sexta-feira, março 21, 2014

A musa da noite

Pois não é que caí no conto do facebook? Ops, será menos pior do que cair no conto do vigário? Sei lá... Calma! Je peux expliquer: eu havia visto no meu farto, concorrido (rs) e pouco confiável feed de notícias, que o dia 14 de março era o dia da poesia. Meus amigos du métier publicaram várias poesias em homenagem a elas. E eu, que vinha há dias perambulando pelos meus livros e arquivos de literatura e poesia, no dia seguinte, resolvi, por conta dessa informação (que eu rápida e irrefletidamente admiti como verdadeira), escrever algo a respeito.

Porém (ah... o velho porém), vejo hoje novamente no facebook que, na verdade, o dia da poesia é hoje (21/03). Ts ts ts, fiquei confusa e, desta vez, resolvi conferir. Eis que, ao pesquisar no Google sabe-tudo, constatei que é mesmo hoje o Dia Mundial da Poesia ─ criado, diz o mestre Google, na  XXX Conferência Geral da UNESCO, em 1999.

- Mas que papelão, hein, Marília! (fala a voz da autocensura). Logo você, que aprecia tanto a poesia, dá um fora desses! Cadê aquele seu zelo tradicional de conferir as informações que recebe via facebook ou de outra fonte qualquer? 

Bom, agora a Inês est morte. Só me resta, então, tentar remediar esse terrível engano que, ao final, nem foi propriamente um engano, pois depois de pesquisar um pouco mais, descobri que o dia 14 de março é o dia nacional da poesia, e não o dia mundial da poesia (bah, grande coisa!). Sendo assim, aquilo que inicialmente seria um sincero pedido de desculpas à poesia, torna-se agora um mero pretexto para publicar uma que me deixou gamada (mais do que já sou por natureza) quando li no mural do facebook da minha amica del cuore Ana de Lucca. Lá vai: transcrevo abaixo um poema de Florbela Espanca extraído (pela Ana) do Livro de Sóror Saudade [1923], in Sonetos [Ediclube, 1995]. 

Que fale, pois, a poesia de Florbela ─ a bela musa da noite!

[La Nuit - Auguste Raynaud - 1854-1937]

A noite desce...

Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce... Ah! doces mãos piedosas
Que os meus olhos tristíssimos fechassem!

Assim mãos de bondade me embalassem!
Assim me adormecessem, caridosas,
E em braçadas de lírios e mimosas,
No crepúsculo que desce me enterrassem!

A noite em sombra e fumo se desfaz...
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe-me embriagada, louca!

E a noite vai descendo, muda e calma...
Meu doce Amor, tu beijas a minh'alma
Beijando nesta hora a minha boca!

Devo adverti-los que encontrei, em outras fontes http://portugues.free-ebooks.net/ebook/Livro-de-Soror-Saudade/pdf?dl&preview, algumas linhas traduzidas de modo ligeiramente diferentes, mas que "roubei" a versão publicada e devidamente citada pela Ana, por achar que essa versão é sutilmente mais bela. Que os diletantes, especialistas, mestres, doutores e pós-doutores de plantão, caso desejem, apresentem, se houver, suas correções. Caso contrário, apenas

apreciem a beleza dessa noite muda e calma
que desce com perfume de baunilha ou de lilás
beijando nesta hora a minha boca e alma.

sábado, março 15, 2014

Dedicatória

Ouvi dizer que ontem,
14 de março
foi o dia da poesia.
ora bolas, e poesia lá tem dia?

Não seria todo dia dia de poesia?
dia de mais poesia
dia de menos poesia?

Digamos, pois, que hoje é um dia de mais poesia!

Destino, então, esta pequena poesia
ao meu amor poético

com esta breve
muito breve
dedicatória:

ao meu lírico amor
um beijo
um licor.


Tal dedicatória, que acabo de escrever, me fez lembrar de um verbete contido nos Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland Barthes. Eis o verbete:

Dedicatória:  "Episódio de linguagem que acompanha todo presente amoroso, real ou projetado, e, ainda, mais geralmente, todo gesto, efetivo ou interior, pelo qual o sujeito dedica alguma coisa ao ser amado". Entre muitas outras coisas que não caberão aqui, diz, ainda, Barthes: "Não se pode dar linguagem (como fazê-lo passar de uma mão a outra?), mas pode-se dedicá-la [...]. Nada podendo dar, dedico a própria dedicatória, que absorve tudo que tenho a dizer" (pp. 66-67-68).


L'Altare della Patria ~ Rome, province of Rome LazioLeonardo Bistolfi
[1859-1933]