Acabo de viver uma situação dramática quando estava sossegada, atirada em meu sofá, assistindo a “Os cinco diabos”, filme de Léa Mysius. Ouvi um barulho na lâmpada de minha luminária e algum bicho rapidamente passou pela minha cabeça. Saltei igual a um canguru (vocês nem imaginam como sou rápida nesse gatilho). Imediatamente acendi a luz do teto. Já imaginei o pior bicho, o mais horripilante. Quero nem dizer o nome...
Corri e peguei o veneno (morro de pena, mas não dou conta de conviver com uma). Mato! mas mato com dó. Mato sofrendo. Não suporto vê-la agonizando, sufocada pelo veneno. Agonizo junto. Mas não tem negociação possível. Ou eu ou ela, e, claro, sou mais eu. Sorry.
Espalhei o veneno na região do barulho: embaixo, atrás e nas laterais do sofá. Praticamente envenenei a sala e a mim mesma. Fiquei um pouco longe, de pé, esperando pra ver que bicho era aquele. De repente, vejo uma formiga, daquelas que têm asas, em completa agonia. Era essa a bichinha. No caso, nem precisaria matá-la, já que era apenas uma formiga voadora. Pensei se deveria dar a ela o golpe de misericórdia, dada a agonia da coitada. Passou pela minha cabeça jogar mais veneno. Morri de pena! Achei cruel demais. É uma morte muito lenta. Fui, então, buscar um chinelo. O método tradicional seria menos agonizante e mais fatal.
Quando voltei, tomada de comiseração, resolvi tentar salvá-la. Tava desesperada a coitadinha. Peguei um papelzinho pra ela subir. Ia jogá-la na sacada, proporcionar-lhe ar puro, mas a coitada subiu muito rápido e caiu. O papel era pequeno demais. De repente, saiu voando toda tonta e desorientada. Abri a sacada e agora não sei por onde ela anda. Não sei se conseguiu fugir. Espero que sim. Silêncio total. Não ouço nenhum bater de asas, nenhum bicho dando rasante sobre minha cabeça.
Eu poderia terminar aqui. Ficou claro que me precipitei. Porém, justifico:
Meses antes, depois de ter ouvido um barulho semelhante ao do caso acima, e ter pensado que deveria ser uma mariposa, um grilo ou uma mosquinha qualquer, um daqueles seres que me recuso a pronunciar o nome simplesmente pulou em minhas costas nuas, enquanto eu estava sossegada, atirada em meu sofá, assistindo a um filme que não me lembro qual. Voei dali na velocidade de um raio.
Fiz o mesmo movimento. Corri pegar o veneno. Fui e voltei em segundos, temendo perdê-la de vista. Perdi! Achei que se escondeu debaixo do sofá. Lasquei veneno e fiz a mesma coisa. Observei de longe. Não a vi mais. Dei um tempo dali e depois voltei, certa de que seria impossível que ela tivesse sobrevivido. E de fato não ouvi mais nenhum barulho. O silêncio voltou a reinar. Consegui relaxar.
Quando fui dormir, vi a desgraçada ali no ralo do box do banheiro completamente imóvel, mortinha da silva. Como ela chegou ali não entendi, dado o meu olhar atento, neurótico e paranoico, dada a distância entre a sala e aquele banheiro.
E agora? Deixei pra pensar no dia seguinte. Precisava criar coragem para tirá-la de lá. Fechei o box, a porta do banheiro e não entrei mais ali. No dia seguinte, fui lá com uma pazinha e uma vassoura para retirá-la. Quando cheguei perto, não era a tal asquerosa. Era um pedacinho de sabonete Phebo tradicional (daquele preto), bem no finzinho, que tinha caído da saboneteira do box.
Concluam vocês mesmos.