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quarta-feira, fevereiro 24, 2010

I Jornada em História da Filosofia: Hume e a Modernidade‏

O Grupo Hume UFMG-CNPq, com apoio da FAFICH-UFMG e PROEX-PAIE/UFMG, promove a Primeira Jornada em História da Filosofia nos dias 03 e 04 de março de 2010, em Belo Horizonte.

PROGRAMAÇÃO

• 03 de Março

14:15 - 14:30 Abertura: Lívia Guimarães (UFMG)
14:30 - 16:30 Hume sem Indução: João Paulo Monteiro (USP-Universidade Nova de Lisboa)
16:30 - 17:00 Intervalo
17:00 - 19:00 O conceito de Ilustração Luso-Brasileira: Maria Beatriz Nizza da Silva (USP)

• 04 de Março

14:00 - 15:30 Hume e a Epistemologia: uma leitura: Anice Lima de Araújo (UFMG)
15:30 - 16:00 Intervalo
16:00 - 17:30 As várias vozes de Hume: Bruno Pettersen (UFMG)
18:00 - 19:00 Reunião Grupo Hume
Organização: Grupo Hume UFMG-CNPQ

sábado, fevereiro 13, 2010

Bendita curiosidade!

“There are many questions in philosophy to which no satisfactory answer has yet been given. But the question of the nature of the gods is the darkest and most difficult of all…. So various and so contradictory are the opinions of the most learned men on this matter as to persuade one of the truth of the saying that philosophy is the child of ignorance…” (Cicero The Nature of the Gods, Book I).

Well… essas são as palavras de abertura da obra acima citada. Citei em inglês porque dentre as traduções que tenho aqui, a portuguesa e a francesa, é a que me soa mais agradável aos ouvidos. E eu tenho uma relação afetiva com os meus ouvidos.

Chega a ser estranho eu dizer isso porque a língua inglesa por muito tempo enroscou em meus ouvidos. A necessidade sempre urgente de entendê-la, devido à quantidade de textos que tinha e tenho de ler nessa língua, causava-me um verdadeiro desconforto. Eu tive que aprendê-la na necessidade, numa espécie de casamento com os textos e os dicionários.

Em geral, sempre louvei a língua francesa, pela beleza sonora, a agradável melodia, e pela familiaridade e facilidade com que aprendi a lê-la. E ela continua a soar de modo muito agradável, mas acho que li tantos textos em inglês ultimamente (tomei um verdadeiro porre no bom sentido) dessa língua, que agora ela se tornou tão familiar que posso mesmo dizer que me deleito ao lê-la e ouvi-la. E isso, é claro, não tem nada a ver com qualquer desconsideração a respeito de minha amada língua-mãe. Essa é minha, e é mãe! 

Mas voltemos à citação.

Meu propósito em apresentar essa passagem de Cícero diz respeito à pergunta que faço a mim mesma todos os dias quando me debruço sobre o tema da Religião Natural em geral e, por implicação, o tópico tão delicado da natureza dos deuses.

Se, como diz Cícero, a “questão da natureza dos deuses é a mais obscura e a mais difícil de todas”, pergunto: onde eu estava com a cabeça quando resolvi mergulhar nesse pântano? Bem sei que ela estava no lugar certo, exatamente em cima do meu pescoço. Ademais, como diz Hume na voz de Panfilo ─ narrador dos Diálogos sobre a Religião Natural,

“estas questões sempre foram objeto de disputas entre os homens e, relativamente a elas, a razão humana jamais chegou a alguma conclusão segura. Apesar disso, trata-se de questões de tão grande interesse que somos incapazes de refrear nossa incansável curiosidade sobre elas, mesmo que nossas pesquisas mais acuradas não tenham produzido até agora senão dúvidas, incertezas e contradições” (DRN, introdução, p.5). Sendo assim, sinto-me justificada em meu interesse.

domingo, dezembro 13, 2009

A Filosofia, Deus e o Diabo

Se Hume está certo em afirmar que nossas crenças religiosas têm por base fatores psicológicos, tais como o medo e a esperança, e que tais fatores fazem parte da compleição do ser humano, eu, sendo uma dessas criaturas ditas humanas, devo também, de algum modo, ser suscetível a elas. Mas, notem, please, para Hume, os primeiros princípios religiosos não surgem de um instinto original ou de uma impressão primária da natureza. Eles devem ser secundários... e quem quiser entender isso terá de recorrer à História Natural da Religião, obra na qual Hume trata do assunto. Se eu me detiver aqui não chegarei aonde quero.

Ora, ora...
Isso não significa que eu possa afirmar (ou mesmo acredite) que Deus existe na realidade, mas que, de algum modo, e a despeito de sua alegada existência, ao menos tenho a ideia dele, ou, digamos assim, eu penso nele. Acho que nunca pensei tanto em Deus como quando comecei a estudar filosofia (e  comecei já na iminência de completar 37 anos). Confesso que demorei um pouquinho para entender por que Deus (a sua existência, a sua natureza ou, simplesmente, a ideia que temos dele) se constitui num dos grandes problemas filosóficos. Deus, até então, era para mim um ser cuja possibilidade ou não de existir não fazia exatamente parte de meus escrutínios, embora, às vezes, e de algum modo, ele se apresentasse à minha mente sobretudo nas horas de culpa, sofrimento, medo e esperança, como diz Hume.

Bom, nem sempre o Deus que se apresentava à minha mente era esse Deus monoteísta cristão. Tanto que por oito anos, os oito imediatamente anteriores aos meus 37, fui budista. E antes, "meditante", e antes, digamos, “procurante”.

Hoje, quanto mais penso em Deus (independentemente de se ele existe ou não), mais tenho a certeza de que sua suposta natureza, atributos e planos permanecem incertos e ocultos, e que Hume me parece estar certo quando diz que estas são questões indecidíveis, apesar de serem perfeitamente concebíveis pela mente.

É tese de Hume também que se a ideia de Deus é concebida pela mente, sua existência é possível, mas também, por diversas razões, pouquíssimo provável (tese que também não vou tratar aqui). Levanto esse assunto não para discutir filosoficamente essas questões (acho que uns diriam aqui: ainda bem! outros: ah, que pena!). Levanto o assunto para contar uma história.

Lembro-me vividamente de uma noite (acho que eu tinha mais ou menos uns 6 ou 7 anos) em que minha avó fez um discurso de que filha malcriada, especialmente com a mãe, o pai, ou mesmo a avó (e eu havia praticado um ato malcriado qualquer, na verdade, acho que tinha apenas sido desobediente), cometia um grandessíssimo pecado e, muito provavelmente (só que ela discursava com um ar de muito certamente), iria, quando morresse, pagar meus pecados ardendo no mármore do inferno.

Minha avó descrevia o diabo com chifres, rabo comprido, pele grossa e carbonizada, enormes asas de morcego, olhos fulminantes e cara de besta-fera que baba maldade e se delicia com ela: a maldade escorre pela boca e ele lambe de volta pra não deixar escapar nem um pouquinho. Tudo isso, claro, num cenário vermelho fogo repleto de almas penadas, típico de um inferno.

Depois ela descrevia Deus com aqueles atributos tradicionais de suprema benevolência, onisciência, onipresença e onipotência, com ar sereno e cara de bonzinho. Deus me olhava do alto daquele céu azul plácido e tranquilo. Mas notem: Deus estava bravo comigo e me recriminava.

Nosssa! Chorei a noite inteira morrendo de medo dos castigos do inferno. E olhem que eu tinha feito apenas uma bobagenzinha, tanto que nem me lembro que “pecado horroroso” era esse que havia cometido. Eu me contorcia e chorava mergulhada em culpa, arrependimento e medo. Acho mesmo que fiquei doente. Suplicava perdão àquela figura esplêndida, na esperança de escapar do inferno. E prometia que dali pra frente eu seria a menina mais boazinha e obediente do mundo (é claro que nunca cumpri essa promessa rs). Ai que angústia! Que tortura! Que pesadelo tive naquela noite (se é que dormi de fato! na verdade, acho que fiquei in delirium tremens).

