quinta-feira, maio 14, 2020

Cidade solitária


Lonesome Town (1958)

Ricky Nelson


There's a place where lovers go
To cry their troubles away
And they call it lonesome town
Where the broken hearts stay (lonesome town)
You can buy a dream or two
To last you all through the years
And the only price you pay
Is a heartful of tears (full of tears)
Goin' down to lonesome town
Where the broken hearts stay
Goin' down to lonesome town
To cry my troubles away
In the town of broken dreams
The streets are paved with regret
Maybe down in lonesome town
I can learn to forget (to forget)
Maybe down in lonesome town
I can learn to forget

..............................................................
Ah... que baladinha boa!
Letra bonita...

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Compositores: Thomas Baker Knight
Letra de Lonesome Town © Sony/ATV Music Publishing LLC,
BMG Rights Management
Fonte: LyricFind

domingo, maio 03, 2020

Fear


O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
ótimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projetos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo

(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos.

Sim
a ratos.

( Alexandre O'Neill | Poema Pouco Original do Medo | In: Abandono Viciado | 1924-1986) 


segunda-feira, abril 27, 2020

Pandemônios


Noite passada tive um pesadelo. Eu havia saído para ir ao mercado. Chegando lá, vi que estava lotado. As pessoas emboladas, sem o menor respeito à distância mínima recomendada. Agitadas, brigavam pelos produtos almejados. Notei que ninguém estava de máscara.  De repente, percebi que eu também não estava. Havia me esquecido de colocá-la. Me senti completamente desprotegida, aflita, e cheia de medo. Voltei correndo pra casa e comecei a procurar minhas máscaras. Todas haviam sumido. Faltou-me ar. Resolvi tomar um banho. Do chuveiro jorrava álcool gel. Fiquei gelada. Acordei tremendo, assustada, suando gelo.



texto: Marília Côrtes | foto: Marina Ferraz / Uhnika / https://uhnika.com.br/


quinta-feira, abril 09, 2020

Bom senso


Ontem, pela primeira vez, fiz uma reunião (virtual) de estudos com os alunos envolvidos em meu projeto de pesquisa na UENP. Um estudo sobre os Ensaios Morais, Políticos e Literários de Hume. Foi uma espécie de live, como denominou uma aluna. Live pelo Zoom. Achei bem interessante essa experiência, embora ainda não esteja muito familiarizada com esse formato virtual de discussões filosóficas, nem me entenda muito bem com a câmera e o aplicativo.

Por ter me debruçado um pouco sobre a obra, o autor e alguns temas relativos aos common affairs of life, e logo cedo ter me defrontado com alguns tititis sobre a pandemia e os pandemônios espalhados pelo mundo afora, assim como com a imensa variedade de opiniões, gostos, news e fake news sobre os diversos assuntos, me lembrei de uma passagem que abre o Discurso do Método (DM 1637) de Descartes.

Ora, mas Hume e Descartes não jogam em times rivais? Num certo sentido, ou mesmo em vários sentidos, sim! Teorias diferentes. Métodos distintos...

E Descartes não escreveu o DM lá no século XVII? Ele também não defendeu certas ideias que hoje não se sustentariam? Ok. Pode-se dizer que sim!

Mas, caros leitores, peço a vocês, avaliem por si mesmos se o que ele diz não faz sentido:

"O bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada, pois cada qual pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os que são mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm. E não é verossímil que todos se enganem a tal respeito; mas isso antes testemunha que o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina o bom senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens; e, destarte, que a diversidade de nossas opiniões não provém do fato de serem uns mais racionais do que outros, mas somente de conduzirmos nossos pensamentos por vias diversas e não considerarmos as mesmas coisas. Pois não é suficiente ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem” (DM I §1).

Sem mais,



segunda-feira, abril 06, 2020

A morte feliz

Compreendia que ter medo dessa morte que encarara com o desespero de um animal significava ter medo da vida. O medo de morrer significava um apego sem limites a tudo que está vivo no homem. E todos aqueles que não tinham feito gestos decisivos para empobrecer sua vida, todos os que temiam e exaltavam a impotência, todos tinham medo da morte, devido à sanção que traziam a uma vida em que não se tinham enredado. Não tinham vivido o suficiente, jamais haviam vivido. E a morte era como um gesto que privasse para sempre de água o viajante que procura em vão saciar a sede. Mas, para os outros, ela era o gesto fatal e terno que apaga e nega, sorrindo tanto para a resignação quanto para a revolta.
.
.

(Albert Camus | In: A Morte Feliz | tradução de Valerie Rumjanek | Rio de Janeiro | Record | p.60).

