nostradamus (escritas há mais de quatro séculos) são bem conhecidas e muita gente acredita nelas. Porém, o exercício da profecia sempre está associado a elementos místicos e/ou religiosos (estes, no caso do cristianismo, encontrados nas narrativas bíblicas como, por exemplo, o dia do Juízo Final). Tais pressuposições me parecem obscuras, fantasiosas, arbitrárias e frágeis. Quer dizer, em geral, não considero argumentos proféticos e místicos consistentes, embora, confesso, as acaloradas discussões acerca da filosofia da religião me interessam bastante. Não há como negar que a existência de Deus, a natureza de seus atributos, as crenças que efetivamente sustentamos e vários outros objetos dessa natureza são temas fecundos e verdadeiramente dignos de investigação filosófica.

Talvez fosse interessante que antes de pensarmos em formar uma concepção do fim do mundo, pensássemos em formar uma concepção da origem do mundo (cosmogonia), pois a concepção do fim do mundo dependerá da idéia que temos de sua origem. Se eu acredito que Deus criou o mundo (teoria criacionista) e que a Bíblia é uma fonte sagrada, confiável e veraz, provavelmente acreditarei num fim de mundo aos moldes do Juízo Final. Se eu acredito na teoria do Big-Bang, provavelmente terei uma concepção de fim completamente diferente. Muita gente acredita que Deus criou o mundo sem se interrogar muito se Ele existe mesmo (pois a existência de Deus é indemonstrável) e como, de fato, fez isso (apenas aceitam as narrativas transmitidas e já consagradas). Mas por que dar crédito a Deus na criação do mundo e não à própria matéria? Algumas respostas confortam facilmente certas mentes, outras dão origem às mais profundas inquietações, por serem muito complexas e fugidias. Mas, em geral, os homens permanecem submersos em incertezas e perplexidades quanto a esse assunto.

Por outro lado, se trilharmos o caminho das teorias científicas (apoiadas no solo mais firme de alguns dados empíricos, mas nem por isso teorias infalíveis), temos disponíveis (estou a supor) aquelas que apontam para um fim de mundo de aniquilação total e irreversível, ocasionado por várias causas concorrentes: a partir de princípios de desintegração e degradação naturais, catástrofes em série e de dimensões gigantescas (secas, maremotos, terremotos, tsunamis, choques de meteoritos ou planetas, uma nova explosão térmica, ou ainda a morte do sol). Algumas destas catástrofes (dizem) aconteceriam em virtude de certas ações humanas, outras pela própria natureza. Todavia, é difícil conceber a idéia de aniquilação total.

Veja só, existem teorias que sustentam que o mundo pensado como aniquilação total e irreversível não teria um fim propriamente dito, mas apenas grandes transformações que se dariam através de fenômenos que, no fundo, são auto-organizativos. Para afirmar uma aniquilação total do mundo, que inclua todos os seres vivos, toda a natureza orgânica e também a inorgânica, temos de negar a Lei da Conservação da Matéria [1774 – Lavoisier] que reza que “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” (não sei se essa lei já caiu por terra, mas acredito que não). Se todos esses fenômenos catastróficos não forem suficientes para destruir a matéria inorgânica, a ponto de fazê-la desaparecer, parece possível que essa matéria inorgânica venha a gerar nova matéria orgânica, e daí novas formas de vida. Acho que a teoria do Big Bang (pela qual guardo bastante simpatia) segue essa linha. Parece-me uma teoria bastante plausível para se pensar a origem do universo, bem como o seu “possível” fim. Esta teoria afirma que o Universo surgiu há pelo menos dez bilhões de anos em virtude de uma explosão térmica resultante da compressão de energia. Portanto, o Universo teria sua origem nessa explosão e a matéria orgânica (a vida), por sua vez, teria sua origem na matéria inorgânica. Ora, se o fim do mundo ocorrer devido a uma nova e imensa explosão, podemos acreditar que ele não acabará de fato, mas sim que sofrerá grandes transformações, e que, talvez, sejam necessários mais alguns bilhões de anos para o mundo tomar uma forma tal qual ou apenas próxima a que conhecemos hoje. Também é lícito supor que será totalmente diferente, que jamais se organize nestes moldes, enfim, qualquer suposição a esse respeito que não esteja nem possa ser assentada na experiência (e não temos experiência da origem dos mundos, tampouco do fim), permanecerá no plano das hipóteses. É claro que numa explosão assim a raça humana não teria condições de sobreviver, mas note, da extinção da raça humana não se segue o fim do mundo. Podemos pensar em relação ao exemplo acima que um processo de desorganização e degeneração da matéria participaria de um processo de reorganização e regeneração. A desorganização tornar-se-ia um dos traços fundamentais da organização do sistema. Cabe perguntar: qual das hipóteses disponíveis é mais plausível? A ciência com suas descobertas e capacidade de predição torna-se aqui indispensável para responder mais satisfatoriamente a essa questão.