Bom, minha fase cristã não durou muito. Minhas dúvidas em relação a Deus, ao cristianismo e às religiões em geral, aumentavam conforme eu crescia, até que hoje, bem mais esclarecida, penso: ainda bem que cresci e comecei a estudar filosofia ─ uma maneira (que também não vou explicar aqui) de escapar desses tormentos e superstições.

Hoje cometo lá meus pecadinhos (já que não sou perfeita), mas não tenho pesadelos com Deus e o Diabo. Basta, para que eu me redima das faltas que cometo, que minha consciência moral me acuse, seja esta ditada pela minha razão ou pelos sentimentos naturais de ser simplesmente e demasiada humana.

quarta-feira, novembro 11, 2009

Vaidade das vaidades: uma paixão vital


Hoje resolvi fazer aquela brincadeira de abrir um livro numa página qualquer para saber o que ele teria a me dizer de interessante, e que eu pudesse fazer comentários, de preferência, também, interessantes rs. Isso foi às 7:00 hs da manhã, quando me preparava para ir à academia cuidar um pouco, se Platão estiver certo, do cárcere da minha alma. Ora, se tenho de manter minha alma durante toda a minha vida num cárcere, que seja, então, num cárcere bem cuidado e agradável de se habitar.

Escolhi abrir o livro das citações de Eduardo Gianetti, já que ali se encontram boas e interessantes citações, especialmente, de filósofos e literatos. Perguntei a mim mesma: o que este belo e bom livro tem a me dizer right now? Abri, assim, ao acaso, na página 226, capítulo III.8 sobre “Ética pessoal: vícios, virtudes, valores”, intitulado, Vanitas Vanitatum, et Omnia Vanitas (Vaidade das vaidades, tudo é vaidade). Aliás, devo confessar, sem cerimônia, um título muito apropriado à ocasião, à minha própria pessoa e, conforme a opinião da maioria das mais eminentes figuras deste mundo, muito apropriado a qualquer pessoa; poder-se-ia mesmo dizer: a vaidade é própria da natureza humana.

É claro que ela deve variar em grau ou intensidade de pessoa para pessoa, mas, ao fim e ao cabo, o que eles dizem é que somos todos seres vaidosos (je suis d’accord). E isso, pelo que se vê, ocorre tanto pelo bem quanto pelo mal. Porém, em geral, fala-se da vaidade como algo muito negativo, uma guerra entre egos obesos (sabe-se que o desejo de admiração, reconhecimento e glória, quando levado ao exagero, transforma-se num dos sete pecados capitais). Todos se vangloriam de perceber a vaidade nos outros, mas quase ninguém a percebe em si próprio (o que não é o meu caso: percebo nos outros e em mim própria haha). Embora possamos mesmo constatar a existência de uma verdadeira guerra de vaidades entre as pessoas, num sentido negativo, por outro lado, penso que a vaidade, numa certa medida e, de preferência, na medida certa (quem sabe qual é?) é uma característica positiva da nossa natureza: uma paixão vital!


Ao que tudo indica, Malebranche (La recherche de la verité) concordaria comigo (rs, na verdade, eu é que concordo, em parte, com ele), pois eis o que o eminente padre diz: “Os homens não estão cientes do calor que emana de seu coração, embora ele dê vida e movimento a todas as outras partes do seu corpo. [...] O mesmo se dá com a vaidade: ela é tão natural para o homem que ele não a percebe. E, embora seja isso que dê, por assim dizer, vida e movimento à maioria dos seus pensamentos e desígnios, isso ocorre de um modo que é imperceptível para o sujeito”. Bom, eu diria quase imperceptível, tanto que na sequência Malebranche usa o termo ‘suficientemente’. “[...] Os homens não percebem suficientemente que é a vaidade que dá ímpeto à maioria de suas ações” (p.224). Não sei se na sequência da obra Malebranche depreciará o valor da vaidade (pois a citação se encerra aí), mas, a partir do que foi dito acima, pode-se reconhecer que a vaidade é, no mínimo, um elemento essencial em nossa vida.

La Rochefoucauld (Maxims), por sua vez, ao que parece, também concebe de modo positivo a presença da vaidade em nossa natureza quando afirma: “a virtude não iria longe se a vaidade não lhe fizesse companhia” e que “se alguma vez chegamos a admitir as nossas deficiências, fazemos isso por vaidade” (p.226).

Adam Smith (The theory of moral sentiments) segue mais ou menos a mesma linha quando assinala: “o desejo de obter a estima e a admiração de outras pessoas, quando se dá por meio de qualidades e talentos que são objetos naturais e apropriados da estima e da admiração, é o amor real da verdadeira glória; uma paixão que, se não é a melhor da natureza humana, está certamente entre as melhores. A vaidade é com freqüência nada mais que a tentativa de usurpar prematuramente essa glória antes que seja devida. Embora seu filho, antes dos vinte e cinco anos, não passe de um pretensioso, não desespere, por isso, de que ele se torne, antes de chegar aos quarenta, um homem sábio e valoroso, com real aptidão para todos os talentos e virtudes em relação aos quais não passa, no presente, de um vazio e exibido dissimulador. O grande segredo da educação reside em direcionar a vaidade para os objetos apropriados” (p.232-233).

Hugh Blair (On the proper estimate of human life) pensa que “embora todos os homens estejam de acordo sobre a doutrina geral da vaidade do mundo, tal é a sedução do amor-próprio que, não obstante, quase todos se vangloriam de que o seu próprio caso é uma exceção à regra comum” (p.224).

Na linha dessas reflexões, Nietzsche (Human, all too human), talvez o mais assumido vaidoso de todos os vaidosos, aquele que explica, em Ecce Homo, por que ele é tão sábio, tão inteligente e por que escreve livros tão bons, dá a velha e habitual alfinetada: “Aquele que nega possuir vaidade normalmente a possui de forma tão brutal que instintivamente ele fecha os olhos diante dela para não se ver obrigado a desprezar a si mesmo” (p.226).

Carlos Drummond de Andrade (Passeios da ilha), por seu turno, fala de si próprio do seguinte modo: “por muito que examine a minha vaidade, não lhe vejo o mesmo tom desagradável da dos outros. O que é uma vaidade suplementar” (p.224).

Já Hume abre sua autobiografia “My Own Life” escrevendo: “é difícil para um homem falar por muito tempo de si mesmo sem vaidade, portanto serei breve” (p.233).

Para encerrar, deixo aqui as palavras de Pascal (Pensées) a respeito do assunto:

“A vaidade está tão arraigada no coração do homem que um soldado, o ajudante de um soldado, um cozinheiro, um porteiro, todos vivem a se gabar e a procurar admiradores, e mesmo os filósofos [eu diria que, em geral, principalmente os filósofos] desejam tê-los. E aqueles que escrevem contra a vaidade desejam ter a glória de escrever bem; e aqueles que leem o que estes escreveram desejam a glória de ter lido isso; e eu, que escrevo este ataque à vaidade, talvez alimente também o mesmo anseio de glória: e talvez também os que leem isto” (colchetes meus, p.228).