Arnold Böcklin | Isle of the Dead |Die Toteninsel | 1883


domingo, abril 05, 2020

Paupérrima rima


Basta uma 
lufada de fatos 
tristes e fatais
tristes e outras
pobres rimas mais
para nos lembrar 
o quanto somos
pobres mortais.

Photo by Brian Oldham

quinta-feira, abril 02, 2020

O amor




La tumba del poeta | Pedro Sáenz | 1863-1927 | Museo de Málaga



Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zoo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
– Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o Universo,
a mãe,
pelo menos a Terra.



Vladimir Maiakovski (1893-1930)




segunda-feira, março 30, 2020

Pandemia




Assistindo ao Jornal Hoje, vejo o mundo mobilizado. O arsenal é de guerra, tanto em relação ao tratamento dos feridos quanto no combate aos inimigos.

Ouço os planos dos governos, dos chefes de estado e suas equipes. Os fatos, as news, as estatísticas, as previsões e possíveis estratégias. A ciência a todo vapor produzindo novas descobertas e instrumentos. Drones sobrevoando os espaços. Alertas.

Médicos, enfermeiros, auxiliares e toda uma cadeia de serviços essenciais. Medidas de isolamento, problemas de abastecimento. Toques de recolher. Consequências econômicas. Pacotes e mais pacotes de assistências emergenciais. Políticas de distanciamento, medidas restritivas. Mortes.

Itália, Espanha, Alemanha, Estados Unidos, França: mortes e mais mortes. A China, dizem, aos poucos, vai voltando ao normal. População educada, higienizada, a maioria de máscaras e obedecendo às medidas de proteção. Rígido controle social. A Nigéria? Uma lástima. Muitas favelas. Não há saneamento básico. Água suja, lixo, miséria, doenças, tristeza e desorganização. Um caos. 

A calamidade é pública, quase universal. Há que se conter a crise. Impõe-se uma nova ordem. Tudo é urgente. A imprensa internacional critica Bolsonaro. Ouço falar na liberação de 306 bilhões de reais para assistir parte da população brasileira. O processo é moroso, depende da burocracia e da aprovação no congresso.

E lá vem o presidente, passeando pela cidade do Distrito Federal, fazendo politicagem. Viola as medidas de distanciamento. Posa para uma foto ao lado de uma criança no colo do pai ou outro irresponsável qualquer hipnotizado pelo mito. 

Bolsonaro faz um discurso tosco. É contra a política de isolamento social recomendada pelos mais bem preparados profissionais e instituições de saúde. Diz que devemos enfrentar o vírus como homem. Wow, cabra-macho! Em tom fatalista, culpa os pobres pela pobreza. E pergunta: É crime trabalhar?

Pergunta errada, Sr. Presidente!

Maju não consegue disfarçar sua indignação ao falar no dito-cujo. Nem eu.


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Imagem: Eyes without a face - Sophie Calle

segunda-feira, março 23, 2020

Sobre a vontade de morrer


De repente, depois de um longo sumiço, meu amigo aparece e, comme d'habitude, saca sua arte do bolso da morte e atira de lá do fundo do abismo.



eu tenho vontade de morrer
só pra ver o céu sem mim
e o cais vazio de embarcações
só pra ver o ar, a areia do ar
as coisas todas em silêncio
as brumas paradas do depois
e o vento imóvel nas estepes

eu tenho vontade de morrer
só pra ver as coisas despidas
a água de um mar indecifrável
a sombra que fecunda o chão
e a linha do horizonte sem luz

eu tenho vontade de morrer
morrer como se diz das horas
das cinzas, das brumas
das rochas que tão caladas
repousam sem mágoa
e ternamente não falam

eu tenho vontade de morrer só
sem nada sem dor sem ninguém
só pra fruir não ser não estar
e sentir fundo o esquecimento
só pra ver o trabalho das nuvens

nuvens, que são delicadas
sem alarde sem mágoa
que se desfazem sem som
quero morrer como nuvem
tentar morrer sem saudade
reservado e docemente casto
desataviado de tudo

eu tenho que morrer urgente
antes que as pessoas notem
e me importunem com ais
e me cubram de flores
e maculem a hora precisa
com o arrastar dos móveis
com "como eu era bom"
e depois me encerrem
num lugar sem nuvens

eu tenho vontade de morrer
de uma angústia no peito
da mesma que eu conheço já
eu que sei tanto de angústia
daquela boa, que tranca os canais

daquela que me dá vontade
de morrer num quarto
sem tv a cabo, sem wi-fi
sem janelas, sem serviçais
morrer como um dardo
que ao perder impulso cai
e ali permanece olvidado
sem flecha, sem alvo, sem arco
e sobretudo sem arqueiro.


