Curso Introdução ao pensamento de Kant
Professora Marília Côrtes de Ferraz
Relatório do dia 23.07.2006
Por Nícolas Pioccopi
“Pobres filhos da Terra” que somos, nunca freqüentaremos as coisas – é verdade. Mas essa é uma boa nova, pois tais coisas, afinal, como Hume tão bem viu, nunca ofereceriam relação necessária à inspeção de nosso espírito” (Lebrun, Gerard. ‘Hume e a astúcia de Kant’ In: Sobre Kant. Tradução de José Oscar de Almeida Marques; Maria Regina A. C. da Rocha; Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Edusp, Iluminuras, 1993, p. 12).
No último estudo leu-se e discutiu-se dois parágrafos do texto de Gerard Lebrun – “Hume e a astúcia de Kant’ – que trata do conhecimento que se pode possuir acerca de um objeto. “Pobres filhos da Terra que somos, nunca freqüentaremos as coisas” – diz Lebrun em seu texto.
O astrofísico Stephen Hawking em uma de suas entrevistas, neste ano, disse certa coisa que muito chama a atenção para este nosso problema de não termos ingresso para que possamos freqüentar as coisas. Hawking falava que a matemática que orienta os físicos em suas deduções e observações talvez teria de ser “re-inventada” - ou que pudesse ser encontrada uma nova forma de enxergar a mesma coisa - por não poder dizer exatamente a significação das coisas - o que, num futuro nada distante, poderia vir a causar um problema em nossas investigações acerca do universo. Da mesma forma, o problema dos movimentos que levou o filósofo grego do século IV a.C, Zenão de Eléia, a formular, entre outros paradoxos, o de “Aquiles e a tartaruga”, apontava para a necessidade de uma nova forma de pensar. Este paradoxo fala de uma corrida que Aquiles apostaria com uma tartaruga e esta começaria à frente numa distância de tantos metros de Aquiles - por este correr dez vezes mais rápido do que a tartaruga. Digamos que Aquiles começasse a corrida oitenta metros à frente da tartaruga. Quando é dado o sinal de largada ambos começam a correr. Quando começam a correr Aquiles percorre em um dado intervalo de tempo “t” os oitenta metros que a tartaruga tinha de vantagem dele e, neste mesmo intervalo de tempo “t” que Aquiles gastou para percorrer estes oitenta metros, a tartaruga andou mais oito metros para frente. Em virtude de Aquiles correr dez vezes mais rápido que a tartaruga, a distância percorrida pela tartaruga é a distância de Aquiles dividida por dez. Quando Aquiles percorre estes oito metros, a tartaruga anda mais estes oito metros divididos por dez, ou seja, caminha mais oitenta centímetros (0,8 metros) - e assim ao infinito. Zenão alega que Aquiles jamais conseguiria alcançar a tartaruga, o que certamente é um equívoco notório, visto que Aquiles, de fato, alcançaria a tartaruga e a ultrapassaria. O que resolveria este problema seria uma nova forma de raciocinar e que só foi concebida no século XVII por Leibniz e Newton. Até então nossa matemática não dava suporte para que pudéssemos conhecer os movimentos dos objetos visíveis a olho nu - como é o caso de Aquiles e a tartaruga - objetos de nossa experiência diária. Ambos tiveram que inventar uma nova matemática, um novo modo de ver as mesmas coisas, poder-se-ia dizer que “um novo método” e, dessa forma, foi possível que nós adentrássemos nos movimentos das, o que até então era a visão da época, engrenagens bem definidas que era o universo.