(Citações extraídas de GIANETTI, Eduardo. O livro das citações: um breviário de ideias replicantes. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 [cap. III8]. As páginas referem-se às citações encontradas no livro de Gianetti, e não às encontradas nas obras dos autores citados).

quarta-feira, outubro 14, 2009

Hume and Burke na UFMG



Grupo Hume Convida

Dario Perinetti

(Université du Québec à Montréal)

Local: Sala 4094 – Fafich/UFMG

Data: 21 e 22 de Outubro - Horário: 9:30

Com as palestras

Dia 21: Hume’s sceptical solutions to sceptical problems


Dia 22: Hume and Burke on aesthetic judgment

(As palestras serão realizadas em Espanhol e Inglês)

Promoção: Grupo Hume UFMG/CNPQ


Apoio: Programa de Pós Graduação em Filosofia

Departamento de Filosofia

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas FAFICH/UFMG

domingo, agosto 30, 2009

Programação I Encontro Hume (IUPERJ)

Segue abaixo a programação do I Encontro Hume que acontecerá nos dias 02 e 03 de outubro/2009, no IUPERJ


02 outubro - Sexta feira

09:00 - 10:00 Abertura com Renato Lessa
10:30 - 11:00 Mário Sérgio da Conceição Oliveira Junior (UFPA)
Hume e a Condição Estética
11:00 - 11:30 Rafael Fernandes Barros de Souza (UNICAMP)
Da uniformidade de gosto
11:30 - 12:00 Julio Andrade Paulo (UFMG)
A beleza e a virtude no Tratado da Natureza Humana
12:00 - 12:30 Debate
12:30 – 14:00 Almoço
14:00 – 14:30 Marília Côrtes de Ferraz (USP-FAPESP)
Hume e a crença na vontade livre
14:30 – 15:00 Giovani Mendonça Lunardi (UFRGS) A distinção entre “sentir” (to feel) e experimentar” (to experience) na filosofia moral de Hume
15:00 – 15:30 Marcos Ribeiro Balieiro (USP)
Sociabilidade e progresso em David Hume15:30 – 16:00 Debate
16:00 – 16:30 Café
16:30 – 17:00 Thais Cristina Cordeiro (IUPERJ)
A moral demonstrativa em Locke: uma leitura segundo Hume
17:00 – 17:30 Luís Alves Falcão (IUPERJ)
Os fundamentos da Economia Política em David Hume: a Economia como Ciência Moral
17:30 – 18:00 André Luiz de Jesus Rodrigues (IUPERJ)
As fragilidades do real: O regime de contingência em Montaigne, Hume e Montesquieu
18:00 – 18:30 Debate

03 outubro - Sábado

08:00 – 08:30 Rogério Soares Mascarenhas (UFBA)
O Estatuto da Ficção no Tratado da Natureza Humana
08:30 – 09:00 Diogo Bogéa (UERJ-FFP)
David Hume e o sujeito como ficção
09:00 – 09:30 Andreh Sabino Ribeiro (UFCE)
Hume, Sócrates Baconiano
09:30 – 10:00 Debate
10:00 – 10:30 Café
10:30 – 11:00 André Luiz Olivier da Silva (UNISINOS)
O ceticismo de Hume desde uma perspectiva naturalista
11:00 – 11:30 Anice Lima de Araújo (UFMG)
Hume e o Naturalismo
11:30 – 12:00 Andrea Cachel (USP-IFPR)
Idéias abstratas em Hume: o simples e a relação
12:00 – 12:30 Debate
12:30 – 14:00 Almoço
14:00 – 14:30 Matheus Batista dos Reis (UFMG)
Uma análise sobre as diferenças entre os sistemas filosóficos de David Hume, Thomas Reid e James Beattie
14:30 – 15:00 André Vinícius Dias Senra (UFRJ – HCTE)
Crítica Fenomenológica de Husserl ao Empirismo de Hume
15:00 – 15:30 Bernardo Bianchi Barata Ribeiro (IUPERJ)
Algumas afinidades entre Spinoza e Hume
15:30 – 16:00 Cesar Kiraly (IUPERJ-PUC-RIO)
Hume e Nelson Goodman: sobre a causalidade e a ausência de por quê
16:00 – 16:30 Debate
16:30 – 17:00 Café
17:00 – 18:00 Encerramento com Lívia Guimarães
18:00 - Reunião

sábado, agosto 29, 2009

Hume e a crença na vontade livre

Na seção VIII da Investigação sobre o Entendimento Humano, Hume observa que “mais da metade dos raciocínios humanos” estão baseados em expectativas “acompanhadas de maiores ou menores graus de certeza” (IEH VIII i 20: 122) sobre como os seres humanos se comportarão em determinadas circunstâncias. Tais expectativas, de acordo com sua teoria, estão fundadas na observação e experiência passadas da uniformidade e regularidade de seus comportamentos. Hume argumenta também que é possível perceber que, embora criemos expectativas em relação ao comportamento dos homens e esperemos que eles ajam de acordo com elas, quando consideramos a nós mesmos, a escolha da ação nos parece livre. Quer dizer, quando somos nós que agimos, para cada ação que praticamos, sentimos que somos livres ─ o que não constitui propriamente um problema para Hume, haja vista ele, ao admitir que possuímos liberdade da ação, esposar a tese de que nós de fato somos livres. Mas o fato de nos sentirmos portadores de uma vontade livre é problemático, à medida que Hume não admite a liberdade da vontade. Segundo Hume, temos uma “falsa sensação ou experiência aparente de liberdade ou indiferença [...] em muitas de nossas ações” (IEH VIII i 22 nota: 125). Ele afirma: “Sentimos que nossas ações estão sujeitas à nossa vontade na maioria das ocasiões, e imaginamos que sentimos que a vontade, ela própria, não está submetida a nada” (IEH VIII i 22 nota: 126), isto é, sentimo-nos livres da determinação natural ou da necessidade. Ora, por que isso acontece? Por que do ponto de vista do observador sentimos a necessidade das ações e do ponto de vista do agente não a sentimos, ao contrário, sentimos que nossa vontade é livre? Hume é enfático ao afirmar que “os atos da vontade decorrem da necessidade” (T 2.3.1.15: 441) e que quem nega isso não sabe o que diz. Ao constatar que os homens resistem a esse princípio, o autor reflete sobre quais seriam as razões que fazem com que toda a humanidade tenha tamanha relutância em expressar verbalmente a admissão da doutrina da necessidade, tanto na prática quanto nos raciocínios e, ao mesmo tempo, demonstre tamanha inclinação para defender a da liberdade. Com base nisso, pretendo expor e analisar as razões que, segundo Hume, levam os homens a assumirem a crença na vontade livre.

domingo, julho 12, 2009

I Encontro Hume

Nos dias 02 e 03 de outubro de 2009 ocorrerá o
I Encontro Hume no IUPERJ. Poderão enviar resumos, alunos de Graduação e Pós-Graduação que desenvolvem seus estudos em David Hume. O resumo deverá ser enviado até o dia 15 de agosto de 2009 para o email: encontrohume@gmail.com contendo os seguintes dados:

Nome:
Instituição:
Orientador:
Título do trabalho:
Resumo: 


A seleção dos participantes será realizada mediante a avaliação do resumo da comunicação que deverá conter de 200 a 500 palavras e explicitar o percurso argumentativo e os principais conceitos que serão desenvolvidos na apresentação. Cada comunicação terá a duração máxima de 30 minutos. As mesas serão organizadas de modo a promover o diálogo entre os participantes e destes com a audiência. Ao fim das apresentações dos integrantes de cada mesa, haverá um período destinado ao debate.