                                  [ poema & pintura | ygor raduy ]

terça-feira, março 17, 2020

Stop the world


Quem diria que um microscópico vírus, uma coisinha mutante, supostamente cega, que se prolifera numa progressão geométrica, supostamente aleatória - e que as pessoas, em geral, mal sabem diferenciar de uma ameba (também não sei) - um "monstrinho" a pulular loucamente, numa velocidade voraz, sem inteligência nenhuma, sem sistema nervoso central, sem ciência e sensibilidade - quem diria, dizia eu, que uma bolinha esquisita viesse a impor uma nova ordem mundial? Uma nova ordem nas relações humanas, sociais, políticas, econômicas e culturais?

'Alguma coisa
Está fora da ordem
Fora da nova ordem
Mundial...'

Seria a natureza cega a procurar, espontaneamente, uma nova ordem em meio ao caos mundial? A grande obra a se reorganizar, soberanamente, sem se importar com suas vítimas? Aquela que seleciona, sem enxergar um palmo adiante do nariz, quem fica, quem sobrevive, quem sucumbe e quem vai? Um corpúsculo diminuto, fluídico venenoso, descerebrado, e que, muitas vezes aumentado, mais parece um brinquedinho para divertir bichinhos de estimação?

Quem diria que essas bolinhas minúsculas e invisíveis viessem a ditar como nós, seres "humanos inteligentes", devemos nos comportar de agora em diante? Quem diria que esses parasitas intracelulares exigiriam que, de um "ninguém solta a mão de ninguém", passássemos a um "ninguém toca as mãos de ninguém?"

- Mantenham distância, manda o figurino. Lavem as mãos, sejam mais cuidadosos, solidários, reclusos, compassivos, empáticos e humanos. Protejam-se. No kisses, no hugs. Ensimesmem-se, aculturem-se, cuidem de seus filhos, seus pais, seus avós, seus irmãos e amigos, seus meramente conhecidos e, também, cuidem daqueles completamente desconhecidos.

Don't touch in... on... all or anymore?

To touch or not to touch?

Don't touch!
Stop the world!

'Alguma coisa
Está fora da ordem
Fora da nova ordem
Mundial...'




.

quinta-feira, janeiro 30, 2020

A ventania


Assovia o vento dentro de mim. Estou despido. Dono de nada, dono de ninguém, nem mesmo dono de minhas certezas, sou minha cara contra o vento, a contravento, e sou o vento que bate em minha cara.


Eduardo Galeano | O Livro dos Abraços | Tradução de Eric Nepomuceno | Porto Alegre | L&PM | 9a. Ed. | 2002 | p. 138.

quinta-feira, janeiro 16, 2020

Fome





Tens a medida do imenso?
Contas o infinito?
E quantas gotas de sangue
Pretendes
Desta amorosa ferida
De tão dilatada fome?

Tens a medida do sonho?
Tens o número do Tempo?
Como hei de saber do extenso
De um ódio-amor que percorre
Furioso
Passadas dentro do vento?

Sabes ainda meu nome?
Fome. De mim na tua vida.

(Hilda Hilst | Da Poesia | Editora Cia das Letras | 2017).

sexta-feira, janeiro 03, 2020

Considerações sobre o princípio de proporcionalidade entre a causa e o efeito nos Diálogos de Hume



Recebi hoje a excelente e muito aguardada notícia de que mais um artigo meu foi publicado no ano de 2019.

Trata-se, neste artigo, de uma análise do princípio fundamental ─ like effects prove like causes ─ sobre o qual Cleanthes, nos Diálogos sobre a Religião Natural de Hume, apoia sua defesa do argumento do desígnio, bem como de um exame da estratégia argumentativa de Philo para enfraquecer paulatinamente a força do argumento defendido por Cleanthes.

Take a look e tire suas próprias conclusões. Para isso, acesse http://www.revistas.usp.br/discurso/issue/view/11356


terça-feira, dezembro 31, 2019

Corsário




Meu coração tropical 
está coberto de neve
mas ferve em seu cofre gelado
a voz vibra e a mão escreve mar

bendita lâmina grave 
que fere a parede e traz
as febres loucas e breves 
que mancham o silêncio e o cais

Roserais
Nova Granada de Espanha
por você, eu, teu corsário preso
vou partir a geleira azul da solidão
e buscar a mão do mar
me arrastar até o mar
procurar o mar

Mesmo que eu mande em garrafas
mensagens por todo o mar
meu coração tropical
partirá esse gelo e irá
com as garrafas de náufragos
e as rosas partindo o ar
Nova Granada de Espanha
e as rosas partindo o ar.