2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Marília.

Achei muito boa essa última postagem dessa entrevista de tema "Fim do Mundo".

Gostaria de de confirmar a questão sobre a conservação de matéria. Porém eu prefiro o termo conservação de energia, pois penso que este fala mais precisamente dos estados da matéria, já que esta é de natureza ondulatório-corpuscular e bem, no fundo, tudo se resume em energia. Porém há algumas questões sobre o universo que realmente não temos conhecimento sobre seus mínimos detalhes que é o caso dos Buracos Negros. Uma pergunta sem resposta, ainda, por exemplo, seria: "Para onde vão as coisas que são sugadas pelos Buracos Negros?" Há algumas teorias que dizem haver um Buraco de Luz no "outro lado do Buraco Negro", outras que dizem que o buraco negro não manda a matéria para canto algum, permanece com este eternamente. Enfim... A conservação de energia do universo poderia ser afetada pelos buracos negros, porém, penso eu, mas com pouca noção, que a informação uma vez sugada no buraco negro permanece com ele de fato e que este, se o universo confirmar a teoria do chamado "Big Crunch", e, por conseqüência ocorrer outro Big-Bang toda a matéria - energia - permaneceria constante, conservando-se, o que sugere que não há um final decisivo para o universo, mas, francamente, o pouco que se concluiu sobre esse assunto é que o universo está em expansão acelerada - e dia desses vi um trabalho de dois físicos teóricos de Cambridge que notaram uma certa "desaceleração" nessa expansão, reforçando a teoria do Big Crunch. É, creio eu, que um assunto muito vago ainda, mesmo para a ciência mais avançada. Estamos mais próximos de descrever como foi o Big Bang do que dizer o que é que vai ocorrer com o universo daqui a outros 15 bilhões de anos.
No entanto, estrelas explodem em super-novas, formando outros sistemas estelares e etc, com o Sol -"só se houver um milagre" rsrs -, não será diferente, o fim da Terra, ao menos, é mais certo.

Marília Côrtes disse...

Oi Nícolas. Obrigada pelo comentário. Nada como alguém mais bem informado do que eu em teorias científicas. Sabe que fiquei curiosa com essa tal teoria do Big Crunch e descobri (procurei no google)que é uma teoria segundo a qual o universo começará no futuro (e pelo que você disse esse futuro já está presente) a contrair-se, devido à atração gravitacional, até entrar em colapso sobre si mesmo. É chamada também de Gnab Gib que é Big Bang ao contrário. Ou seja, O Big Crunch sustenta uma teoria contrária a do Big Bang. É isso? Bom, o interessante é que temos teorias diversas para pensar o universo, tanto em sua origem como em seu "possível" fim. Gostei do acréscimo de informações (e dúvidas) que você apresentou.Esse é, de fato, um tema muito rico, cheio de curiosidades.
Um abraço!