No dia 30 de agosto serão divulgados os nomes dos participantes do Encontro e no dia 15 de setembro será divulgada a programação oficial do evento. Demais informações poderão ser obtidas através do blogs:
http://www.grupohume.blogspot.com/
http://www.estudoshumeanos.com/
ou do e-mail: encontrohume@gmail.com

segunda-feira, outubro 27, 2008

XIII Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da Unioeste/Toledo


Entre os dias 27 e 31 de outubro acontece o XIII Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da Unioeste de Toledo, e eu estarei lá!!!
Eis o resumo da minha comunicação:

RELIGIÃO E MORALIDADE NA FILOSOFIA DE HUME


Penso que a crítica de Hume à religião insere-se em seu projeto maior de construir uma filosofia moral, ou ciência da natureza humana, ao mesmo tempo em que visa destruir a má metafísica ou metafísica das escolas, conforme distinção que ele mesmo apresenta em algumas passagens espraiadas por suas obras. No § 12 da seção I da Investigação sobre o Entendimento Humano (IEH), por exemplo, Hume diz: “devemos dedicar algum cuidado ao cultivo da verdadeira metafísica a fim de destruir aquela que é falsa e adulterada”. Para realizar esse objetivo, Hume debruça-se sobre o tema da religião natural e revelada a fim de examinar a validade dos argumentos em favor da existência de Deus (ou Deuses), seus atributos e plano providencial. Nesse sentido, a seção XI da IEH, acredito, pode e deve ser vista como uma importante peça introdutória da crítica que Hume faz ao argumento do desígnio ─ segundo o qual a existência de um criador infinitamente benevolente, justo e sábio pode ser inferida a partir da ordem e da beleza do mundo ─ bem como um componente de sua crítica à Religião Natural em geral. Podemos encontrar nesta seção muitos argumentos que serão desenvolvidos de maneira mais profunda e completa nos Diálogos sobre a Religião Natural (DRN). Todavia, embora Hume se sirva nesta seção do argumento do desígnio como um instrumento de sua crítica à religião em geral, seu alvo principal é, conforme o título indica, discutir a existência de uma providência particular e de um estado vindouro. O ponto de Hume é mostrar que não temos boas razões para argumentar em favor de uma providência particular e de um estado vindouro com base neste argumento, embora revele que não está, propriamente, a negar a existência divina. Ao contrário, ele enfatiza que o principal ou único argumento aceitável em favor dela deriva da ordem natural. Mas a seção abrange também aspectos ulteriores. Hume defende que negar a providência divina e uma vida pós-morte não ameaça a ordem social e política, uma vez que a moral, entendida aqui especialmente como um dos pré-requisitos para a manutenção da paz da sociedade e segurança do governo, pode, conforme algumas teses defendidas por ele, ser fundamentada ao longo de linhas laicas, sem qualquer apelo a mandamentos morais divinos. No Tratado da Natureza Humana (TNH), ao tratar do tema da liberdade e responsabilidade moral, Hume diz que a religião tem sido desnecessariamente envolvida nessa questão. Ali ele assinala um péssimo expediente em discussões filosóficas “tentar refutar uma hipótese a pretexto de suas conseqüências perigosas para a religião e a moral”. A hipótese da qual Hume fala neste contexto é sua teoria da necessidade, conforme nos mostra a seguinte passagem: “a doutrina da necessidade, segundo a minha explicação, é não apenas inocente, mas vantajosa para religião e a moral” (TNH 2.3.2.§ 3-4). Como podemos perceber, Hume alega que suas críticas são inocentes à religião e à moral. Não obstante, sua crítica não só foi vista como prejudicial à religião em geral, mas de maneira tal que nenhum antecessor seu a empreendeu. Em relação à seção XI da IEH, pode-se dizer que o problema de Hume gira em torno de saber o quanto as questões religiosas dizem respeito ao interesse público. A seção é escrita na forma de um diálogo entre Hume e um amigo. Esse amigo assumirá o papel de Epicuro e fará de Hume “a parcela mais filosófica” do povo de Atenas. Note-se que ao proceder assim, Hume desloca a discussão no tempo e no espaço, o que pode ser particularmente importante à medida que se discute a necessidade que Hume tinha de servir-se de estratagemas literários para proteger-se da censura de seu tempo àqueles que criticavam a religião. Ironia, recursos literários e retóricos, afirmações contraditórias, todos esses elementos podem ser encontrados em seus textos, o que torna particularmente difícil identificar as intenções e real posição de Hume em relação à religião. Na narrativa da seção XI da IEH, por exemplo, Hume transfere a responsabilidade dos argumentos a personagens históricos (no caso de Epicuro) e imaginários (como a “parcela mais filosófica do povo de Atenas”, representada pelo próprio Hume). Mutatis mutandis a mesma estratégia aparecerá nos DRN, obra em que o autor não se exprime em seu próprio nome, dando lugar, assim, ao afrontamento de teses e argumentos concorrentes.  Vale lembrar que a seção XI da IEH foi escrita originalmente em forma de Ensaio cujo título era Das Conseqüências Práticas da Religião Natural. Mas, conforme pretendo mostrar, Hume ─ na voz do amigo que defende princípios epicuristas ─ argumentará que não ocorre, de fato, nenhuma das supostas conseqüências corrosivas para moral, a sociedade e segurança do governo.

sábado, outubro 04, 2008

Anpof 2008


Entre os dias 06 e 10 de outubro/2008, grande parte dos estudiosos de filosofia deste país participarão em Canela-RS do XIII Encontro Nacional de Pós -Graduação em Filosofia da ANPOF. E eu não poderia deixar de fazer o mesmo. Abaixo segue o resumo do trabalho que apresentarei no evento:


DIVINDADE, IMPUTAÇÃO E MAL MORAL EM HUME



Nos Diálogos sobre a Religião Natural o personagem Philo argumenta que, dada a existência do mal, a existência de uma mente criadora do universo somente pode ser aceita se essa mente for ou impotente ou portadora de deficientes qualidades morais. Nesse sentido, Philo contundentemente declara: “As velhas questões de Epicuro permanecem sem resposta. A Divindade quer evitar o mal, mas não é capaz disso? Então ela é impotente. Ela é capaz, mas não quer evitá-lo? Então ela é malévola. Ela é capaz de evitá-lo e quer evitá-lo? De onde, então, provém o mal” (Diálogos X)? O apelo à evidência das falhas e imperfeições do mundo, abundantemente mencionadas na parte X dos Diálogos, serve a Hume não exatamente para refutar o argumento do desígnio, mas para interpor um limite às inferências que a analogia das mentes inteligentes tenta estabelecer, em especial, às inferências sobre os atributos divinos. Efetivamente, a hipótese de que o mundo teria sido planejado por um Deus bondoso é enfraquecida com o reconhecimento dos males naturais e morais. Ou seja, é até possível que o argumento do desígnio possa ser aceito, mas de modo algum ele poderia implicar a atribuição de perfeição, máxima bondade e justiça à divindade, tal como pretende a crença específica do cristianismo. Ora, se tais atributos se vêem enfraquecidos com o incontornável reconhecimento da existência do mal no mundo, uma possível base religiosa para a moralidade torna-se, assim, também enfraquecida. A partir desse aspecto da crítica humeana ao argumento do desígnio, meu objetivo será examinar a possibilidade que Hume oferece de discutirmos a moralidade sem qualquer apelo a noções teológicas e religiosas.

quarta-feira, agosto 27, 2008

Professor João Paulo Monteiro na UEL


O Professor João Paulo Monteiro, professor de filosofia da USP, realizará uma conferência na UEL sobre “Problemas da Filosofia de Hume”. Um dos maiores especialistas no pensamento de Hume, internacionalmente reconhecido, João Paulo Monteiro fará sua conferência dia 28 de agosto/2008, quinta-feira, na sala de eventos do CCH/UEL, a partir das 19 horas. Após a palestra, haverá debate entre o professor convidado, os professores Marcos Rodrigues da Silva (UEL), Marília Côrtes de Ferraz (Unioeste/PR e doutoranda USP) e Andréa Cachel (doutoranda USP).

O evento é promovido pelo Departamento de Filosofia, Especialização em Filosofia Moderna e Contemporânea e Especialização em Filosofia Política e Jurídica. A entrada é franca. Para os interessados em receber certificado de participação, a taxa de inscrição é de R$ 5,00 (cinco reais) e pode ser feita no local.