***


[ compositores: João Bosco & Aldir Blanc ]


Ouça aqui uma das mais belas versões dessa música, com João Bosco e Marie So.




segunda-feira, dezembro 30, 2019

À tua porta


Egoísmo

Fui sozinho à minha entrevista,
Quem é esse que me segue
na escuridão calada?

Afasto-me para ele passar,
mas não passa.

Seu andar soberbo
levanta poeira,
sua voz forte
duplica a minha palavra.

É o meu pobre eu!
Ele não se importa com nada.
Mas como sinto vergonha
por ter de vir com ele
à tua porta!

(TAGORE, Rabindranath | 1861-1941 | in: O Coração da Primavera | Lisboa | A. O. | 1990 | Tradução de Manoel Simões).


sábado, dezembro 14, 2019

Missivas


Meu querido,

Resisti à tentação de te escrever desde que soube seres tu o autor dessas missivas ardentes que, há duas semanas, vêm enchendo esta casa de chamas, de alegria, de saudade e de esperança, e meu coração e minhas entranhas, do doce fogo que abrasa sem queimar, e do amor e do desejo unidos em casamento feliz.

Por que assinarias umas cartas que só poderiam ter saído de tuas mãos? Quem me estudou, me formou, me inventou, como fizeste? Quem podia falar dos pontinhos vermelhos de minhas axilas, das rosadas nervuras das cavidades ocultas entre os dedos dos meus pés, desta “franzida boquinha rodeada por uma mini circunferência de alegres ruguinhas de carne viva, entre azulada e plúmbea, à qual se chega escalando as lisas e marmóreas colunas de tuas pernas”? Só tu, meu amor.

Desde as primeiras linhas da primeira carta, eu soube que eras tu. Por isso, antes de terminar a leitura, obedeci às tuas instruções. Despi-me e posei para ti, diante do espelho, imitando a Dânae de Klimt. E recomecei, como em tantas noites de que tenho saudade em minha atual solidão, a voar contigo por aqueles reinos da fantasia que exploramos juntos, ao longo daqueles anos compartilhados que agora são, para mim, fonte de consolo e de vida na qual volto a beber com a memória, para suportar a rotina e o vazio que vieram substituir aquilo que, ao teu lado, foi aventura e plenitude. [...]
.
.

[Llhosa, Mario Vargas |  Os cadernos de dom Rigoberto | Tradução de Joana Angélica d’Ávila Melo | Rio de Janeiro | Objetiva |2009 | p. 186].

Dânae | 1907 | Gustav Klimt | óleo sobre tela

domingo, dezembro 01, 2019

Identificação


Eu me diluí na alma imprecisa das coisas.
Rolei com a Terra pela órbita do infinito,
jorrei das nuvens com a torrente das chuvas
e percorri o espaço no sopro do vento;
marulhei na corrente inquietadora de rios,
penetrei a mudez milenária das montanhas;
desci ao vácuo silencioso dos abismos;
circulei na seiva das plantas,
ardi no olhar das feras,
palpitei nas asas das pombas;
fui sublime n'alma do homem bom
e desprezível no coração do mesquinho;
inebriei-me da alegria do venturoso
e deslizei dolorosamente na lágrima do infeliz.

Nada encontrei mais doloroso,
mais eloquente,
mais grandioso
do que a tragédia cotidiana
escrita em cada vida humana.

[Helena Kolody | Infinita Sinfonia | p. 119]




Man Bending Down Deeply by Egon Schiele (1890-1918, Australia) 
Museum Art Reproductions Egon Schiele

quarta-feira, novembro 20, 2019

Memória





Vozes-Mulheres 

A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.

A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.

A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela

A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.

A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.
    

[Conceição Evaristo | Poemas de recordação e outros movimentos | p. 10-11]




Esta é a Nayara. Minha aluna da UENP em duas disciplinas: história da filosofia moderna e tópicos especiais de filosofia moral. Foi ela quem leu, sob absoluto silêncio, este poema fodástico na abertura da XII Jornada de Debates: Encontros com a Filosofia: Mulheres na Filosofia, antes mesmo de um 'boa noite a todas / boa noite a todos'. Há dias pensei em publicá-lo. Achei que hoje, dia da Consciência Negra, por razões óbvias, seria um bom dia.


quinta-feira, novembro 07, 2019

Zeitgeist : no espírito do tempo




Este é o cartaz da XII Jornada de Debates: Encontros com a Filosofia: Mulheres na Filosofia; e IX Encontro de Iniciação Científica em Filosofia da UENP. Um evento realizado nesta semana, entre os dias 04 e 07 de Novembro/2019, e coordenado por mim. Confesso que não foi fácil, desde a sua concepção até a sua realização final. 