Porém, com o passar do tempo, as nossas observações e dúvidas foram aumentando até que chegamos às partículas elementares dos átomos e, portanto, a outras velocidades e distâncias. A mesma matemática, que antes era a principal ferramenta para calcular os movimentos dos objetos, ainda é usada tanto quanto antes. Porém, a idéia de universo já não é mais a mesma, ou seja, apareceram inúmeros outros objetos a serem observados e, portanto, a “física já não é mais a mesma”, quer dizer, surgiram problemas que esta matemática não é capaz de resolver “exatamente”. A idéia que se tem do início do universo, na verdade, é uma interpretação que se faz de cálculos cujo resultado final é uma divisão do tipo “um sobre zero”. Isso em matemática é um número infinito e, portanto, indefinido. Com base nisto dizemos que o universo era primariamente um ponto de “densidade infinita”. O que se pretende dizer aqui é que, apesar de termos raciocínios poderosos para a tentativa de compreensão dos objetos, de tornar a ciência dos mesmos sólida e verdadeira, em muitos casos esta ferramenta acaba por não servir plenamente e acabamos por precisar de algo mais para a compreensão dos objetos. Faltaria algo que desse a chance de especulação sobre tais objetos. Um exemplo da diferença entre a matemática e a física - de como a matemática é um raciocínio que usamos como ferramenta para tentar adentrar nos objetos - foi o que Lorentz disse ao refazer alguns cálculos de Galileu que diziam a respeito da velocidade relativa dos corpos: “Os cálculos estão certos, mas, não faço a mínima idéia do que estes querem dizer. Isto é matemática, enquanto matemática está certo.” Isso lembra muito o seguinte trecho do texto de Gerard Lebrun: “Se alguém, dizia Hume, pudesse abstrair tudo o que sabe ou viu, seria completamente incapaz, consultando apenas suas próprias idéias, de determinar que espécie de espetáculo o universo deve ser...” (Lebrun, Gerard. ‘Hume e a astúcia de Kant’. p. 12). Se pensarmos nas ciências a priori, nunca iremos chegar a conhecimento algum sobre o que é nosso meio, porém, o conhecimento delas, no plano delas, é exato e, portanto, são válidas independentemente de qualquer experiência. Todavia, estas são incapazes de nos dar a luz necessária ao esclarecimento de dada questão apenas por si mesma. Para tanto é necessário que haja um forte elo entre uma coisa e outra e que, sem ele, tudo tornar-se-ia uma questão de crença ou superstição. Este elo, ao menos no plano sensível, é o da causalidade, afirma Kant. Desta forma o ingresso para as coisas parece tornar-se mais acessível e este acesso se daria de modo especulativo - o que parece salvar a metafísica - e certamente dá um novo horizonte para a compreensão de dado objeto. Se, por um lado, Lorentz, ao consultar apenas suas idéias para tentar compreender o meio, ou seja, apenas consultar a matemática, não chegou a alguma conclusão acerca do nosso meio empírico, Einstein, por outro lado, ao interpretar dadas ocorrências dispostas no meio empírico de modo certamente especulativo e, ao relacioná-las com as conclusões de Lorentz, criou a teoria da relatividade.
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3 comentários:
Caro Nícolas. Seria importante que você desse a referência da citação do Lorentz. Você pode incluí-la aqui na seção de comentários mesmo. Obrigada. Um abraço e parabéns pelo texto. É admirável sua capacidade de ir além (com pertinência)daquilo que discutimos em aula, bem como a de oferecer exemplos. Marília.
Olá Marília. Obrigado pelo elogio. Porém eu ficarei devendo por um tempo a referência da citação pois eu a vi em um livro há tempos, mas vou procurar e quando encontrar eu colocarei aqui, espero apenas que não seja tarde quando achar. rs
Tudo bem, sei como é isso. Logo que entrei na faculdade não me atentava muito para esses detalhes de cópias de textos sem referências, afinal, não tinha muita noção da importância delas. Alguns professores cometiam o crime (e que crime!)de passarem textos sem referências bibliográficas. Depois, com a experiência (rsrsr), aprendi que nenhum texto pode ser aceito sem as devidas referências, pois se precisarmos citá-lo temos de sair procurando. Às vezes é fácil encontrá-las, mas outras vezes, dá nos nervos...
Bom... nossos leitores aguardarão rsrsrs. boa sorte!
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