O professor João Paulo Monteiro é autor de diversos estudos sobre a filosofia de Hume. Dentre seus principais livros podemos destacar: “Hume e a Epistemologia” e “Novos Estudos Humeanos”.

domingo, junho 15, 2008

Natureza atroz, paixão atroz... dúvidas atrozes!

Esse post refere-se ao comentário que o Aguinaldo fez ao meu post imediatamente anterior a este. Ali ele levanta uma questão que é, de fato, uma verdadeira e grande pedra no meu sapato. Não estudo (ao menos suficientemente), nem estudei tanto assim as paixões humeanas para apresentar uma solução clara aos problemas que emergem de sua teoria.

Aguinaldo: sei que sua pergunta reclama uma resposta ao problema da liberdade e responsabilidade moral, um problema cuja melhor solução você acredita que é Kant quem dá. Eu, sinceramente, sou uma vacilante ainda quanto a esse ponto.

Veja bem, no fundo, não acho que você sente paixão por um time de futebol (e não é qualquer time rsr) à revelia de sua vontade, mas sim de suas paixões, o que, segundo Hume, não são a mesma coisa. Ao contrário, seguindo os passos de Hume, você estaria determinado a querer isso pela sua própria vontade e não à revelia dela. Quer dizer, sua vontade quer isso (admito que isso soa bem esquisito e que vou ter de pensar mais, pois acho que me meti numa sinuca de bico). Se algo ocorre à sua revelia (à revelia do homem Aguinaldo) são suas paixões frente a esse objeto chamado Inter, que, nesse caso, são paixões violentas e não paixões calmas ─ distinção crucial que não considerei em meu comentário anterior, assim como a distinção entre paixões fortes e fracas. Eu não queria (e continuo não querendo) entrar nessa complexa dinâmica das paixões. Gostaria apenas de lembrar que aquilo que entendemos por razão, no domínio das questões de fato, para Hume, não passa de uma paixão calma.

E, talvez, para acalmar os ânimos dos defensores da liberdade (e eu me incluo aqui, pois o meu também se exalta, principalmente quando estou violentamente apaixonada), Hume diria que “o que se chama de firmeza de caráter implica o predomínio das paixões calmas sobre as violentas” (T 2.3.3), e daí a possibilidade de regularmos nossa conduta de modo a agirmos moralmente ─ já que a moral humeana, bem entendida, repousa, em última instância, na natureza humana, em seus sentimentos de aprovação e censura, prazer e dor, quer dizer, repousa nas paixões que sentimos diante de certas ações, comportamentos, inclinações ou, digamos assim, objetos.

Diga-me, você torce pelo Inter à revelia de sua vontade? Você não quer torcer pelo Inter? Desculpe-me perguntar, não quero de modo algum ferir seus sentimentos (ou suas paixões) com minhas perguntas, mas, investiguemos... por que, então, você não passa agora a torcer para outro time de futebol? Nem é preciso que você traia seu Estado. Por que você não exerce a autonomia de sua vontade e a determina a torcer, a partir de então, pelo Grêmio (ai... calma... sorry)? Você não quer torcer pelo Grêmio? Faltam-lhe boas razões para isso? Ou será que lhe faltam paixões? Sua vontade não é livre para querer diferentemente? Onde está, ao menos nesse caso, a sua autonomia volitiva?

Ai, que dúvidas atrozes! Minha vontade é ou não livre? Eu posso ou não querer diferentemente do que quero? Ai, como eu sofro... shuiff!

sábado, outubro 13, 2007

Operações da Matéria e Ações da Mente: A Tese Humeana da Unidade Explicativa



Unioeste: Campus de Toledo: de 15/10/2007 a 19/10/2007

Resumo: Hume oferece na Investigação sobre o Entendimento Humano (IEH) e no Tratado da Natureza Humana (T) importantes reflexões que visam elucidar a controversa relação entre liberdade e necessidade — ou seja, em que sentido esses conceitos são compatíveis ou incompatíveis. Hume, em seu exame das noções de liberdade e necessidade anuncia introduzir novidades que prometem ao menos algum resultado na decisão dessa controvérsia. Ele propõe um “projeto de reconciliação (reconciling project)” que consiste em mostrar que liberdade e necessidade são perfeitamente compatíveis entre si, e que afirmar que as ações humanas são livres não é afirmar que estejam misteriosamente fora do âmbito da necessidade, mas apenas que se realizaram sem constrangimento. A chave para a reconciliação humeana verteria sobre o significado da palavra ‘necessidade’ em sua discussão sobre a necessidade causal - uma consideração que torna a causação das ações compatível com a liberdade. Do ponto de vista humeano, não é preciso, nem justificável, qualquer comprometimento ontológico com a existência de um poder causal nos objetos ou a adesão à velha metafísica das causas primeiras. A necessidade é uma idéia e, como tal, só pode ser encontrada na mente de quem observa as coisas e não nas próprias coisas. Segundo Hume, nada que possamos observar em um objeto ou evento anteriormente à experiência provê uma razão para esperarmos que algum tipo de efeito se siga necessariamente a outro. Percebemos tão-somente conjunções constantes entre aquilo que costumamos designar como causa e seu efeito e, através disso, percebemos que um evento segue-se regularmente a outro. Os princípios epistemológicos que fundamentam a teoria de conhecimento humeana, relativos às idéias de liberdade e necessidade, são os mesmos para ações dos corpos e ações da mente. Nesse sentido, há, na teoria de Hume, um monismo explicativo ou metodológico, ou, como se poderia dizer, um monismo epistemológico. Hume mostra que a partir da inferência das motivações para as ações voluntárias podemos explicar o conhecimento histórico, a política, o fundamento da moral e a crítica estética. É evidente que não escapa a Hume a impossibilidade de explicar todos os aspectos da vida humana. O que ele busca é uma estrutura geral dentro da qual essa tarefa pode ser feita. A ciência humeana do homem intenta explicar os diversos fenômenos da vida humana apelando a princípios gerais, tal como a teoria newtoniana proveu explicações de por que as coisas no mundo da natureza acontecem como acontecem. Pode-se dividir a disputa sobre a necessidade e liberdade em dois problemas: um de ordem epistemológica e outro de ordem moral. O epistemológico é se as ações humanas são, de fato, causalmente determinadas por condições antecedentes. O moral refere-se às implicações do determinismo para a moralidade em geral e, especialmente, para a responsabilidade moral. Nesta comunicação pretendo discutir as conseqüências epistemológicas do compatibilismo humeano.

domingo, julho 22, 2007

A filosofia e a morte


[ Natureza Morta com Livros | Fernando Botero ]

Este pequeno espaço do meu quarto, no qual durmo, sonho e estudo, guarda muitos assuntos. Vocês sabem, uma de minhas principais atividades é estudar filosofia. Ao pensar num desses assuntos para escrever neste blog (que aliás estava formando teias de aranha, de tanto tempo faz que não escrevo) resolvi folhear uma de minhas cadernetas de anotações. Ao folheá-las encontrei várias notas sobre diversos autores e temas. Leio várias observações sobre Hume. Continuo a folhear e dou de cara com alguns parágrafos que traduzi de um texto de Penelhum, depois de J. Bricke, Barry Stroud, Georges Dicker, enfim, leio uma variedade de pequenos comentários. Percebo que quase toda ela, ao menos esta caderneta que está agora em minhas mãos (tenho várias, e elas marcam sempre um período de estudos), consiste em anotações sobre Hume e seus comentadores, ou seja, comecei a escrever nesta por ocasião do meu mestrado. Folheio mais um pouco e encontro questões, dúvidas, termos desconhecidos, expressões estrangeiras, latim, grego, inglês, francês - quase chego a acreditar que sou erudita mesmo (e principalmente modesta rsrsrsr). Mas eu não sou nada disso, nem erudita e nem modesta hahaha. Mais algumas páginas e encontro já algumas observações sobre o meu doutorado, especialmente indicações bibliográficas que deverão ser consideradas. A cada página um cabedal de digressões, divagações e excursões que vão de Heráclito, Parmênides e Platão, a Agostinho, Tomás de Aquino, Descartes... Enfim, esse caderninho contém um pequeno diálogo sobre esse grande diálogo que é a história da filosofia: ele traz uma pluralidade de vozes, autores, teorias, pensamentos e opiniões.