Quando assumi coordenar essa Jornada, em torno de abril/maio/2019, ainda sem a escolha de um tema, jamais imaginei que ele viesse a se configurar precisamente neste. Passei algumas semanas pensando em alguns assuntos e também quais temas poderiam ser interessantes, ainda que eles não contemplassem propriamente meus horizontes de estudos. Propus em torno de sete temas: Filosofia e Literatura; Arte e Filosofia; Filosofia Ensaística; Filosofia Política; Filosofia, Misticismo, Superstição e Fanatismo; Filosofia e Senso Comum; Ceticismo; Mulheres na Filosofia.

A ideia de incluir o tema "Mulheres na Filosofia" me veio à mente quando me lembrei da formação  do GT Filosofia e Gênero e, posteriormente, passei a notar a série "Conheça Filósofas" promovida pela Associação Nacional de Pós-Gradução em Filosofia - ANPOF. Achei que o tema estava, digamos assim, na ordem do dia. Mas jamais imaginei que o colegiado, composto atualmente por nove homens e uma mulher (euzinha aqui), votasse nele. 

De imediato, me vi em maus lençóis, uma vez que em 20 anos de academia estudei apenas o pensamento de filósofos homens. Curioso é que nunca havia estranhado propriamente tal fato. Tomava a hegemonia masculina dos cânones filosóficos e agendas de pesquisas nesse assunto como algo natural. Afora as mulheres que li (fora da academia), mais da literatura do que propriamente da filosofia, não conhecia bulhufas desse tema, nem ninguém que o trabalhasse pontualmente. Algo nada difícil de descobrir, dadas as ferramentas de pesquisa disponíveis na atualidade. 

A princípio, mal percebi que o assunto nos conduz, num certo sentido de modo indissociável, ao tópico do feminismo e às discussões sobre gênero e violência contra a mulher. Definitivamente, tal tema passava ao longe de meus horizontes de estudos, embora estivesse sempre a me rondar. Comecei a pesquisar, num primeiro momento, com uma certa resistência. Jamais havia me envolvido efetivamente com o feminismo, suas lutas e desdobramentos. Tampouco me assumia, declaradamente, como feminista. Porém, passei a perceber, de uns tempos pra cá, e, definitivamente, após me envolver com esse evento, que, na verdade, sempre fui feminista ─ feminista na vida, dada a maneira como a levei, e dadas algumas posturas determinantes que assumi e certas atitudes que tomei nesse meu mais de meio século de existência.

Foram meses gestando uma proposta, uma imagem e um texto de abertura que pudesse representá-la. A imagem já se encontra acima (arte realizada pelo Paulo Guerreiro da Concebe Agência de Publicidade). O texto, lido na abertura, após a leitura de um poema de Conceição Evaristo (depois eu digo qual e publico), segue abaixo:



XII JORNADA DE DEBATES: ENCONTROS COM A FILOSOFIA
MULHERES NA FILOSOFIA
IX ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM FILOSOFIA DA UENP