Bom, como quem brinca de mamãe mandou escolher aquele ali, mas como eu sou teimosa escolho este daqui, penso em expor algumas notas que fiz sobre Epicuro. A que mais me chama a atenção neste momento diz respeito à morte. Pensar na morte é para mim, num certo sentido, pensar na vida, na minha vida, na vida dos outros e na vida em geral. E eu estou particularmente inspirada pelo mais recente e nefasto acontecimento do maior acidente, até então, da história da aviação brasileira. Fiquei a pensar se as palavras de Epicuro poderiam servir de consolo àqueles que no momento sofrem a trágica perda de seus entes queridos.

Diz Epicuro (341-270 a.C): “Habitua-te a pensar que a morte nada é para nós, visto que todo o mal e todo o bem se encontram na sensibilidade: e a morte é a privação da sensibilidade" (Antologia de Textos, p.14). Quer dizer, a morte é simplesmente a dissolução do agregado corpóreo a que pertence a sensibilidade. Dessa perspectiva, a morte não existe para nós enquanto vivemos, assim como não existimos para ela quando surge, uma vez que já não existe sensibilidade ou capacidade de sofrimento.


Bom, certamente esse trecho, se não de maneira impossível, dificilmente contribuiria para amenizar a dor daqueles que sofrem a perda de pessoas queridas. Penso que essa passagem, se bem compreendida e experimentada, é capaz de tocar apenas o próprio espírito (talvez, apenas, de um espírito sobre-humano), e é apenas este, ao pensar na própria morte (e que para isso tem de estar vivo), que pode alcançar aquela imperturbabilidade de espírito (ataraxia) conquistada pelo domínio de si.

Ora, para Epicuro, a filosofia tem função terapêutica e deve libertar a alma (ou o espírito) das perturbações que a abalam. É o que se depreende da afirmação “Deves servir à filosofia para alcançar a verdadeira liberdade” (Antologia de Textos, p.13). Nesta obra encontramos também a seguinte declaração: “Assim como realmente a medicina em nada beneficia se não liberta dos males do corpo, assim também sucede com a filosofia se não liberta das paixões da alma” (p.13). Tais males e paixões que nos dominam têm suas origens naquilo que Epicuro chama de quatro erros ou falsas opiniões, a saber, o temor dos deuses, o medo da morte, o desejo ardente de prazeres e o pesar pelas dores. No caso daqueles que sofrem a morte de seus entes queridos é o pesar pelas dores da perda e a saudade que tristemente perturbam seus inconsoláveis espíritos.

segunda-feira, abril 02, 2007

A destruição do mundo ou um arranhão em meu dedo?


Numa noite dessas recebi um telefonema do Aguinaldo dizendo que ao tentar trocar a lâmpada da cozinha cortou de maneira dramática seu dedo no lustre. É claro que o drama maior estava no modo como ele contava do que propriamente no corte. Ele tem o poder de deixar a gente sem saber qual é mesmo a verdade, se está a brincar e, se pudermos falar em graus de verdade, qual é esse grau. Fiquei um tanto desconcertada porque, a distância (e eu estava impossibilitada de ir até lá), não poderia fazer nada, a não ser dizer algumas palavras de conforto. Na manhã seguinte enviei-lhe um e-mail assim:
- Bom dia! Sarou o dedinho? Precisa de algo? Beijos!

E ele, com aquela sempre endiabrada mente filosófica, enviou-me a provocação que se segue:
- Oi. Segundo o grande filósofo escocês, "não é contrário à razão eu preferir a destruição do mundo inteiro a um arranhão em meu dedo" (T: 2. 3. 3). O que você acha? A mim, não convence. O meu dedo está bom. Beijo.

Aguinaldo sabia que eu conhecia essa passagem do Tratado da Natureza Humana de Hume. Ele sabia também que sua provocação atingiria meu punctum pruriens (explico depois o que isso significa), afinal, eu já havia me incomodado muito com essa passagem. Fui lá no Tratado conferir e apresentei-lhe a seguinte resposta como conclusão (passível de revisão, é claro!).

Caro Aguinaldo: a mim também não convence. E nem acho que Hume queira mesmo nos convencer disso. A meu ver, a afirmação é capciosa e serve de estratagema para corroborar sua tese de que as paixões, como móbiles das ações, têm primazia sobre a razão, ou seja, de que “a razão é, e deve ser, apenas a escrava das paixões, e não pode aspirar a outra função além de servir e obedecer a elas” (TNH: 2.3.3)

O que Hume está a dizer? Que a razão não se opõe à preferência da destruição do mundo e que é perfeitamente natural e legítimo optarmos por ela em vez de arranharmos um dedo? Ou que a perspectiva de virmos a sentir dor em conseqüência de um arranhão no dedo tem mais poder e influência sobre nós do que a perspectiva racional de preferir a destruição do mundo?

Ora, não vejo (e acredito que Hume também não vê) como a idéia de destruição do mundo possa envolver somente a razão. A meu ver essa perspectiva inevitavelmente envolve paixão, pois a destruição do mundo todo (ao menos para um ser humano) implica uma perspectiva de dor e, portanto, uma paixão - por certo muito maior do que a de um arranhão em meu dedo. Talvez essa afirmação possa valer para a alma de um egoísta facínora (ou seja, para a alma de um desalmado rsrsr, e o que é pior, completamente irracional, pois não posso compreender como alguém pode preferir a destruição do mundo sendo racional), mas não para a de um ser humano mortal e comum, dotado de razão e sensibilidade.

Ademais, se tomarmos ipses litteris a afirmação em pauta, sem levarmos em conta o que vem antes e o que vem depois, penso que as próprias explicações de Hume destruir-se-iam a si mesmas - e não acredito que Hume cometeria um deslize tão crasso como esse.

Veja só: ele diz que “... a razão, sozinha, não pode nunca ser motivo para uma ação da vontade...” (TNH: 2.3.3). Pois bem, como eu já disse, não me parece possível que só a razão intervenha na preferência da destruição do mundo todo. “E, em segundo lugar, que [a razão] nunca poderia se opor à paixão na direção da vontade” (TNH: 2.3.3).

Ora, ao preferirmos a destruição do mundo não é a vontade de destruí-lo que está a se exercer? Se não for assim, teríamos de dizer que a razão sozinha influenciou a preferência da ação de destruir o mundo. Como você pode ver, ela teria agido sozinha, completamente depurada de vontade, e como ele mesmo diz, “a razão sozinha não pode produzir nenhuma ação nem gerar uma volição e é igualmente incapaz de impedir uma volição ou de disputar nossa preferência com qualquer paixão ou emoção” (TNH: 2.3.3).

A bem da verdade, penso que o que Hume está a dizer quando afirma que “não é contrário à razão eu preferir a destruição do mundo inteiro a um arranhão em meu dedo”, ele está apenas querendo mostrar que é contrário à minha paixão preferir a destruição do mundo, ou seja, que a paixão de não destruí-lo tem de intervir com muito mais força sobre a perspectiva passional de um arranhão em meu dedo.