Na contemporaneidade, a mulher na filosofia assume uma posição sem dúvida bastante relevante. Isso se dá, principalmente, em virtude do momento histórico atual que, por sua vez, exige a inserção da mulher como conceito filosófico em face aos diversos sistemas e perspectivas de pensamento. Nesse horizonte, torna-se urgente pensar e ressignificar outros conceitos que, há algum tempo, encontram-se em crise: política, diversidade, minorias, lugar de fala, igualdade de gênero, feminismo, liberdade, violência, resistência, modos de avaliação e valoração de conhecimentos, práticas, culturas, etc. Contudo, é sabido que a presença das mulheres na filosofia (assim como em outras áreas do saber) foi, em grande parte, apagada ao longo de toda a tradição filosófica. Quer dizer, a perspectiva filosófica da mulher não se constitui de modo consistente como parte dessa tradição. Mas não é verdade que elas não existiram. A aparente ausência das Mulheres na Filosofia revela, em larga medida, desconhecimento da própria historiografia da filosofia: Hipátia de Alexandria, Aspásia, Safo de Lesbos, Hildegarda de Bingen, Lou Andreas Salomé, Susan Sontag, Graciela Hierro, Angela Davis, Émile Du Châtelet, Edith Stein, Rosa Luxemburgo, Simone de Beauvoir, Margaret Cavendish, Damaris Cudworth, Marie de Gournay, Christine de Pizan, Elizabeth de Bohemia, Judith Butler, Mary Astell, Anne Conway, Hannah Arendt (e tantas outras que não foram aqui mencionadas) figuram nesse universo filosófico até então muito pouco explorado e de evidente supremacia masculina. Ora, não cabe mais apontarmos esse apagamento das mulheres filósofas como ausência de Mulheres na Filosofia. É preciso, antes, questioná-lo, tendo em vista a construção histórica do pensamento e os diversos motivos pelos quais essas vozes estiveram relegadas ao silêncio. De outro lado, a crise das Humanidades aponta para um levante extremamente interessante de escrituras – filosóficas e literárias – nas quais as vozes das mulheres ressoam em caráter investigativo e reflexivo acerca de problemas e questões não apenas filosóficas, mas também políticas, econômicas, sociais e culturais. Em vista disso, uma Jornada de Debates em torno desse tema vem ao encontro dessas vozes femininas que clamam por uma investigação, resgate e lugar de fala das Mulheres na Filosofia. Alinhar as diretrizes de pesquisa em filosofia da UENP com os problemas que estão sendo postos na esfera nacional de pesquisa pela ANPOF ─ e, em especial, com as demandas sociais, políticas, econômicas e culturais da atualidade ─ visa aqui, além de promover o debate, revirar os cânones filosóficos, incluindo as filósofas nas agendas de ensino, pesquisa e extensão das universidades, de modo a reconhecer e fortalecer a presença fundamental das Mulheres na Filosofia e seus possíveis desdobramentos.


***
[obs: as primeiras linhas desse texto foram traçadas, lá no início, por um aluno da filosofia, Murilo N. Nucini, que topou de cara me ajudar a pensar  num projeto para esse evento. De lá para cá, o texto deu voltas e voltas em ma tête. Cortei, acrescentei, incluí, excluí, revirei frases, termos, expressões e parágrafos, mudei a ordem, torci e retorci, encorpando-o significativamente. Um retoque semifinal (aquele olhar exterior necessário de quem não o tem já viciado depois de tantas edições e reedições) foi dado pela minha amiga Bárbara Marques, professora da UEL  uma das conferencistas que já trabalhava esse tema].


Bom, acho que posso dizer, sem receio de passar por mentirosa, que o evento foi impactante para todos aqueles que participaram. De minha parte, tomei ciência de muitas mulheres filósofas escritoras porretas e poderosas da filosofia antiga, medieval, moderna e contemporânea. Como tema de estudos - Mulheres na Filosofia - será um caminho sem volta, ainda que eu não vá abandonar os estudos de meus filósofos preferidos. Um novo leque se abriu. Tenho em vista, agora, novos horizontes. Minhas alunas(os) também.

Para mais informações sobre essa XII Jornada de Debates (resumos das conferências, minicurso, mesa-redonda, intervenções culturais, atividade paralela e comunicações), acesse: 



quinta-feira, outubro 10, 2019

Escuros caminhos


Quem chorava em meu sonho?
Eu ia, deslembrada,
pelos caminhos sem nexo
no escuro do sono,
quando alguém soluçou.
Onde, nas algas profundas,
se enredava essa dor?
(Seu pranto doía no mundo).
Quem soluçava em meu sonho,
tão perto que me acordou?


..................................

[ Helena Kolody | Infinita Sinfonia | p. 63 ]


head back in | © Lauren Jenkins


domingo, setembro 01, 2019

Prece



Concede-me, Senhor, a graça de ser boa,
de ser o coração singelo que perdoa,
a solícita mão que espalha, sem medidas,
estrelas pela noite escura de outras vidas
e tira d'alma alheia o espinho que magoa.


[Prece | Helena Kolody | Infinita Sinfonia | p.116]



Golden Slumber © 2014 by Thomas Dodd


sexta-feira, agosto 30, 2019

O Fideísmo Místico de Demea e sua crítica ao Antropomorfismo nos "Diálogos" de Hume




Sensação boa essa de chegar em casa e encontrar um 'packet' contendo aquele artigo publicado depois de tanto tempo guardado e aguardado.

Apesar da espinhosa especificidade do tema, foi escrito no espírito segundo o qual "as decisões filosóficas nada mais são do que as reflexões da vida ordinária, sistematizadas e corrigidas" (EHU 12 | Hume | 1711-1776).

acesso em

Síntese: Revista de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.