Um beijo!

sexta-feira, março 23, 2007

Fluxo e refluxo do politeísmo e monoteísmo


Na História Natural da Religião [1757] Hume trata todas as crenças religiosas como meros produtos da natureza humana. Nessa obra, Hume sustenta que a religião tem por base fatores psicológicos completamente independentes de um fundamento racional. Ao afirmar isso, Hume vai de encontro à tese segundo a qual as pessoas são levadas à crença religiosa pela contemplação racional do universo. Para Hume, as religiões populares têm origem nas paixões humanas mais primitivas e básicas, como por exemplo, nas paixões do medo e da esperança. Sendo assim, a origem das religiões populares não está, para Hume, numa tentativa de entendimento racional do universo, mas sim no medo de influências desconhecidas sobre a sociedade humana. Para demonstrar isso, Hume faz uma narrativa histórico-filosófica digna de nota. Conforme assinala Jaimir Conte (tradutor da obra), a perspectiva segundo a qual a crença é entendida como produto da natureza humana, “busca justamente as origens e causas que produzem o fenômeno da religião, seus efeitos sobre a vida e a conduta humanas e as variações cíclicas entre o politeísmo [considerado a ‘religião original dos homens’] e o monoteísmo”.


Bom, nada melhor do que dar voz ao próprio Hume para confirmar a propaganda gratuita que faço aqui de sua obra:

“Deve-se assinalar que os princípios religiosos sofrem uma espécie de fluxo e refluxo no espírito humano, e que os homens têm uma tendência natural de elevar-se da idolatria [que é o mesmo que politeísmo] para o monoteísmo, e recair de novo do monoteísmo para a idolatria. O vulgo, ou seja, na verdade todos os homens exceto uns poucos, por falta de conhecimento e de instrução, nunca levantam os olhos para o céu, nem investigam a estrutura oculta dos vegetais e dos corpos dos animais, a ponto de chegar a descobrir um espírito supremo ou uma providência originária que conferiu ordem a todas as partes da natureza. Eles observam essa obra admirável de um ponto de vista mais limitado e egoísta, e, descobrindo que sua própria felicidade e desgraça dependem de influências secretas e do concurso imprevisto dos objetos exteriores, examinam com atenção perpétua as causas desconhecidas, que, por meio de sua poderosa mas silenciosa operação, governam todos os fenômenos naturais e distribuem o prazer e a dor, o bem e o mal. Essas causas desconhecidas também são invocadas em todos os momentos difíceis; e essas formas gerais e imagens confusas constituem o objeto eterno de nossas esperanças e temores, de nossos desejos e apreensões. Pouco a pouco, a imaginação ativa dos homens, incomodada por essa concepção abstrata dos objetos, dos quais constantemente se ocupa, começa a torná-los mais precisos e a revesti-los com formas mais adequadas a sua compreensão natural. Ela os representa, então, como seres sensíveis e inteligentes, semelhantes às oferendas e às súplicas, às pregações e aos sacrifícios. Eis aqui a origem da religião e, conseqüentemente, da idolatria ou do politeísmo” (História Natural da Religião, seção 8, p.71-71-grifei).

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Operações do universo mental


"Nada, à primeira vista, pode parecer mais ilimitado que o pensamento humano, que não apenas escapa a todo poder e autoridade dos homens, mas está livre até mesmo dos limites da natureza e da realidade. Formar monstros e juntar as mais incongruentes formas e aparências não custa à imaginação mais esforço do que conceber os objetos mais naturais e familiares. E enquanto o corpo está confinado a um único planeta, sobre o qual rasteja com dor e dificuldade, o pensamento pode instantaneamente transportar-nos às mais distantes regiões do universo, ou mesmo para além do universo, até o caos desmedido onde se supõe que a natureza jaz em total confusão”.


Este belo trecho do § 4 da seção II da IEH de Hume me faz pensar que, aqui, o próprio pensar, isto é, o modo como ele se exerce, é aqui objeto de pensamento e explicação. 

Segundo Hume, nossa mente, “constituída unicamente de percepções sucessivas” (TNH 1.4.6.4), tem em seu aparato cognitivo duas fundamentais faculdades: a da imaginação e a da memória. Com elas, a mente opera da seguinte forma: copia as idéias fornecidas pelos sentidos, armazena-as na memória - que funciona como um arquivo de dados (que se oferecem à mente), no caso aqui, como um arquivo de idéias. Daí a faculdade da imaginação serve-se dessas idéias armazenadas (e também daquelas que a mente constantemente copia das sensações), estabelecendo certas relações que, num jogo de reflexões e/ou associações, mistura, combina, separa, divide, transpõe, reduz ou estende essas idéias que, por sua vez, dão origem a novas impressões e idéias. Assim, mas evidentemente não de maneira tão simples, Hume nos mostra como a mente opera na aquisição do conhecimento das coisas e do mundo e, ainda, como ela ultrapassa “os limites da natureza e realidade” criando deuses, formando anjos, dragões, demônios, cavalos alados e, se se quiser, as mais diversas barbaridades.


quinta-feira, novembro 02, 2006

Sobre o fim do mundo IV (continuação)


IV - Como você imagina este dia?


Posso imaginá-lo de vários modos. Fazer simples e complexos experimentos mentais. Minha imaginação pode fornecer uma enorme variedade de representações possíveis, desde que estas não impliquem contradições absolutas. Todas aquelas catástrofes em proporções gigantescas e aniquiladoras que citei acima (no caso do blog, citado abaixo) podem ser imaginadas. 

Hume assinala em EHU 5. 2. § 10: “Nada é mais livre do que a imaginação humana, e, embora não possa ir além daquele inventário original de idéias fornecidas pelos sentidos internos e externos, ela dispõe de poder ilimitado para misturar, combinar, separar e dividir essas idéias em todas as variedades de ficção e miragens. É-lhes possível inventar uma série de acontecimentos que têm toda a aparência de realidade, atribuir-lhe uma ocorrência em um local e momento precisos, concebê-los como existentes e pintá-los para si mesma com todas as circunstâncias apropriadas a um fato histórico qualquer...”. Mas isso, ao menos a princípio, permanecerá no campo das ficções (que não se transformam em sólidas crenças) da imaginação.

Há um outro ponto que considero interessante. Veja se não é curioso:


Uma pessoa que morreu na catástrofe das Torres Gêmeas durante os atentados de 11 de setembro de 2001 pode muito bem ter pensado que estava vivendo o fim do mundo. Nem todas perceberam que aquela destruição toda era causada pelo choque de um avião e que o mundo subsistiria. Não tiveram tempo de perceber nem de colher informações sobre o que ocorria de fato. Talvez uma vítima do último Tsunami (ou qualquer outro) tenha pensado a mesma coisa, ou seja, pensou que o mundo estava sendo engolido por uma onda gigantesca e que este era não só o seu fim, mas o fim do mundo. Contudo, como já disse, de um fim particular ou de uma morte individual, não se segue o fim do todo ou a morte do mundo.

terça-feira, outubro 31, 2006

Sobre o fim do mundo III (continuação)





III - De onde você acredita que vem a necessidade de se acreditar no fim do mundo?

Eu não diria que a crença no fim do mundo é necessária, embora eu perceba que a maioria das pessoas pensa a respeito e acaba formando uma opinião sobre o assunto. A idéia de necessidade aí me parece muito forte. Necessário é aquilo que, em geral, não pode deixar de ser ou acontecer, tal como é ou acontece. Mas nem todos acreditam no fim do mundo. É preciso distinguir entre conhecer, pensar, opinar e crer no fim do mundo. Aqueles que abraçam as explicações religiosas geralmente têm crenças bem arraigadas (e provavelmente equivocadas) sobre esse suposto fim. Mas eu mesma não referendo esses discursos. A mim o fim do mundo se apresenta como um tema instigante que serve de mote para especulações que excedem os limites do nosso entendimento, haja vista a mente ter capacidade finita para conhecê-lo (em sentido estrito). Mas nem por isso eu saio por aí apelando a crenças mal fundamentadas. Prefiro colher dados e informações a respeito do tema a fim de formar opiniões plausíveis. É importante determinar como e até onde podemos conhecer os fenômenos. No caso do "possível" fenômeno do fim do mundo, a impossibilidade de conhecê-lo é patente, pois, como disse, diz respeito ao futuro. Todavia, podemos pensar, opinar e formar crenças a respeito, de acordo com as informações disponíveis. 

Li em algum lugar (desculpe-me a imprecisão, mas não me lembro onde) que o medo do fim do mundo é, digamos assim, uma versão cósmica do temor da morte individual. A explicação é interessante. Quer dizer, a partir da consciência de nossa finitude e experiência da finitude de outros seres, ampliamos (por analogia) essa idéia até alcançarmos a idéia de fim de mundo. 

Mas veja bem, ter medo da morte não leva necessariamente a crer no fim do mundo. Certamente não tememos somente as coisas que são certas e infalíveis como a morte é (ao menos até que tenhamos a experiência de algum ser imortal). Temos de fato medo de coisas que são apenas possíveis e contingentes, mas nem sempre nossos medos são suficientes para produzirem crenças consolidadas. Eu (como quase todos os mortais comuns) tenho medo da morte (talvez mais de como ela ocorrerá do que dela propriamente dita). Ela ocorrerá certa e infalivelmente. Mas eu não vivo torturando meu cérebro pensando nela (se assim fosse acho que a vida tornar-se-ia insuportável), muito menos no fim do mundo (ao menos enquanto essa possibilidade se apresentar como relativamente distante). Até que se prove o contrário, o fim do mundo não é certo e infalível, e mesmo que abracemos teorias que afirmem isso, não passarão de conjeturas, umas mais plausíveis, outras menos plausíveis. 

Ademais (lembrando Hume), conhecemos mui imperfeitamente uma parte mínima desse grande sistema chamado mundo, e durante um intervalo de tempo muito curto. Como então podemos nos pronunciar com certeza acerca de um mundo que tem aproximadamente dez bilhões de anos (com formas de vida completamente desconhecidas) e que dependendo de seu desenrolar poderá ainda viver (mesmo que em condições deploráveis), mais tantos bilhões de anos? Se pensarmos nessas proporções, como formar uma idéia adequada, ou uma sólida crença (para voltar à questão), deste suposto fim?

sexta-feira, outubro 27, 2006

Sobre o fim do mundo - I





Outro dia recebi um telefonema de um estudante de jornalismo (o Vinícius) pedindo que eu concedesse uma entrevista a ele (fui indicada pela Karen Debértolis). Perguntei: qual é o tema? E ele disse: é sobre o fim do mundo.

Ich! Minha mente deu a volta ao mundo. Perguntei-me: que sei eu sobre o fim do mundo? Aliás, como posso saber algo a respeito do fim do mundo? Ainda, como posso pensar sobre o fim do mundo e afirmar algo a respeito dele? 

Me vi ora presente, ora ausente, às vezes na terra, às vezes no céu. Fiz uma viagem para além dos limites da realidade: transportei-me “... às mais distantes regiões do universo, ou mesmo para além do universo, até o caos desmedido onde se supõe que a natureza jaz em total confusão” 

(não resisti a usar essa bela frase de Hume, EHU seção 2). O resultado (nada conclusivo) será apresentado em partes, pois escrevi sete páginas sobre o assunto e cada vez que as leio inclino-me a mudar ou acrescentar mais alguma coisa às idéias que esbocei.

É claro que devo ter escrito muita bobagem (rs). O assunto é vasto e fugidio. E não dá dinheiro, como disse uma de minhas filhas – expliquei-lhe que não dava dinheiro para mim, o que não é o caso do Marcelo Gleiser e muitos outros. Mas dando ou não dinheiro o tema é muito instigante e parece inesgotável! 

A entrevista consiste de nove questões: vou responder uma a uma em posts separados, com uma, duas ou três questões. Não apresento concepções consolidadas, mas sim um tatear sobre muitas dúvidas e algumas hipóteses. 

As questões foram as seguintes


1. Qual a sua concepção sobre o fim do mundo?
2. Baseado em que você poderia reforçar sua opinião?
3. De onde você acredita que vem a necessidade de se acreditar no fim do mundo?
4. Como você imagina esse dia?
5. Existiria então algum meio de salvação?
6. Na sua opinião o fim do mundo está relacionado a atitudes humanas ou a algo divino?
7. Você acredita na extinção da raça humana?
8. O fato de o fim do mundo ser presente na vida humana desde o início da civilização se deve a quê?
9. Se soubesse o dia exato em que o mundo iria acabar o que você faria?

Bom, começo com uma cartinha para o Vinícius. A entrevista foi realizada por escrito via e-mail.


Vinícius: o que expresso aqui em relação ao tema do fim do mundo são algumas idéias (fresquinhas) decorrentes das inquietações que o assunto me causou. São meras especulações que de forma alguma podem ser consideradas crenças consolidadas ou concepções estanques. A questão se colocou para mim do seguinte modo: em vez de procurar fazer afirmações sobre como eu acho ou acredito que será o fim do mundo, procurei esboçar algumas (poucas) concepções mais difundidas sobre o tema, extrair algumas conseqüências e pensar em como o fim do mundo pode ser pensado. Isso porque acredito que ele pode ser pensado de vários modos, dependendo dos métodos e perspectivas que adotarmos (bem como de certos dados empíricos disponíveis). Abstive-me de citar pontualmente algumas idéias que inevitavelmente tomei emprestada do filósofo David Hume (1711-1776) porque isso me tomaria muito tempo (e eu tomei essa entrevista como uma conversa informal). Para fazer citações eu teria que revirar algumas obras. Mas gostaria de registrar (para não ser acusada de desonestidade filosófica, ingrata, plágio, etc), que por trás de muitas idéias particulares que aqui apresento encontram-se traços marcantes das teorias de Hume.


I - Qual a sua concepção sobre o fim do mundo?


Não sei se poderia afirmar que tenho propriamente uma concepção formada, completa ou acabada do fim do mundo. Tenho sim, algumas noções inconclusivas a respeito desse tema. Em geral meu pensamento está voltado para questões sobre a origem do mundo e a ordem que nele pode ser observada (tema relacionado ao meu projeto de doutorado).

Veja só: a idéia de fim de mundo diz respeito, ao menos até que se prove o contrário, a um futuro (e sobre o futuro só podemos crer, conjeturar e lançar hipóteses com maiores ou menores graus de probabilidades) aparentemente bem distante. Penso que é natural que nos preocupemos com o futuro, mas numa dimensão mais imediata, pois objetos muito distantes têm pouca influência sobre nossas paixões. Isso não significa que não seja uma questão instigante (pois nos leva a pensar em conceitos como finitude, infinitude, mortalidade, imortalidade, eternidade, origem), mas na medida em que diz respeito a questões de fato e existência (Hume EHU seção 4) cujas respostas permanecerão (até que tal fato se dê) na esfera das probabilidades, acho tanto possível que o mundo acabe quanto que não acabe, ou seja, que tenha fim e não tenha. Podemos pensar ambas as proposições sem cair em contradição. Quero dizer, as duas são possíveis. Para formar uma concepção mais sólida, eu teria de reunir dados e analisar detidamente os argumentos que contam a favor e contra essa idéia, ainda que idéias muito distantes, não assentadas na experiência, sejam pálidas, escorregadias e imprecisas.

Pois bem, a própria noção de fim de mundo, além de muito complexa, é pouco clara, pois de que tipo de fim de mundo estamos falando? É um fim total no qual todas as formas de vida desapareceriam, toda a matéria orgânica e, inclusive, a inorgânica (se é que isso é possível de fato)? Ou um fim no qual só os seres vivos seriam aniquilados? A matéria inorgânica subsistiria, ainda que totalmente transformada? O mundo aqui referido significa apenas o planeta terra, ou contempla um universo maior de outros mundos possíveis? Ou seja, seria necessário qualificar melhor esse “fim de mundo” pois, dependendo da dimensão que adotarmos, é possível dar a cada uma dessas questões respostas distintas.