Hume, nos Diálogos sobre a religião natural, faz com que o personagem Demea defenda algumas teses que, a meu ver, podem ser formuladas do seguinte modo: i) a assimilação dos tradicionais atributos divinos depende de argumentos místico-religiosos, pois nossa razão, embora seja potente para provar a existência de Deus, não tem poderes para nos dizer qual a sua natureza; ii)  o antropomorfismo implicado na tese de Cleanthes é inaceitável; e iii) a existência de Deus pode e deve ser demonstrada por um argumento formal ou prova a priori. Pretendo, neste artigo, examinar conjuntamente as duas primeiras teses, uma vez que as entendo como teses solidárias, isto é, uma implica a outra. Defendo que o fideísmo místico (ou misticismo religioso) de Demea está circunscrito à sua concepção religiosa cristã e que seu compromisso mais forte em sua crítica ao argumento do desígnio é com a teologia racional subjacente à prova da existência de Deus. Para tanto, faço um exame dos argumentos que Demea oferece contra o antropomorfismo implicado no argumento do desígnio e suas relações com aquilo que chamei de fideísmo místico.

Palavras-chave: Religião Natural, Existência de Deus, Natureza Divina, Fideísmo Místico, Antropomorfismo.


quinta-feira, agosto 15, 2019

Minuto




lá vem você
se passando por vento
como se ninguém te visse,

lá vem você dublando pensamento
como uma praia que se sentisse,

pra perto do riso, do risco, do início
das ondas, das dunas do espanto,

lá onde o calar fala mais alto
e onde o momento comemora
com um minuto de silêncio.



[Rodrigo Garcia Lopes | In: Visibilia | 1996 | Poemas Escolhidos | Centro Cultural São Paulo]

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(Photo: © Tetsuro Higashi)

terça-feira, julho 30, 2019

Verso Angular






Com a beleza e precisão
das ciências matemáticas
e um toque delicado
de geometria...

Bom Dia!

pois já dizia
Galileu Galilei
entre 1564 e 1642:

"... o livro da natureza está escrito em caracteres matemáticos."

quinta-feira, julho 25, 2019

Da calma e do silêncio




Quando eu morder
a palavra,
por favor,
não me apressem,
quero mascar,
rasgar entre os dentes,
a pele, os ossos, o tutano
do verbo,
para assim versejar
o âmago das coisas.

Quando meu olhar
se perder no nada,
por favor,
não me despertem,
quero reter,
no adentro da íris,
a menor sombra,
do ínfimo movimento.

Quando meus pés
abrandarem na marcha,
por favor,
não me forcem.
Caminhar para quê?
Deixem-me quedar,
deixem-me quieta,
na aparente inércia.
Nem todo viandante
anda estradas,
há mundos submersos,
que só o silêncio
da poesia penetra.



[Conceição Evaristo | Poemas da recordação e outros movimentos | Belo Horizonte | Nandyala | 2008]

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fotos: Morro do Gavião | Ribeirão Claro | Represa de Chavantes | Rio Paranapanema | Paraná | Maio/2019]





sábado, julho 06, 2019

Afora o teu olhar...



[...]
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
[...]





Lílitchka! (Em lugar de uma carta)


Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto —
um capítulo do inferno de Krutchônikh. (1)
Recorda —
atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração — aço.
Um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
No teu hall escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
Sairei correndo,
lançarei meu corpo à rua .
Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor, meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor
— duro fardo por certo —
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos — rodopiante carnaval —
dispersarão as folhas dos meus livros...
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?
Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.

[Vladimir Maiakóvski |1916 | Tradução de Augusto de Campos]

(1) Alusão ao poema "Um jogo no inferno",
de A. Krutchônikh e V. Khliébnikov.


sábado, junho 22, 2019

Baruk sem ser Spinoza




Esse é o Baruk... o carinha mais difícil de conquistar que encontrei nessa vida. Do tamanho de um sapato, e da cor de um carvão (no escuro ninguém o vê), parece que tem medo de mim. A seus olhos devo parecer uma gigante, que anda a passos largos com suas botinhas ameaçadoras e uma cabeleira comprida, loira e esvoaçante. Baruk adora destruir uma vassoura (dizem que é sua tara). Talvez ele me veja como uma bruxa.

Na tentativa de atraí-lo pra um carinho, faço com minha voz experimentos: Baruk...  BAruk... BaRUk... vem cá coisa fofa... baRuK... baruk... vem aqui... vEem... vem... lindinho. Se tento falar naturalmente ele permanece inconquistável, se tento falar mais fino, melodioso e suave, tipo quando a gente fala com criancinhas (vem tiiii fofinho), ele continua a latir, irredutível, com rabinho, orelhas e olhares de desconfiança.




Logo que entrei na casa ele latia fino e ardido o tempo todo. Agora, só de vez em quando, quero dizer, quando estou sozinha ou na companhia de dois dos meus colegas. Porém, quando seu dono (que, aliás, é um gato) chega ou está presente, ele rosna e late pra mim como um louco, correndo atrás de minhas botas e canelas (o máximo de mim que ele alcança). Diz o dono que ele faz isso porque quer mostrar serviço, além de ter muito ciúmes dele.

Já tentei de tudo para conquistá-lo: desci à sua pequena estatura, o que significa deitar no chão, esperando que ele viesse até mim. Ele até veio, mas para me morder. Ofereci-lhe ração pra que chegasse perto e comesse em minhas próprias mãos. Sabem o que ele fez? Veio, comeu rapidinho e tentou me lascar seus dentinhos finos feito alfinetes. Não sei mais o que fazer. Diz meu colega Miguel que o conquistou em não muito tempo. E, de fato, ele é cheio de graça e carinhos para com o Miguel (morro de inveja). O Márcio não dá muita bola para ele, nem ele pro Márcio. Convivem muito bem. E sem melodramas. Com o Maciel, seu dono, vive in love. E ai de mim se chegar perto dele.


[ photos by Miguel Zioli]


sexta-feira, maio 31, 2019

Miséria existencial


Das páginas de um notebook qualquer 
encontrado, parcialmente rasgado, num terreno baldio 
da cidade de São Paulo, em 03 de maio de 2018...


Acordo cedo pra fazer algumas coisas, mas minhas intenções parecem se esvanecer no tempo de um mero cruzar de pernas. Estou perdido, sem emprego, sem dinheiro e sem esperança. Me vejo numa encruzilhada da vida. Mais uma. E tudo no mundo me parece sem graça, sem brilho, sem cor, sem gosto. Minha cabeça dói e não tenho vontade de nada. Dados os acontecimentos dos últimos anos, sinto-me enganado, injustiçado, indignado e, ao mesmo tempo, sem forças ou, talvez, coragem para gritar. Procuro resistir, mas, aos poucos, a desesperança e a depressão tomam conta de mim. Tento respirar fundo, o ar me falta... 



Preciso tomar algumas decisões e não sei direito quais. Tenho a sensação de patinhar na existência (tal como disse Camus alguma vez em algum lugar). Tento meditar para me equilibrar emocionalmente, arranjar forças para continuar, para encontrar uma saída. Porém, percebo que o que mais custa é mesmo continuar. Procuro sair do meu mundinho particular, mas o que vejo é apenas caos: caos político, caos social, caos econômico, caos mundial: caos, caos, caos para todo lado. Diante desse cenário, todas as questões parecem se reduzir à sobrevivência, à minha miserável e desgraçada sobrevivência. Sobreviver, resistir, lutar, persistir, continuar. Preciso respirar. Sair. Andar...




sexta-feira, maio 24, 2019

The true idea of the human mind





Nos dias 06 e 07 de junho/2019, terei o prazer de estar na UNICAMP, a convite do Prof. Dr. Daniel Omar Perez, para falar sobre a identidade e princípio de união que constitui uma pessoa, com base na formulação dada por Hume a este tema no Tratado da Natureza Humana.



Título I

I. Hume e a concepção de sujeito num teatro sem palco

(graduação: livro I)

[06/06/2019, 19 h, sala 05 do prédio da graduação do IFCH]


Título II


II. O papel das paixões na formação do sujeito em Hume

(pós-graduação: livro II)

[07/06/2019, 19 h, prédio da pós-graduação do IFCH]



Resumo: O tema da identidade pessoal tornou-se muito debatido na filosofia moderna e contemporânea a partir da controversa formulação dada por Hume no livro I do Tratado da Natureza Humana (1.4.6). Ali Hume rejeita a tese metafísica, defendida por alguns de seus antecessores e contemporâneos, segundo a qual existe um eu substancial, incorpóreo, contínuo e invariável ao longo do tempo, dotado de identidade e simplicidade perfeitas. Hume argumenta que a atribuição de uma identidade pessoal a um sujeito é produto de uma ficção, bem como de uma tendência natural da imaginação em conectar percepções na mente por meio de certos princípios associativos. Tendo em vista esclarecer o que a filosofia de Hume tem a dizer acerca da identidade do ‘eu ou pessoa’ a partir do pensamento e da imaginação (Livro I), e o que pode ser dito sobre ela a partir das paixões e do interesse próprio (Livro II), as aulas terão como objetivo uma exposição geral do tema por meio do exame de alguns elementos articuladores centrais de sua filosofia implicados neste tópico, tais como: percepções, impressões, ideias (e seus princípios de associação), imaginação, memória, crença, paixões e the true idea of the human mind.


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Art by Matthew Spiegelman